terça-feira, 29 de novembro de 2011

retorno

(13)

O que eu acho que estou querendo agora é tão delicado.
Não sei com quem falar disso.
O que estou querendo é tão delicado.
O delicado problemático. Sem volta.
Entendi que pra chegar tenho que dar outra, outra volta.
Mas não posso, meu corpo bom, trocar de terra mais uma vez.
Vou cair em todas. 
Insuficientemente permeável à pele das cidades.
Não reconheço nenhum canto desta sala.
Com quem conversar o descanso?
Metade da vida é faxina. A outra metade?
Regresso do pó. E eu querendo algo
agora tão, tão delicado. De passar o vento.
Ou para sentir
só teria que pousar as mãos no pó
até vê-las brancas, espalmadas como um mar
que se instalasse sobre os móveis
mas um rabo de gato
meu dedo na boca
nervoso.
Estou no raio informe.
Se eu traçar uma circunferência estarei no raio do informe.
Do centro dela apita uma luz que ninguém vê.
Por onde, se mexe: é o que a luz diz.
Aqui também, tudo manda mensagens, significa.
Passou um barco que eu achei bonito.
Ele trazia também duas luzes.
Piscavam querendo dizer numa linguagem que não me comunico.
Mas alguém se comunicaria
com as luzes do barco.
Estou procurando um lugar de mim mesma que seja o campo de mim mesma.
Não preventiva.
Cansei de ser o princípio do cuidado descontrolado.
Estou levando uma maçã pra eu comer mais tarde.
Tão tranqüila cidade.
Passo a mão na água.
Quem dera fazer, dos poemas, sinfonia.
Fina de chiados e sintonizações, quem passasse pudesse ouvir
como gruda o ouvido no rádio, a emancipação
do universo feito de palavra, não encontro. Nem saliva,
só aço. Nem tato, olfato. Os olhos mesmo, perfurados.
Estou dizendo que só viverei naquele
que se enfraquece de ternura, pena carne.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Onde bate o compasso da gravidade
não haverá ilha do suficiente.
Onde o mar ganha uma película negra
quando a sutileza chegar ao ponto de ardor do petróleo
é aqui
onde vamos
vir por cima com o helicóptero
que bota fogo no mar.
Quando o vapor atingir o continente
toda manhã será a primeira.

ou a interpretação

até um céu muito azul pode ser um pesadelo.
então eu acordei e o dia estava com um céu muito azul.
a coincidência me assimilou.
comecei a me exercitar e, acho mesmo que foi um lado do corpo do exercício, chorei.
chorei por umas duas horas, sem parar.
vim pela rua, chorando.
agora já não estou mais chorando.  
talvez eu vá ter uma broca e furar os ares.

essa calma que inventei, bem sei

me botavam de volta em um navio pro brasil.
dentro de uma saleta eu jantava comida coreana com meu irmão e minha cunhada.
as madeiras claras estalavam em mim.
eu mandava uma mensagem por celular pro meu namorado/ que não respondia.
na superfície eu pensava que conseguiria voltar pra lisboa.
no fundo eu sabia que demoraria, seria muito difícil. então tudo seria outro/perdido.
então eu estava no banco de trás de um carro e olhava o céu muito azul e pensava
OUTONO
e era o céu do interior do meu país. 

terça-feira, 22 de novembro de 2011

e a poesia te obriga a lavar o camarim de deus
solidão é algo que nunca me faltou.

mas é bem louco, às vezes o jeito de eu me sustentar ao lado dele é começar a escrever poemas pro vento. é. começo a cantar tudo o que está ao meu redor e é claro que isto organiza a minha relação com as coisas ao redor. tipo sábado de manhã eu vou até a varanda e digo pra mim mesma versos que falam da gaivota no teto do vizinho, o carro lá embaixo passa como um rasgo de papel, dois guardadores de carro que brigam pelas coisas mais deles, agarrados em heroína que são. de tão absurdas. o lixo nos contentores.

é como se o vento atravessasse meus lábios em dizer, eu acho muito bonito. também como é puro desperdício, poemas que eu nunca mais vou me lembrar. ao ponto de ter certeza que eles são a dicção exata, é neles que está, justamente, a grande obra que estou escrevendo. vida, vida. é só isso.

no mais, anoiteceu e a gente ainda estava no topo da montanha. foi muita muita emoção real, adrenalina, escuro! e camaradagem mútua, seguramos completamente os riscos, toureamos a noite sem lua e encontramos a saída, com muita sorte e intuição, também. sorte forte de, por exemplo, muitas pedras dos caminhos serem de calcário, isto é, brancas, reluziam mais do que o barro e nos diziam "por aqui".

foi lindo. na hora que chegamos lá embaixo no vale caímos num bosque de pinheiros, muito mais escuro. mas seguimos em frente, em frente, corujas saltavam dos galhos, e nós andávamos, andávamos. quando saímos do bosque chegamos no vale propriamente dito. dito e vasto, um pasto sobre os nossos pés e a noite de muitas estrelas no céu. foi das coisas mais bonitas que já vi na minha vida.

também porque combinada com a sensação de êxito. o problema real era descer a montanha (e não subi-la!), ali no pasto já era certo que chegaríamos ao carro. ao encontrarmos o asfalto demos nele um beijo, não em nós, não, no asfalto mesmo. "feito o papa".

quando eu disse que pra além de sermos peixes cuja água era o mato, nosso caminho era iniciático, ele se derreteu em ternura.

é meu.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

não nos dão o animal que espeta os cornos no destino

e quando falo, a outra palavra para o medo é respiração. sou capaz de adormecer com ele, embalador. desconheço algo mais real. e chorar sempre faz as crianças dormirem bem. e fico por cima do meu peito e instruo a vontade de inspirar conforme o batimento cardíaco. subir montanha, ou seja, tenha que ficar irrigado, ou tranquilo. então eu olhei para o mar e disse: tua umidade não me impressiona, as cavidades do meu corpo contigo dividem a salina memória do futuro. a começar pelo coração. 
sou incapaz de assustar o caminho de alguém, mas facilmente vou ferir a fera que vive em ti. posso fazê-lo em sonoridade. dentro do meu toráx vivem canivetes que te assaltam, amor que não me dás. ou sou eu que não sei esconder o pensamento que sobra tanto em mim, é um crânio onde bebem as feras o vinho. que, na verdade, já estive a adormecer sem pensar numa carta em que te explico as coisas que me magoam.
e quando voltamos para a cidade, ela é a que nos resta. e de manhã nos despedimos como se eu fosse atravessar. por mim entre tuas mãos entre as minhas para sempre.
o céu, o mato, tu e eu, tudo pra nos dar coragem. veja, estrelas. e sobre nossos pés, o pasto.

vivo feliz em mangueira porque

das coisas que tive, como todos, e ainda tenho, solidão nunca me faltou.
sou capaz de pular três fogueiras e andar pelo mato inteira, sair contigo.
ver as estrelas mais bonitas - que são as nossas, há de se ter sorte, caminho.

meus poemas ao vento andam
mais convictos do que os de serem em papel
esta travessia. a poesia sempre foi meu jeito de estar
tipo meu sobrinho, tão pequeno, já aprendeu que há um lugar só dele
pra se divertir, escrita de lábios é o que não me faltará.

tenho as mãos cortadas pelo mato e posso dizê-lo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

como eu faço pra ter aquilo que já tenho?
se é gratuito, amor.

ter uma língua, abrir-se.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011



 












quando eu canto
que se cuide
quem não for meu irmão

meu avô era um ser da floresta-que-sabia-dizer-sim

ando com uma autoconfiança tão generosa que sonhei que me davam 25.000 euros por um livro que ainda não escrevi.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

eu te anuncio nos sinos das catedrais

e conversar contigo é o conhecimento do que é a clareza
serpentes e dragões amansadas sem aflições. confesso
muitas vezes falamos do tédio, mas sempre mal do medo
e daqueles que se poupam sem errar, nem amar.

não é questão de vertigem. é, mais uma vez, de oceano.
agora no meu peito, o mar que é um peito
aberto sobre o espaço fico
tão presente que precisamos
escapar um pouco que seja
respiração que faz - beijar.
XII

Temendo deste agosto o fogo e o vento
Caminho junto às cercas, cuidadosa
Na tarde de queimadas, tarde cega.
Há um velho mourão enegrecido de queimadas antigas.
E ali reencontro o louco:
-Temendo os teus limites, Samsara esvaecida?
Por que não deixas o fogo onividente
Lamber o corpo e a escrita? E por que não arder
Casando o Onisciente à tua vida?

[Hilda Hilst]

e eu sempre lia o primeiro verso, faz anos como "Temendo desDe agosto". e agora copiar disse-me outro.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

somewhere over the rainbow

sinto sono. hoje troquei de conta. alucinei no caderno embaixo do ar condicionado. escapei de três frechas de sol. quatro moicanos no meu peito. fiz um moicano no cabelo da minha sobrinha de dois meses ela babava e me dizia com os olhos: o segredo do universo, titia, é que somos todos umas larvas que babam. é tão impressionante, não nascemos arbustos. no entanto temos caracóis, HÁ CARACÓIS. quando a próxima primavera voltar, mas agora eu estou rumo ao outono. e com a minha capa de super-herói nas costas, que na verdade é a minha manta de beber chá, ando vendo meu reflexo pelas paredes das rochas de encostas das estradas. quando é lua, olho para ela e penso "tão antiga, a lua. és tão antiga". e quando olho duas vezes logo exclamo
meu pai é um anjo
o corvo que atravessa pelo átrio a igreja
e dou risada do verme que vive em todos nós. e racha as portas com seus dedos.
no mais, viro bicho. que são uns bicho mais mato que o mato.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

verdade

sonhei que meu peito era o mar azul
onde meu sobrinho, o Leon, colocava barcos de papel brancos
a navegar.
 

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