quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

o risco do que se guarda

Primo Levi conseguiu um edredon nos últimos dia no Lager. Tomou do quarto abandonado por um SS. Décadas mais tarde, a peça de calor ainda o acompanhava, de casa em casa, pra onde ele se mudava. Quantas vezes Primo sentiu a cor e o cheiro do seu cobertor, e lembrou? Nada que eu possa explicar com minha insuficiência confortável. Só consigo pelo redor do que fascina: são três coisas: suponho que ele esquecesse até o ponto de lembrar, como em uma revelação, eu queria poder ver por dentro a imagem da sua sensação, seu sopro, som e sabor, no momento de retorno pelo objeto àquela lembrança; se ele nunca deitou fora, eu gostava de sempre ter comigo o direcionamento de interpretação que Primo fazia ao lembrar o que o edredon recordava, afinal, ele não se exilou da vivência ou a pintou com o horror do inabordável, antes fez dela uma passagem e atravessou, como quem olha, como quem toca, tecido seu e de ninguém; por fim, me impressiona como o mesmo objeto possa cobrir seres tão diversos, aquecer suas idéias, sendo elas de bem e mal, sendo sempre o mesmo, só pelo tempo corroído.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

é ser o ter no lugar do haver

Clarice Lispector que era de uma brutalidade, de uma violência como só um pano de linho seria capaz,  de um tecido que alguém puxa com uma mão de cada lado até promover um BANG, sonoridade de um rompimento que não rompe, e você pode acarinhar o tecido intacto. Eu quero a revelação pouco a pouco. Isto aprendi com C.L.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

segunda história rápida sobre a integridade

A SOLIDIFICAÇÃO: A SOLIDÃO

os corpos gasosos movem-se
em correntes de ar
que solidificadas são
grossas paredes a separar
os outros corpos
a separar todos
os débeis estados da matéria

[Luiza Neto Jorge]

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

neste momento eu tenho um livro quase pronto e os músculos de quem dormiu quase doze horas seguidas.
o livro quase pronto quer dizer que andei trabalhando nos últimos dois anos nele. dia a dia, passo a passo,
entendo que quando tiver o último poema vou preencher o livro com mais dois ou três e lá estará
a secagem, o ritmo da máquina de lavar
todo verso, no giro, de fundo, é uma lavagem ultra
tenho também ciúmes, não do livro, mais um sentimento inédito.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

política internacional

essa noite eu tive o sonho mais bizarro da minha vida. primeiro eu andava por um shopping com um sujeito com quem já tive um lance, muitos anos atrás, ele apertava a minha bunda, e de repente ele zarpava pra outro canto e eu estava andando pelo museu de história nacional britânico, que depois virava: era um museu dos assassinatos dos tiranos do século XX. mas não tinha nem painel, nem tela, nem nada disso! eles estavam todos renascidos e eu os via morrer na minha frente. vi partirem: o castelo branco (de quem ontem falei) com um olho arrancado por um cabide, o hitler com uma peixeira atravessada na garganta até o coração, o mussolini estava já dependurado pelo pé pra cuspirem nele, o pinochet foi assassinado por uns esquilos e por último matavam a angela merkel (!!), mas não lembro como. levantei pra fazer xixi estava amanhecendo e eu pensando "mas e o stalin? cadê o stalin?"...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

pra mais tarde

corre o mar vermelho
da retina da visita que - de tarde - vem te ver
ela procura a cura, sentada no alpendre da tua casa
pelo menos no campo se tem repouso
mas és uma raposa que visita a toca
suga teus olhos como uns ovos
de cobra reinada
enrolada, sobre si 
ssssssssssilva pela boquinha verde
dançando pela fogueira
a língua toca o lume
é o fogo quem se queima
acovardado
cresce e nasce
some e desce
vigiado
neste inverno retrógrado
sou toda ouvidos, meu bem
a visita, agora sim, vai de pé
olhando às vezes pra trás acena
o farol sempre
atenta

pede mais chá

VIII

Guardo-vos manhãs de terracota e azul
Quando o meu peito tingido de vermelho
Vivia a dissolvência da paixão.
O capim calcinado das queimadas
Tinha o cheiro da vida, e os atalhos
Estreitos tinham tudo a ver com o desmedido
E as águas do universo se faziam parcas
Para afogar meu verso. Guardo-vos, Iluminadas
Recendentes manhãs tão irreais no hoje
Como fazer nascer girassóis do topázio
E dos rubis, romãs.

X

Há um incêndio de angústias e de sons
Sobre os intentos. E no corpo da tarde
Se fez uma ferida. A mulher emergiu
Descompassada no de dentro da outra:
Uma mulher de mim nos incêndios do Nada.
Tinha o rosto de uns rios: quebradiço
E terroso. O peito carregado de ametistas.
Uma mulher me viu no roxo das ciladas:
Esculpindo de novo teu rosto no vazio.

[de Hilda Hilst, no "Amavisse" no volume Do desejo.]

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

é um rei, vamos combinar

as fotos com o pound me impressionam muito

transformar a transformação

eu pedi à terra
eu pedi à terra
para não ter dúvidas
mas se eu fosse a terra
não seria poeta
os lugares podem mudar
as paisagens podem mudar
o corpo este depósito
de emoções
a yoga mexe com o corpo do grito
e eu querendo ser trigo
e eu querendo ser terra
acho que meus problemas todos nascem de tomar o mar
tomar o mar
a água salina
apodrece o sangue
mas não é isto que eu queria dizer
não
eu ia dizer que o mar com a sua horizontalidade sempre cambiante
talvez venha dele a minha metamorfose
quando todo mundo sabe que é do fogo
que só o fogo é capaz de trazer
aquilo

continua
que por aqui
tem feito dias lindos
e eu pensando
em um jeito
de afirmar tudo
estancar tudo
desencalhar meus músculos direitos
virei a mesa
serei um pano de linho
sobre a table
merci monsieur cesariny
quero ser pedra alucinada
não calçada claudicante
porosidade que se atravessa
minério que se encharca
eu

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

cortei caminho e a parte de cima do lábio cortou-se.
penso sem tardança em me atrasar. resisto a todos os choques e acho que meu sistema imunitário não dá bola pra ser tão antigo e equivocado.
o tempo abriu. meu tempo abriu. eu sou o tempo do aberto,
cortou-se de frio e vento a parte do ventre do lábio direito
mamãe está aqui comigo.
disse que eu e ele fazemos o parzinho mais bonito que ela já viu.
e eu coroada com a hera que maria me deu.
o nietzsche disse que em um milênio tem 34 vidas, eu me pergunto quantos antepassados diretos tenho a um milênio atrás? tudo isto pra desviar da rinietzsche e acho que a resposta é o rizoma.

neste carnaval vou me fantasiar de marinheiro
e digo mais, argentino. agora vou arrumar minhas coisas
que tenho a yoga mais mística que o coração do brasil já não viu.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

se abro o caminho do caminho, viajo.
se tento me recolher ao erro, vicio.
ontem tentei destruir a destruição. 
fui absolutamente incapaz de fingir que me interesso por ela o quanto me interesso. é porque não sei atravessar os esquecimentos e deixar de te dar a mão, quando me pedes, ou se não pedes. é só uma coisa de estar ao lado. de deixar de tomar um lado, incapaz? há momentos em que um vento ocidental varre os negócios dos ócios e tira os olhos da flexibilização, quem escolhe? posso, inclusive, elaborar essa estratégia de tentar encontrar uma falta de sentido libertadora, um dizer que não seja nada mais que uma mão estendida por dentro de uma garganta. mas é impossível. impossível também com este desânimo de fim de inverno, o corpo todo tomado por isto, mas sei bem mas sei bem mas não vou. digo: sei que amanhã vou subir uma serra e todo o medo será um carpete para pisar o céu. o céu das coisas têm cor de romã e une, o céu das coisas une intenção e gesto. a prática da sinceridade é uma prática de desestabilização dos métodos. há um ponto em que eu resolvo parar de dizer qualquer coisa. há um texto do deleuze que quero muito ler e que se chama "para por um fim no juízo", alguma coisa assim, sempre. e quero tanto ler as coisas que quando abro o primeiro parágrafo quero sugar cada um daqueles líquens de musgo até mastigar as conchas e os vinhos da tua carne dura, ó carne dura, inverno de merda. ontem tentei destruir a destruição e hoje fui recompensada com duas páginas. faltam mais oito nesse pedaço e tenho que desfazer essa espécie de expectativa do suficiente, porque a única coisa que é suficiente nesse campo de mim mesma é a seriedade. e alguma rinite que sobra, que obra, a rinite obra em mim uma precariedade constante. o bate-papo nacional em portugal hoje tem a ver que o governo está dizendo uma coisa e o ministro das finanças falou no ouvido do alemão outras coisas. e portugal está querendo dizer que é outra coisa que não a grécia, por que "se a grécia sair". putz. momento histórico de merda.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

trabalho a prazo

eu e meu irmão num ônibus de londres até paris
demorava 15 dias a viagem, e estávamos só no começo
paramos no graal da castelo branco (aquele onde o flavio compra lenha pro sítio e eu tomo suco de milho)
as poltronas do autocarro eram azuis
15 dias!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

hilda pede mais chá

escrever é um lance embora o cansaço
tanto que desconfio as vezes se escrever não é um lance do cansaço
e parece que quanto mais desconfiança a gente tiver, menos o texto vai
e que o cansaço só nos permite a desconfiança instintiva
A DESCONFIANÇA INSTINTIVA
conta-se que ana cristina cesar, meu bem, ana cristina cesar comia cacos de telha todas as tardes como quem mastigasse cigarras, não, cascas de noz, conta-se que este treino a deixou tão apta que toda a sua desconfiança era instintiva
no futuro falaram que eu tive de matá-la. terão razão. os homens de letras, tão arrazoados. é por isto que aos homens de letras vamos embebedá-los até todos serem bons homens de letras.
toda escrita é uma troca de letra desenfreada
meus dedos digitam como quem não tropeça, trupica
e quem trupica e cai cai cai cai cai cai
num "cai cai cai cai"
que até lembra quando
a gente diz ai quando a gente diz ah
ah ah ah
minha macaca só pensa EM
ela se debruça na porta da geladeira como quem aguilhotina a jaula
abre e fecha
fecha e abre
a minha macaca instruída
e digital
deixa marca em todo traço
que laça.

ps, conta-se que ana cristina cesar queria ser roteirista da globo. e inafiançável é a lembrança de que A DESCONFIANÇA INSTINTIVA seria um belo título no ecrã.

"ECRÃ!"

para dois rapazes

sabe quando um acontecimento é tão acontecimento que ele é disruptivo
isto é, ele cria uma cisão de distância que não é real
parece que faz cem anos, mas faz dois dias
?
então. menstruar é assim.
ou seja, as mulheres todo mês podem recomeçar. tudo.
esta parte já é para a minha amiga
as mulheres menstruam juntas
você tá entendendo?
as mulheres menstruam juntas
fiquei pensando no seu último email falando da revolta que a gente deve ter e infelizmente tem de carregar.
primeiro de tudo a hannah arendt eu quero mandar um beijo pra ela.
tô tão cansada, queria te contar mais coisas, falar de uma história bonita da hannah,
imagem, in fact
que ela diz
o tempo
numa imagem do kafka
é ser empurrado (um homem)
pela frente e por trás
por forças equivalentes
passado e futuro
onde o presente fica preso no intervalo entre um e outro
empurrado, amassado
a imagem é essa,
do kafka. a hannah diz
que maravilhoso era o kafka
mas-e-que se esta imagem-experimento
acontecesse num paralelograma
duas forças contrárias incidindo uma sobre a outra
tem como fluxo resultante um vetor
este vetor, no homem
é o pensamento.

e sabe abrir o seio como a terra

hóstia não quer dizer hostil

saguão de hotel, estofados laranja. eu, que não sou muito do laranja, parada no corredor esperando pelo elevador. ele chega, eu entro. entram muitos mais. alguém pisa no meu pé. o elevador me irrita. no saguão do hotel encontro uma mulher toda vestida de laranja, como o saguão. ela me abraça. já estou inventando, que eu não lembro mais. queria era sonhar mais, mas acho que ando tão pragmática, que ando sonhando pouco. mas não será esta uma separação muito pragmática também entre sonho e não-sonho. sei que hoje não quero ter de ir longe. já bebi meio litro de chá de erva príncipe. e tenho cólicas.
o b dia desses leu pra mim um trecho que o castañeda conta de umas índias que menstruavam vendo paradas uma fenda se abrir entre as montanhas. quer dizer, tinham que olhar a montanha até verem a fenda. quer dizer, eu já estou inventando, o b disse outra coisa, mas eu gostei dessa imobilidade atenta, também chamada cansaço com sangue.
talvez se eu imaginar um pote com sangue bem escuro fervendo até cheirar sangue pelas paredes como no inverno respiram as paredes o frio e se há fogo transpiram facilmente as paredes se fosse sangue na panela de um bicho ou seu; ficavam cor?
tenho visto muitos romanos de noite, na casa do meu bem, de dia fico assim, vendo romanos, augúrios, augustos, ave! estou pra o que é que tem.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

"eu devo dizer eu guardo um mundo em mim" - aviso de viagem,

olho as graves as traves as aves
o metro passou dia de ontem em greve
a garganta arde pelos graus
se eu fosse um termômetro (a imagem é de ezra pound para o papel do escritor)
vejam ezra pound
se eu fosse um termômetro
meu braço direito anulava a temperatura do coração
tomava tudo
para si

em potes de mercúrio.

no entanto não ando mudo.
viajo no cavalo do tudo, estudo.
sou o lombo do mundo.

quando virei ali na Sé, pra baixo, eram lascas
os galhos das árvores eram estalactites
não sei se a cidade é desta vez uma caverna
ou se o que me governa é a queimada
que virá no rosto da primavera

mas hoje mesmo estive muito vermelha quando me olhei no espelho da casa de chá
digo, pastelaria luso-japonesa, na rua da alfandega, recomendo
não as alfândegas, delas desconfio, inclusive que são tão antigas
tão mais antigas
antigas tanto quanto a desconfiança do homem
atrás dos bigodes
é firme, forte
quase não conversa
mas tem amigos, o homem
rumores de que terá amores
louvores dos primórdios
ele inventa o que virá

com três pés se faz um monstro
ou um poema de amor
"nenhum verso é livre para quem quiser fazer um bom trabalho"
e quando a assombração do ritmo do passado
vem esse corpo de outros, o MEU CORPO
este corte, esta corte
meu rei
abram caminho

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

via carolina, via gustavo: o futuro:

Para compreender o que significa a palavra futuro, é preciso antes saber o que significa uma outra palavra, a qual não estamos mais habituados a utilizar, ou ainda, que estamos habituados a usar apenas na esfera religiosa: a palavra fé. Sem fé ou crença, não é possível futuro. Isto é, há futuro somente se podemos esperar ou crer em algo. Mas, o que é a fé? David Flusser, um grande estudioso de ciências da religião, e ainda há uma disciplina com esse estranho nome, um dia estava trabalhando sobre a palavra pistis, que é o termo grego que Jesus e os apóstolos usavam para fé. Naquele dia, estava passeando e, por acaso, encontrava-se numa praça em Atenas. Num determinado momento, olhando para cima, viu escrito em grandes letras à sua frente Trapeza tés Pistéos. Surpreendido pela coincidência – a palavra pistis – observou com mais atenção. Depois de alguns segundos se deu conta de que se encontrava simplesmente diante de um banco. Trapeza tés Pistéos significa em grego “banco de crédito”. Foi uma espécie de iluminação. Eis, finalmente, o que significava a palavra pistis, que há meses estava tentando compreender. Pistis, fé, é simplesmente o crédito de que gozamos junto a deus e de que a palavra de deus goza em nós a partir do momento em que nela cremos. Por isso Paulo pode dizer, numa famosíssima definição, que a fé é “substância de coisas esperadas”. A fé é o que dá realidade ao que ainda não existe, mas na em que cremos e temos fé, porque nela colocamos em jogo o nosso crédito, a nossa palavra. Algo como um futuro existe apenas na medida em que a nossa fé consegue dar substância, isto é, realidade, às nossas esperanças. Mas a nossa, sabe-se, é uma época de escassa fé. Ou, como dizia Nicolà Chiaromonte, uma época de má-fé; isto é, de fé mantida à força e sem convicção. Portanto, uma época sem futuro e sem esperanças (ou, de futuros vazios e de falsas esperanças). Mas nesta época, muito velha para crer verdadeiramente em algo e muito esperta para ser verdadeiramente desesperada como deveria, o que se faz do nosso crédito? O que se faz do nosso futuro? Porque, parece-me, se se observa bem, há ainda uma esfera que gira inteiramente ao redor do tema do crédito. Uma esfera que englobou toda a nossa pistis, toda a nossa fé. Esta esfera é o dinheiro e o banco, a Trapeza tés Pistéos, é o seu templo. Vocês sabem que o dinheiro é apenas um crédito. Em todas as notas, na esterlina, no dólar, curiosamente não no euro (isto deveríamos deixar sob suspeita), vem escrito que o banco central promete garantir aquele crédito. Está escrito: “o banco pagará ao portador” – libra esterlina, ou dólar, mesmo se agora não há mais o padrão ouro e se a conversão ao dólar não existe mais. Vocês sabem também que a assim chamada “crise” que estamos atravessando – e espero que sejam bastante inteligentes para suspeitar de que o que se chama crise não é algo provisório, mas o modo normal no qual funciona o capitalismo do nosso tempo – começou com uma série desconsiderada de operações sobre o crédito, sobre créditos que vinham descontados e revendidos dezenas de vezes antes de poderem ser realizados. Isso significa, em outras palavras, que o capitalismo financeiro e os bancos, que são seu órgão principal, funcionam jogando sobre o crédito, isto é, sobre a fé dos homens. Isso também significa que a hipótese de Walter Benjamin, para mim uma belíssima hipótese, segundo a qual o capitalismo é, na verdade, uma religião, a mais feroz e implacável religião que já existiu porque não conhece redenção nem dia de festa, deve ser tomada literalmente. O banco tomou o lugar da igreja e dos seus padres, e, governando o crédito, manipula e gerencia a fé – a escassa e incerta crença que o nosso tempo tem ainda em si mesmo. E o faz do modo mais irresponsável e sem escrúpulos, procurando lucrar dinheiro da crença e da esperança dos seres humanos, estabelecendo o crédito que cada pessoa pode gozar e o preço que deve pagar por isso. Hoje estabelecendo e avaliando até mesmo o crédito dos estados que cederam, não se sabe o porquê, a sua soberania. Desse modo, governando o crédito, governa não somente o mundo, mas também o futuro dos homens, este que a crise torna sempre mais curto e a termo. E se hoje a política não parece mais possível, isso acontece, de fato, porque o poder financeiro sequestrou toda fé e todo o futuro, todo o tempo e todas as esperas. Enquanto durar essa situação, enquanto a nossa sociedade, que se crê laica, permanecer servindo a mais obscura e irracional das religiões, eu os aconselho a retomar o seu crédito e o seu futuro das mãos destes sombrios, desacreditados, pseudo-sacerdotes, banqueiros, de uma parte, e dos funcionários das várias agências de rating, de moldings, de Standard & Poor’s, ou qualquer outra denominação que tenham. E, talvez, a primeira coisa a se fazer é parar de olhar tanto ou apenas para o futuro, como eles exortam a fazer, para, ao contrário, voltar o olhar para o passado. Somente compreendendo o que aconteceu, sobretudo procurando compreender como e por que pôde acontecer, talvez, poderão conseguir liberar-se dessa situação. Não a futurologia, mas a arqueologia é a única via de acesso ao presente.

Intervenção de Giorgio Agamben no programa "Chiodo Fisso" da emissora de rádio "Rai 3" no último dia 25/01/2012. (Link para arquivo de áudio original: http://www.radio.rai.it/podcast/A42410486.mp3)

Transcrição e tradução para o português: Vinícius Nicastro Honesko.

[retirei deste blogue aqui: flanagens]

poética

que
eu ad
miro
quem faz algo errado
(e isto fazemos todos)
e quer, compreensivamente, mudar.
eu desprezo
quem evita essas mudanças.
e agora vou sair para aprender o mar.
 

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