domingo, 29 de abril de 2012

caminho a caminhar

Como nasce um poema?

Em andamento. Com os pés assentes na terra, com as palavras na cabeça. Do movimento nasce um ritmo, as palavras aproximam-se, imagens acompanham-me a passada, até mer forçarem a parar e escrevê-las. É então que nasce o poema: das coisas por que passámos. Que atravessámos. Que fizemos. Só está vivo aquilo que se mexe. Os poetas são coleccionadores. "Procuram com paciência para encontrar por acaso" (Valéry).
Encontrar o quê? Uma estrofe (sorte grande), um verso (sorte), uma imagem exacta (as imagens complicadas são quase sempre arbitrárias), um ritmo, uma palavra. O métier exige que se tomem igualmente, e desde logo, a sério todos os achados. Qualquer palavra se pode soltar da "pedreira do silêncio" (Stifter), pode incendiar-se como fogo de artifício ao roçar numa outra. Não são apenas as coisas que o poema faz surgir em contextos desusados; também as palavras são postas em movimento, libertas das amarras das suas significações habituais. O poeta tem de possuir aquele "olho fantástico" (Eichendorff) capaz de, num instante, aproximar as coisas mais distantes: nesses instantes as palavras abrem-se umas às outras.
O milagre: quando as palavras começam a transformar-se em poema, e de signos que nomeia a realidade passam a coisas que criam realidade. Uma realidade que obedece às leis, não da gravidade ou da gramática, mas da poesia, e que o poeta, juntamente com as palavras, reinventa em cada poema. Uma realidade das coisas verbais.

No processo de escrita assiste-se sempre à reacção das palavras umas para com as outras. Temos que deixar às palavras a sua vontade, que deixá-las à vontade. Por vezes, elas comportam-se como os objectos nas fitas de Chaplin, furtam-se de forma grotesca a todos os assédios, atravessam-se-nos no caminho e fecham-se-nos, até que por fim encontram os seus lugares certos, como por encanto. Cuidado com os adjectivos, esses lubrificantes emocionais!
Há uma parte do caminho que nos é indicada pelas primeiras palavras, pelas imagens, pelo ritmo. Depois, é seguir o místico Ekkehart: ganc âne wec den smâlen stec: o caminho vai-se configurando com o andar. De cada passo nasce a força para o seguinte. Tanto dá se o caminho é pedregoso ou plano, se o poeta o percorreu de pé leve ou a coxear. Na arte não se trata de esforço e recompensa. O que conta é o resultado. O poema acabado não deve cheirar a suor. Não se deve ouvir o arrastar das correntes com que o artista dança (Nietzsche). Só intencionalmente. Mas qualquer poema escrito é melhor que o melhor dos poemas sonhados. E tem de vir de um andamento. Só assim nasce o poema. E o poeta.


de "ARS POETICA - Para os que gostam de fazer perguntas". In: A sede entre os limites. De Ulla Hahn, traduzido pelo João Barrento.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

barco ébrio

meu tronco está mudando
está mudando
está mudando de lugar

vinham os marinheiros e cantavam
meu tronco está mudando
está mudando
está mudando de lugar

há uma árvore, uma genealogia
tudo de ensaio no peito

beibe sucesso
beibe sossego
são as vogais deste enredo

tudo tão nítido se rebela.

coragem

hoje acordei com todos os dentes
como se tivesse ido ao dentista
e um gosto de metal percorresse a garganta
depois da anestesia
bochechei toda a água no banho
cuspi
e o gosto de metal ainda aqui
é bom estar viva,
não?
nasci pra ter essa boca cheia de dentes
waly diria que sim
com as mãos com a cabeça com a boca
toda boa cheia de dentes
nas ancas viajo africana
o mapa que temos na casa de banho
é da europa eu disse
vamos trocar pelo da áfrica
preciso estudar todas as coisas
nunca nada deu tanto trabalho
larguei da yoga
era forte demais
preciso de cuidado
com meu melhor lugar: o da destruição regenerativa
este lugar, meu lugar melhor e ligeiro e rápido
gatilho, galho
se parto para brotar
vá com calma, é preciso ritmo
r i t m o
r i t o s
r i a
waly diria sim

quinta-feira, 26 de abril de 2012

queremos saber

(...)You meet unkept Amyclas in a Soho restaurant and chant together of dead and forgotten things - it is a manner of speech among poets to chant of dead, half-forgotten things, there seems no special harm in it; it always be done. (...) Ezra Pound

sábado, 21 de abril de 2012

equipamentos, imaginações, massagens e outras motrizes

quando era pequena a coisa que eu mais gostava de fazer era imaginar.
logo percebi que o tempo passava mais rápido e utilizei toda a escola o recurso de desviar do rumor das salas de aula e estar e fazer em outro lugar.

mas nem só de imobilidade se viaja,

e menor entretinha as coisas ao redor em instrumentos, por exemplo: a bicicleta ergonométrica que vivia no meu quarto desde que havia ficado comprovado que ninguém nunca a usava, e sobrada do resto da casa, a bicicleta estática era o meu cavalo,

a primeira história que escrevi tinha um cavalo de uma menina chamada joana, que era como eu queria me chamar, não porque a jojô vizinha se chamasse assim, mas porque a cor do nome era vinho, terrosa,

tudo isso eu não percebia na altura. minha cor preferida era azul e era verde. é como falar "ele é meu melhor amigo", quer dizer, eu tenho uns 12 e eles são a fortaleza.

*

hoje é a palavra que mais aparece no livro que estou quase pra começar a terminar: cavalo.

*

talvez eu esteja conseguindo só a oscilação das coisas, de tanto que me esforço pra ater o ritmo das vibrações, como uma asa de borboleta ou pata de cão que pisa um trevo de quatro
flores no chão.

ou esteja desesperadamente ocupando as palavras antes de viver um treco que se chama poesia,

que segundo jean luc nancy existe. um amigo me contou de uma amiga que dorme com um ET. 

durmo de mãos atadas
acordo de mãos furadas
me deito e é domingo
(domingo é o dia universal das saudades do brasil)

*

acho que muito antes de escrever minha mãe fazia de psicanalista dela. ou ouvido, em certo sentido, funil. com seis anos eu sabia tudo que deveria saber da memória da minha família e deve ser por isto que até hoje o pântano é grosso, escaldado

foi tipo tomar biotônico fontoura.

*

uns dois anos atrás, na casa da minha avó, em cima de um móvel onde só há fotografias, lado a lado: meu avô, foto de posse, reitor, catedrático, - - do lado eu, com sete anos, foto de passaporte (o passaporte que fizeram pra me trazer pra portugal) moleton roxinho e franjinha na altura das sombrancelhas, cabelo liso e comprido. passei reto, quando voltei, os olhos. os o-lh-os, não o desenho. o jeito das órbitas oculares, o mesmo, no meu avô e em mim.

senti um medo desgraçado. um orgulho misturado, do ímpeto.
e hoje em dia quando me apaixono pelo que acredito (antes não acontecia), entendo ele tanto, e sei que corro o risco de um dia me equivocar por fascínio.

*

na beira da piscina minha mãe pedia pra eu apertar os ombros dela, soltar os laços do pescoço com as costas. não sei dizer, mas só hoje, ainda massageando quem amo, entendi que não era possível, nem era uma régua, nem uma montanha, aquilo de duro que havia no meio da pele tão leve e macia. era minha mãe.

e, imaginando como tudo era, só agora começo a ler o corpo dela.
começa assim, eu vou subindo uma montanha
sempre tem alguém do meu lado. então quando menos espero
a montanha vira este alguém, o alguém vira um pássaro que só ouço cantar depois
entre as árvores as folhas se mexem
noto o animal, a montanha se desfaz
areia nas mãos era
uma era nova se anuncia
sem profetas, nem profecias
me correspondo no egoísmo de perceber
que é mais do que o outro o que quero
sou

os dias têm estado tapados
uma âncora crescendo, é
vontade de chegar na hora em que se chega
mas o corpo antes, o corpo depois

o corpo tralalala, o corpo triluli

sinceramente, consigo

sexta-feira, 20 de abril de 2012

tão paciente quanto voraz

Assustada sigo com os rumores
das saídas escuto as paredes
faço escudos quando só consigo
me abrir pro ritmo das coisas.

Atenção
o homem inventou o avião
a dança e a caça
e pensa em, dia desses, alicerçar o sol.

No entanto as plantas continuam mudas
e o ferro se roça todo por dentro do betão
se expande e espraia, a matéria
tem ritmos diferentes
e o atrito faz desarmar o concreto
armado em questão
de menos de um século .

Com a sua pá e as chaves
de nada o tempo abdica
a tudo o tempo esfarela.
Nós é que não temos velocidade pra ver
desaparecer a casa, as frutas, os limos
onde o passado e o futuro se dão
as mãos entregando à ruína, um instante
tudo, estudo, és tudo em transformação.

O mundo não é sólido,
meu bem, o edifício também.
Entre eles, considero o enorme chão.
Ossos na leva: areia de lava com água que lava,
foi o primeiro modo de fazer concreto do mundo.

Dia a dia, serás meu e misturarás o pó dos teus ossos com o pó dos meus.
O fogo afinal amacia o ferro e forma a ligadura da costela.
Tão paciente quanto voraz
enverga comigo, pra durar
a arma, amante
abraça comigo
o coração sem centro.
os versos andam tão guardados que são meus
oceanar o tempo, dar caldo de saliva para uma língua se mover por dentro
me chama, flamejante

flamejante mar,

minha mãe tem cabelos teus no nome
agarrada a rocha.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

vacilo

meu tourinho, a poesia
fugiu de mim.
foi dar em outra
parte - e eu aqui, filha
dela e conselheira,
devastada por um sono
de fim de tarde de domingo
mas ainda não entregue
eu não sei onde ela está
mas desconfio
que seja em algum
lugar entre os meus
seios, e a tua garganta

terça-feira, 17 de abril de 2012

não estou só

minha convicção dormiu seis anos
atravessou a rua
deu as mãos pro cisne, albatroz, gaivota
mas a verdade é que só há pombo

entrega, asa aberta
e do alto a trégua avisa
lá que eu vou chegar mais tarde
cheia da gente, do mundo

vou atravessar duna
tempestade, cidade
fazer versos como quem ora
por dentro do túnel do metrô

contaminada pelo cinza
vi do teto dele
água de concreto
notei estar no século

as tubulações têm cores
pra servirem de aviso
gás, eletricidade, cursores

em pouco tempo não
haverá um homem
que nunca tenha voado

já não há ninguém
que nunca tenha ouvido
um alarme disparado
 

vou de fones pela rua cinzenta
nunca sei se vêm da música

EU AQUI TENTANDO ESCREVER UM ALARME DISPARADO CLARO DAÍ FUI AO BANHEIRO E AO VOLTAR BATI A PORTA o alarme parou

segunda-feira, 16 de abril de 2012

nunca me dei bem com linha reta,

(mas amo meus amigos)
as páginas são duplas, clica em exibir que dá pra ler
o fio de cabelo é meu mesmo.





me deixa na savana

"Escrevi para fornecer uma forma legível e apaziguadora aos momentos na porta do quarto, no parque, na rua vazia, defronte do rosto aparecido. Escrevi para trás numa espécie de engolfamento memorial. Não consegui nada, foi como continuar no quarto, no jardim, à frente das caras súbitas. Mas conheço agora a existência de uma pergunta inesgotável que se formula, se assim posso dizer, pela objectivação dos arredores evasivos, das alusões, dos sinais remotos.

(...)

Mas este poder, que é um poder mágico, comporta riscos: muitas vezes vira-se o feitiço contra o feiticeiro - uns enlouquecem, outros suicidam-se, há também aqueles que ficam misteriosamente mudos ou estéreis, e aqueles ainda que se põem às voltas a falar, o pior, os mortos sonoros: atiram poeira para cima, estes, seriam mais bonitos crucificados. Ora é precsio intoxicar-se com a paixão do perigo, desenvolver-se a gente dentro dessa paixão: porque o ouro e a prata se escondem em recessos de floresta, fundos de mina, terras depois da água. A paixão é a moral da poesia: arrisquem a cabeça se querem entender; arrisquem sobretudo o nome pessoal, para ouvirem o nome de baptismo como o coroado nome da terra. De sorte que esse tal poder é o da própria paixão: ninguém consegue aventurar-se na poesia coleccionando objectos - estátuas, estatuetas; jóias devem ser jóias vivas, olhos de leoas maternas, insuportáveis coisas que nos contemplam, morre-se de ser assim contemplado. E então é necessária uma nobreza indizível, por exemplo: fixar de frente os olhos maternos, leoninos, e os nossos olhos ficam calcinados - o episódio, conheciam-no os antigos: dizia-se que os deuses cegavam quem os olhasse. Refiro-me a essa nobreza: como se deixássemos de ser nós mesmos, uma espécie de impassibilidade enquanto se vai ficando cego na floresta das leoas."

Herberto, em auto-entrevista, na Inimigo Rumor, n.11.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

alternativa e aliteração

eu sou eu mesma vezes três. acordei pensando, dormi pensando, que eu ando desconvicta nessa tremedeira que é me interessar pela poesia.
começou assim: quinta-série, a professora me disse que poema não tinha que rimar. curioso que eu tenha começado pela liberdade, depois continuei tentando. 

três vezes três da nove
vou estudar métrica, um romance, fazer
bangalô na prainha do coração

se eu parasse de escrever/ ah se eu parasse.
esse papo do escritor que não consegue escrever, esse papo do escritor que não consegue ficar sem escrever, esse papo

papada de diamante, papaya as velha come e depois dão as casca pros sabiá

obalalá

é assim
você tem um namorado português
e assiste com ele um seriado norte-americano
com legendas do brasil
ele ri de uma palavra, em especial
desde então você se chama "birita"

quinta-feira, 12 de abril de 2012

do que me importa e do que não me importa

talvez a poesia talvez

o cotidiano não vai nos separar, amor

eu queria me depilar com bandas de cera que só usei em portugal

em cima do carpete que aqui é alcatifa
cinza chumbo

ele abria meu armário debaixo da escrivaninha da minha adolescência
e tirava lá de dentro o videogame da minha infância
MEGA DRIVE

e eu não podia me depilar porque ele ficava perguntando
como ligava.

-
ele sonhou que eu acabava com o papel higiênico.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

sou sou souuuu

a verdade
vocês já sabem
é que eu estou sem internet
a outra verdade
é que eu não sei mais escrever

EU ESTOU LIVRE

É GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL

não é simples estar feliz em um mundo
triste, de pessoas tristes, de animais enfezados
por isso a tranquilidade, HÁ TRANQUILIDADE AQUI?
onde eu me sento, li uma biografia de jornal do gandhi, que era um homem não só de qualidades,
foi o que a biografia me disse O DESFAZER DO MITO que época chata, meu deus, sem deus, a vida, a época chata, seus caçadores de mitos
eu quero a minha verdade bem embalada e feroz,
que ela venha com a força de um carrinho de supermercado quando desce a ladeira do jack ass
hhhhhhhhá três coisas que eu gosto de começar
colher, comer e garfo

quando tenho dentes suficientes eu os limpo
a partir daqui vou começar a escrever algo com algo
algoquesignifiquepravocêumacoisalinda

tão vagabundamente linda, perniciosa de linda, pernas longas longas longas como cílios
 

Free Blog Counter