domingo, 29 de dezembro de 2013

o nojo é um sentimento horroroso. quando ele é raro, ele é bem colocado.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

antes de mim está

não li aquele livro do Jung que meus pais falaram pra que eu não lesse.
não porque meus pais disseram, simplesmente porque não entrei.
um amigo uma vez me disse que tinha lido um poema meu e tinha tomado uma pedrada no ouvido. é assim mesmo.
se eu não tomo uma pedrada na cabeça que me arranca o coração
eu não leio, não. as pessoas também publicam demais.
conheci muitos masturbadores proletários.
são a maioria
raro, raríssimos, sabem gozar juntinho.

*

asteriscos são os olhos dos cavalos cintilando

*

"SINTO-ME DISPERSO
ANTERIOR A FRONTEIRAS
HUMILDEMENTE VOS PEÇO
QUE ME PERDOEIS".

(cda, quem mais cintila tanto assim?)

*

uma tarde aberta é quase
um poema
uma temporada sem metereologia
uma tarde aberta é quase
um poema por ser escrito
temporada pede auxílio
completamente fora dos princípios
mas se, no fundo, tudo
é órbita e ritmo, eu
que vejo mal na névoa
por isso intuo um precipício.
esses versos sebosos.

quero cinco anos de distância
em cinco anos de distância
eu me esqueceria
me esqueceria antes, provavelmente
às vezes parece que me especializo na vida
a deixar as coisas para trás
crio enigmas para os gatos
desde criança sou mestra
em deixá-los curiosos e despertos
com algo que - dado meu curto sentido de aventura -
coisas que quase nunca ou praticamente não acontecem.
quem me leva pela mão?
reconhece que sou uma porta
de saída para o que não se repete.
antes de mim está

*




sábado, 21 de dezembro de 2013

agora pouco senti o sangue de um poema novo correndo em mim e quando me sentei para escrever meu corpo finalmente havia se acalmado da falta de calor, e quente que estava, se esqueceu do poema que começava 
começava com uma criança brincando entre a luz e a sombra, 
essa criança era eu. com meus objetos mágicos, a palavra
agora sinto só uma dispersão no ventre e tanta vontade de dormir e só acordar na bahia.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

experiências fortes, talvez demais
estou me recompondo, nutrindo ainda
uma espécie de grande confiança por dentro
e cinco centímetros acima da minha pele uma capa grande
talvez uma saburra de desconfiança
participação da proteção

sábado, 14 de dezembro de 2013

irtoi

vou fazer uma lista dos 15 livros da minha vida no dia de hoje

1. four quartets, t.s. eliot
2. elegias, hölderlin
3. a teus pés, ana cristina cesar
4. vertumno, brodsky
5. do desejo, hilda hilst
6. claro enigma, drummond
7. memórias póstumas de brás cubas, machado
8. laços de família, clarice
9. los hijos del limo, octavio paz 
10. o guardador de rebanhos, alberto caeiro
11. hamlet, shakespeare
12. poemacto, herberto helder
13. é isto um homem, primo levi
14. os tarahumaras, artaud
15. 
16.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

*

estavámos e era de noite
minha amiga mostrou-me a lua
eu mostrei-lhe os altos ramos
e os cães ladravam
em todos os quintais.
radial como a nossa rede
de compartilhamento atual
era o latido dos cães.

mais radical, talvez
miram os dentes
mas, como nós,
estão sós dentro
de seus muros
defendendo somente
o que conhecem.
solitário percurso é o buraco
escavado como ruptura
bote encantado
salvação do limite
quando aparece o dizer
que arrebenta aquilo
que encerra a coisa
a coisa toma conta de tudo
vira um mote
e todo mote é um percurso
aditivo dos motivos
esse dizer tudo
e você acompanhando
alguma semântica
que eu consigo manter
mesmo sem estar
com nada a dizer.

primeiro pensei: minha amizade
percorre todos os muros e arrebenta.
quem entendeu o buraco do começo
como o mal, foi a tua moral.





hoje

Antigos acreditavam que quando um cometa atravessa visível no céu populações inteiras, a colheita, o sumo das frutas se altera. Se a passagem de um cometa já foi parte de um sistema de adivinhação, penso no cometa como um fogo de predileção, aquilo que a gente repara na distração e sente que vê-lo é um dom, do acaso, da sorte. Dom de estarmos atentos, ao fulgor e ao delicado. É tão simples um cometa, ele atravessa todo especial, e é assim que é o primeiro disco do Flavio Tris. Suas músicas atravessam o nosso céu, vindas de passados universos, indo para onde? Confio no que canta o cantor: “minha meta que era só coração”. Arranque-se do céu o que o cometa decalca: que tudo se reinicia, caloroso. E se transmite entre nós, os vivos.

Sim, porque é sobretudo disso que se trata, falemos de discos e de cometas, o que importa é estar vivo, arder. E as músicas do Flavio cuidam disso a todo o momento. Se respeitam os ensinamentos dos passados, de músicos que ouvimos, dos avós que tivemos, dos amigos que não estão mais entre nós, sobretudo as músicas do Flavio Tris produzem caminhos amansados pelo sol, pelo senso de justiça, direi melhor, pela constituição de uma ética do pulsar do coração. O Flavio canta para cuidar de nós, destecer as feridas, esquentar os corpos de desejo. Galã, herói, flâmula e luz, a sua voz de brasa é também um carvão.

O disco Flavio Tris foi testado: em 150 km/h nas autoestradas, desviando de buracos nos caminhos de terra, tropeçando nos desavisados no metrô; foi ouvido em jantar com amigos, na solidão com livros, dançando de olhos fechados e de olhos abertos, em audição para compreender a construção das letras, fazendo amor, afiando lápis e flechas, bebendo vinho, percebendo só os instrumentos, fumando dos mais diversos aditivos, dando ares à distração; o disco foi testado depois de tudo, e antes de tudo também, e julgo que foi aprovado com máxima distinção, fruição e encanto. Ouça também. Tudo isso para não perder a visão do céu que é o nosso céu, pelo cometa atravessado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

que mistérios tem

quem não sabe devia saber, mas acho que todo mundo já sabe que hoje a clarice lispector faria 93 anos. a clarice construiu tudo que conhecemos e tudo que desconhecemos, pra além de que destruiu tudo, tudo. era um jipe e um trator, embora fosse um diamante, a clarice falava do que é podre e do que cintila: a linguagem.

só não fico enraivescida com as correntes e blablablas que são ditos em seu nome porque é perda de tempo?, atualmente, moro numa cidade que até carro turístico está assinado com nome de poeta e, ... talvez o necessário seja rir disso tudo.

às vezes me pergunto, se é isso o que é eles fariam: rir rir rir rir rir e imaginem bem, se todos os escritores mortos do mundo rirem todos ao mesmo tempo, a órbita da terra desvia uns centímetros e assim, quiçá, oxalá, etc.

nos enfins, posto um trecho do trecho "amor", do "cantos de estima", meu primeiro livro, que fala da clarice, e aqui está:

*


ontem chorei por causa de um passarinho. às vezes acontece da vida entrar pela janela uma história da Clarice. domingo. um passarinho do tamanho do meu polegar entrou entre as abas da janela e caiu no fosso em que elas se guardam. ficou preso lá dentro. às vezes suas asinhas batiam fazendo schuif schuif schuif. se eu abrisse a janela completamente o mataria esmagado. demorei a entender que ele era tão pequeno e que chorar não adiantava-nos nada. perguntava assim: o que tenho eu a ver com a vida desse passarinho que veio cair na minha janela por inexperiência? me respondia, tenho tudo a ver com ele e nada dele me diz respeito. mas é a vida, né, então fiz de tudo. bambus, varetas, lanternas, cestinhas, farelos de bolacha pra mantê-lo vivo. precisava de mão de obra especializada. hoje de manhã vieram salvá-lo. ele abriu a janela e eu peguei o passarinho na mão. apavorado. voou. estou só agora, sem o passarinho.

oração de ir pra rua

a crua alegria, a anarquia
que saía dessa caixa
salvava um país.
ou dois.

que alguém agora
fizesse o que ele fazia
com a dor e com o remorso
com o medo e o cansaço
lascava a pedra, fazia o fogo.

O FOGO.


*

o dia em que alguém levantar as mãos
e delas caírem duas estrelas
cintilações, vertigens
vão se dissipar
como uma concha já sem caramujo
rolada para o fundo do mar
todos os caminhos desmanchando juntos.

eu
que só conheço um lado
e do outro desvio 
vou colocar a mão nos bolsos, então.
porque se algo cair das minhas mãos
não vai acontecer nada, não
além do céu, o céu se partir.

domingo, 8 de dezembro de 2013

IV Naquela época eu acordava


a guerra é a guerra

você tem dias que acorda sentindo que está em dívida com tudo
(por mais que a vida que leve não seja mais do que cumprir com as coisas a que se propõe)
você tem dias que acorda e só tem a fome dos que não tem fome e a quem nada sacia?
você tem a fome do esquecimento?
ou a fúria da memória?
eu tenho ambas além de sintonias múltiplas
estar com a mandíbula doendo (e o canal do ouvido por consequência)
e leio num livro de capa negra (repentinamente espalharam-se livros de capas negras pela casa)
que a mandíbula determinou o tamanho da caixa craniana
em todos os vertebrados (nos quais eu me incluo)
a estrutura da coluna é mais violenta do que se pensava
e mais delicada também.
ando só ossos
         os descobrindo e reagrupando e desconfio profundamente
(superfície com destaque) que meu cérebro esteja sendo reprogramado
como uma esponja cósmica
outros poetas já disseram
que o poeta é a antena da raça
se isso for verdade
eu sou a esponja cósmica
e no fundo (e também no princípio)
há uma baba de resto de sabão
água acumulada e detritos
que passar por debaixo da água liberta
como quem desmaia o mal
           a água é mesmo o maior veículo
           por isso vou voar
           para não tocar no que é grande.
estou fadada às enormidades
alguns se assemelham
ao minúsculo, ao particular
eu coloco a força toda nos músculos
depois é domingo e eu acordo com a mandíbula doendo
e passo minutos vendo crânios de animais que não existem mais
(embora ele me interrompa para falar da segunda grande guerra e da influência disso na ucrânia hoje)
embora suas mandíbulas com dentes distintos entre si permaneçam
nos cães. que correm e saltam e comem e mordem
a minha mandíbula.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

cantar e cantar

amanhã temos entrevista com o serviço de estrangeiros e fronteiras português
sexta temos entrevista com o consulado brasileiro
sábado quando tudo isso ultrapassado já estiver
vou me sentir como quem desmoronou todas as paredes que encontrou - desviou digo, deeeeeesviou -
como quem não fez um parafuso a cada diálogo
& sobreviveu ao ranho dos colega na fila
com os nossos livros de ler na fila
"a história do anarquismo" & "o guardador de rebanhos"
fones de ouvido & vez em quando pensando
em botar fogo em tudo, inclusive
nos passaportes só pra deixar
a luz brilhar e ser muito tranquilo
antes que me obriguem a vir para a rua gritar.
em resumo, torçam pela delicadeza,
sábado ressuscitamos da longa noite
que é a papelada, a burocracia a lei do estado
(diz ele q no tempo dos romanos era pior
perante a) nação
testemunho, lavro e boto fé.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

desinvestimento

como um relógio cuco quando apita a hora - hora e meia, não sei?
a língua - que é todo um investimento - está capitalizada em um lugar nenhum.
dinheiro? que me dêem mais do que é preciso & que assim eu fique bem.
é o credo dos tempos, não disse?, e haja quem puder abnegar o deus
dizer três vezes que não necessita, ou viver entre os pauszinhos
de uma cabana ou amassar o próprio pão - respeito-os todos.
a roda dentada não para de morder entretanto não tenho paraíso
fiscal para fugir. é toda vez isso: a conta no negativo,
e mais e mais e mais. em retribuição escarro em mim
a dívida do mérito, vácuo que rege a fé em todos os supermercados,
estacionamentos, eleições de municípios, e se camufla 
em latifúndios de uma gente sem esperança, só com resultados
mortes de índios, helicópteros empilhados num hangar,
vez ou outra é só uma imensidão de queda
vez ou outra é só um hemisfério inteiro
que padece de fome, de frio, e morre.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

caty caty caty


e o que eu não sei mais



quando foi que fiz essa colagem? a foto é de 2004, devem ter sido os últimos meses em que vivi nesse quarto. os cartões vinham de fontes diversas, misturas de postais, cortes de revistas, postais que vinham de viagens minhas com meus pais, e lembro que eu via toda oferta das lojas de museu e demorei a entender que aquelas coisas tinha funções, que elas não estavam ali só expostas como as do resto daquele edifício, que não era só a mesma coisa, só que em algumas salas o que se devia fazer era olhar e não tocar, e nos outros tipos de sala era preciso desejar, pegar, ter até o fim de comprar. certas coisas triviais não são evidentes, ainda mais se você cresce e vive meio alheia, o que é um profundo modo de estar presente. não sei se profundo, ou se aquático. enfins, os postais. 
os beatles ali em cima, o adesivo da campanha do lula, a billie holiday,  o lacan, o wilde, o che, o james dean, oxum, o bandido da luz vermelha, a marylin do cartão que minha irmã me deu junto com o primeiro sutiã que ganhei, a cruz vermelha ao canto era uma propaganda da igreja universal que eu ganhei na consolação e morri de rir, alguma iconoclastia também em maria dando palmadas no menino jesus, um pássaro sozinho voando, lirismo, umas palavras, entre elas: poemas.
vi outras fotos desse quarto e me lembrei que eu tentava estudar latim. e eu não tinha um quarto de alguém que fosse conseguir.
depois comecei a pasta seguinte de fotos e vi que foram as últimas fotos que tirei nesse quarto, provavelmente porque já o estava deixando pra trás. e confiei em poder confiar em alguém que dez anos atrás tomava esse cuidado já, de fotografar também os lugares para lembrar.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

de mal bem dizer

5.

Saberem-se errados, turvos, iludidos, desmascarados
não faz de vocês pessoas melhores ou mais reais.
A infelicidade, a tormenta, o vício, as fezes
não fazem de vocês pessoas melhores ou mais reais.
As desculpas, as explicações, quaisquer intenções
não fazem de vocês pessoas. Fazem de vocês, vocês
estarem errados, turvos, iludidos, desmascarados
infelizes, atormentados, viciados, cagões,
desculpados, explicados, intencionais,
vivos. E não sozinhos.
Mas quem não sabe de nada disso
Mas quem sabendo de tudo isso
confunde-se ao ponto de se achar
achado, melhor e vivo
está sozinho. E, bem,
nem os mortos
estão sozinhos.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

miu


segunda dentição

hoje eu estava carregando um livro de 700 páginas na chuva
eu vinha abraçada no livro que eu ganhei
com um guarda chuva aberto
uns dois quilometros
eu abraçada no livro ainda embalado
meu pulso controlando a cãibra
por conta do chapéu de chuva
daí meio quarteirão de casa
eu enfiei o pé direito num laço de um resto
de um resto de laço de fechar caixa
e aquilo deu um bambolê num pé
noutro pé aquela circularidade
presa. caí
me es pa ti fei
a perna esquerda atrevessou uns metros de água
e o livro andou uns poucos centímetros
de tão grande que ele é
depois pensei que eu podia ter quebrado um pulso
eu podia ter quebrado um poste
mas não quebrei não.
vai ser numa cárie não na bacia
quebrada que a maturidade
vai cair em mim
dessa vez.

patrícia me deu

CONTROLO PARENTAL

Não leias horácios, meu filho, lê horários:
são mais exactos. Abre as cartas marinhas
antes que seja tarde demais. Alerta, e não cantes.
Virá o dia em que eles pregarão listas
na porta outra vez e marcarão com sinais no peito
todos os que dizem não. Aprende a passar despercebido,
aprende mais do que eu aprendi: a mudar
de residência, de passaporte, de cara. Torna-te
erudito nas pequenas traições e nas escapatórias
sujas do dia a dia. As encíclicas
são boas para atear o fogo,
manifestos: embrulhar a manteiga e o sal
para aqueles que não se podem defender a si mesmos. São
precisas raiva e paciência
para soprar nos pulmões do poder
a poeira letal
finalmente moída por aqueles que aprenderam muito
e são exactos, por ti.

- Hans Magnus Enzensberger
(tradução de Américo António Lindeza Diogo)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

o que o flexível ensina para o que não se dobra

havia, no canto da sala, um sujeito que era a própria violência, barulhento e desperdiçado nos seus gestos. na sala pairava um clima que desejava que o violento se calasse, que parasse, que respeitasse, que se tocasse, e demorou demorou. então um homem se levantou e foi até ele. e enquanto os outros esperavam que chegasse a polícia, a escola, a mãe, o pai, que viesse o não, o homem chamou o violento pelo seu nome três vezes, até que ele respondeu, e o homem então lhe disse: "você deve descansar". só então eu percebi que desejava que a violência acabasse com violência. e não. o um homem sabe como são as coisas. presto minhas homenagens.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

tempo

fui procurar um poema sobre são paulo que escrevi em 1999 e é dos primeiros que tenho memória de ter escrito e ainda lembrar dele; afinal encontrei um arquivo com 25 páginas de poemas escritos antes de 2001. impressionante já me ver lá naquela voz, ler que é a mesma voz, mas eu queria o quê? que a voz fosse outra? é que a vida muda tanto, tanto. e eu me exercitava mais nas ideias dentro dos poemas do que hoje, por exemplo escrevendo poemas de estrutura formal similar, em que um defendia num o frio, no outro o calor. ou em um a noite, no outro o dia. 
mas era ainda uma ligação moral entre essas coisas. carol falou que o fellini falou que associar de imediato mal e escuro, bem e luz é uma moral. carol é um gênio, federico de capricórnio, daí já viu: grudou-lembrei.
hoje fui procurar o esboço de um poema sobre são paulo, que escrevi dois meses atrás no meu diário, mas quem disse que eu encontrei o diário? deixa que eu te diga, tive que abrir os mais ou menos 20 cadernos dos últimos 4 anos, e de todos perceber que não eram o que eu procurava. repentinamente, agora penso que será a contribuição pra gratuita número 2, a minha. e que como tudo, terá de ser construído gradualmente, assim portanto não o encontrei. mas achei o começo do poema que eu tinha escrito ontem, só que num caderno de 2 anos atrás. pra além de ter um novo poema reitegrando partes de uma mesma sensação sobre a NOITE, encontrei no começo de um caderno de 2011 essa pérola:
"vocês não acham que sorte haverá? o meu avô foi o primeiro a abrir os matos? ele conhecia as ervas da floresta, da selva, as ervas do mato mesmo. 
(Portugal está me levando aos meus avós?)
deixa a mandíbula solta que chega até o vovô num espeto. agora que notei que vou fazer um caderno editado dos meus diários"

::
só no meio de 2013 é que comecei o arquivo "a história do meu avô".

::

saturno é tão literal: estrutura & nem pense em atravancar os meus ossos, que eles estão a se deslocar de lugar. preciso voltar e ver não aqueles dois quartos vazios, mas aqueles quartos cheios não de ossos. cheios de ternuras, entendimentos. a ternura que é o entendimento. 
o nome do arquivo da minha adolescência, do livro que eu pensava reunir na altura é "tentativas em um acaso", destilei do acaso para o destino e me vi mais fidedigna, por enquanto, no agora.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

da nova vida

não se abandone. se entregue.

sábado, 9 de novembro de 2013


a casa dos nietzscheanos

Voltar a estudar, não sei
mais compor meus poemas.
Que alegria! Como quem viaja
pela estrada começar a fumar
seu próprio dom e ritmo.

Não havia superfície que não fosse
estilhaçada no caleidoscópio
e o olho da imagem continua
sendo o que se pode ver:

ramagens, dicionários, rachaduras
no concreto existindo deus!
a imaginação! Como gostaria
de poder ver o poder ver.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

só serve pra o que eu quiser

embora hoje de manhã
eu não tenha ideia
tudo certo como dois
em uníssono vibram

o afeto são duas gotas pingando
num balde velho e aquele som
que calmaria é dormir

numa carne
toda vermelha
a pedra que ontem ganhei
hoje já perdi

daqui pra frente vou tratar assim
o que me acontece, de repente
os bolsos se esvaziam
a gente está livre mesmo
cheios de malas por carregar

cheios de malas por carregar
feito aquele poema mais longo
do qual gosto tanto
que nunca pude acabar

balela. balela que esse poema não existe.
é o eco entre dois vales
o que existe e a gente pode pensar em.


sábado, 2 de novembro de 2013

um blues furioso, uma flor


É ter a mais pura razão o sentimento que alucina. Estar soldado em si mesmo. Houve uma vez que uma tia avó minha estava para falecer. Fui visitá-la na véspera da morte no hospital Albert Einstein. Ela estava absolutamente lá do outro lado, já. Toda entubada e roxa, a boca enormemente aberta, era só aparelhos que do lado piscavam. Quis vê-la não porque algum sentimento especial me ligasse a ela (embora gostasse dela, não era um elo vital ao ponto de querer estar ao seu lado na hora em que o vital morresse para continuar vivo em mim. E continuou) mas porque estava numa dessas ondas de “sou escritora”, “a morte nos é vedada”, “nunca vi ninguém morrer”. Jovem, tinha me aparecido um sonho de identificação profissional. É claro que quando entrei na sala da UTI senti uma esmagada. Ingenuidade foi pouco, talvez puerilidade ou falta de senso da experiência, dos ecos dela em nós. Encontrei: o céu da boca com um tubo enfiado por dentro e já roxo, o céu. De dentro vinha um ronco, era o próprio corredor do Hades que urgia. Deve ter sido terça-feira. Quarta-feira velório. Quinta feira enterro. Isto no começo de 2008.

Eu havia visto ou ouvido a morte, sei não sei, escancarada na boca da minha tia avó, o rugido do chamado. Deve ser o som da galáxia quando faz. Foi um tapa na orelha da menina que queria ver de perto a ausência, a que nos é vedada. Mas quando fui no sábado ao sítio não me sentia triste. Lembro-me que sentei nas escadinhas de cimento de fora, que dão pra mata. Mas não importa. Porque de olhos fechados sou tubo, eu virei um rio. Pensava na altura “estou sempre no fundo de mim mesma”, ou como diz Ana Cristina César “estou muito compenetrada no meu pânico/ cá de dentro/ tomando medidas preventivas”. Eu estava no subterrâneo de mim mesma, porque não me ensinaram a me revoltar. Isto é coisa que temos que aprender sozinhas, Ana. E para fora. Mas o subterrâneo era noite, brotava. Eu estava na corredeira do subterrâneo e quando abria os olhos a areia do chão estava desenhada em padrões astecas, ou maias. Regulares, retangulares, labirintos, círculos. De olhos fechados era tudo dourado. Eu chorava. E chorava. Enquanto do meu corpo subiam capins, agitados nos cílios. Meu ventre fertile: o choro é o que devolve à terra o sal da terra, o chão. E nos leva onde não podemos com palavra, gesto intencional ou saída, chegar. Comecei a cantar um poema, verso a verso, onde cada palavra chegava já na última. Mas sabia que não poderia me levantar pra escrever. Era preciso lembrar dele. Memória sempre me sobrou. Eu era um rio, e os rios só se levantam para se ausentarem em nuvens. O verso final foi retirado em todas as publicações e era “E o caminho é dourado”. Retirado por sugestão de um professor que também me deu a dica de desistir dos romances. Verso escrito porque no fim de tudo chegou Osíris, ou alguma divindade muito clara e com dois tubos no lugar de cornos na testa, um capricórnio ceifador do trigo, todo dourado, pranteou feito lançasse com a mão fechada que se abre, purpurina que se jogasse, em tudo o que eu tinha passado — sementes de dourado. Antes de tudo, foi isto:


Eu sou o rio dos mortos
dos meus parentes mortos
e os meus mortos são o mundo inteiro

eu sou o rio dos mortos
nasci da sede pelo dó das lágrimas
quando mortos todos os pensamentos

eu sou o rio dos mortos
me criei no pântano das palavras
dos restos tudo trago

eu sou o rio dos mortos
minha carne é das nuvens
se fujo só dou em mim

eu sou o rio dos mortos
e o meu choro o que devolve à terra
o chão do sal da terra o chão

eu sou o rio dos mortos
minha margem de árvores
dos astecas que me sangraram

eu sou o rio dos mortos
da terra não passo
e ninguém me ultrapassa sem desvão.

No dia seguinte resgatei o poema do meu esquecimento. Entorpecida, eu e minha máquina de escrever. Estava sobre a mesa um vaso com belas flores e elas alimentavam minha vontade de ter o poema fora do que eu tinha visto e só a dificuldade do ritmo da valentine poderia decalcar. Foi o segundo poema do "cantos de estima" que escrevi.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

o bom samba




Intercedei por mim, bosques da velha terra. Teus homens, alguns entre meus antepassados, mataram seus ursos e lobos, curtiram suas peles para cobrirem os corpos, até confundirem os próprios ossos com os da violência de um animal e assim nasceu a civilização. Não os culpo, provavelmente com frio, provavelmente com fome, provavelmente pela vida eu faria até pior. Nada interessa como a vida interessa. E, portanto, tuas vidas não se extinguiram, bosques. É por isso, que para tudo que vou contar preciso da sua persistência. Intercedei por mim, árvores e pântanos, umidade que me cansa, silenciosa mata de poucos insetos, gravetos que estalam, ajudem-me a perceber a ligação entre as coisas. Humildemente vos peço que intercedei. Ensinem-me também a doçura do que só está. E oxalá com a vossa presença poderei entrar na história que quero contar.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

tupã

que a névoa nutre lua já se sabia e há quem saiba que a arte de perceber anda, se não em desuso, perdida pelas calles del ayer. há também quem confunda lucidez com descrédito em algo, em tudo, num símbolo. descrédito em si.

meus amigos não. meus amigos sabem ler sinais.
meus amigos estão bêbados de tanto interpretar.
alguns se perdem, outros saúdam.
que os encantos e os órgãos do que vive os ajudem.

de manhã uma pura espécie de profissionais, os arqueólogos que são biólogos e pescadores que devolvem peixes ao mar, estavam desmontando o aqueduto sobre o nosso chão, e mostravam as tubulações pra quem quisesse ver. avisaram que o trígono das raízes e das algas, quero dizer, os profissionais mostravam o lodo entranhado numas raízes do pântano, e aquilo borbulhava; e na borbulhação ficou clara a emissão: era para as algas esponjosas que vivem do sal da beira do mar. o que se dizia? não era bem um dizer, era como se não houvesse dúvida, elas respondiam. e assim se agitavam as raízes e as algas, úmidas como a nossa carne, quem olhasse percebia a comunicação em festejo, já que esse diálogo, que na verdade era muitos, esses diálogos formavam um triângulo onde no centro que não havia; onde no centro que não há estava você, e estava eu.

a água era verdade.

e eu que de manhã tentei pensar a respeito
vivi só de que é mais simples:
beber, banhar. aquecer, arrefecer. amolecer, formar
a forma do ser que envolve é
o que é.

evoé, saturno.
a benção, sol.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

fronteira

sonhei e me lembrei! há quanto tempo. estava num aeroporto e meu visto estava vencido, mas eu chegava no meu próprio país e o visto estava vencido pra entrar no meu próprio país. a entrada do brasil era uma catraca, tinham catracas pra atravessar, e me pediam documentos que eu não encontrava, acabava encontrando, estava tudo vencido, mas dava tudo certo e me deixavam entrar, então eu via pelos vidros do aeroporto que estava uma grande tempestade (que eu não temia). já na rua encontava a maria, que tinha um lugar para nos hospedar. ela estava acompanhada, mas estava sozinha. andávamos por viadutos e estava na capital do meu país e pensava "no chão da capital do meu país" e me deu uma emoção, uma vontade de chorar, e então a gente andava mais e aquelas ruas todas de prédios novos não me pareciam com brasília e eu ficava em dúvida se não estava, sei lá, em araraquara, ou qualquer outra coisa assim. pensava "isto aqui não é brasília... ainda bem?".

domingo, 6 de outubro de 2013

La sombra de una flor movida por el viento:
eso eres tú, cuando el sol resplandece.
La sombra de una flor movida por el viento:
eso soy yo, cuando las nubes pasan.




Chantal Maillard, de Hainuwele.

oração noturna

Perdi a cruz e o cavalo que me atrelavam o pescoço
havia os guardado no bolso
mas, de caminho próprio
como tudo o que existe,
meus protetores prateados desapareceram
para ir viver, eu sei, numa outra espécie
de lodo, rascunho, ou pé de armário
cheios de pó, tragados sejam
pela escuridão. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

abetos

para quem canta velhas canções em guarani, eu escrevo este gesto no ar, e ele se expande até integrar uma roda de gente a girar, de mão dadas, não nos afastemos muito. depois disso eu vou comer umas bananas, não num dia tão úmido como hoje, que elas me colocariam a espirrar. no meu primeiro livro escrevi que achava que não se devia tomar banho em dias de chuva, isso quando eu era criança. atualmente tenho mais preguiça de escrever do que de tomar banho. e a necessidade das duas coisas. organizei um pouco a correspondência do futuro. foi o que consegui fazer logo de manhã, e de repente eram quatro horas da tarde e eu já havia temperado o frango. espero que não chova no dia do nosso casamento, não é possível que outubro seja essa nuvem cinza que só se atravessa ao chegar do outro lado. do atlântico. não sei como você acompanhou isso até aqui, se fosse eu lendo já tinha achado uma egotrip sem tamanho, estaria fazendo outra coisa. é que eu posso pouco com a porosidade. tenho órgãos demais, talvez. ontem eu sentia meu fígado saltando, por exemplo. isso depois de comer muito sal porque ele tirou mal a água do bacalhau. os detalhes do matrimônio. os ritmos dos fluxos. que vontade de comer mais. que vontade de nunca mais parar de comer. e o sal lá, o sal tinindo meus impulsos, e todas as outras coisas que os humanos inventam consumir para sentir menos, ou para morrer mais rápido, não sei bem. aliás, se tem uma coisa que eu não entendo é impressora. ando assim, num nível mais básico do que o básico. não quero mais que escrever durante uma tarde toda algo com nexo e foco, mas por enquanto melhor seria vestir um fato de foca, e sair por aí. 

alguém me traga o traje de foca, que aí sim, eu bato palmas. 
tô difícil, não nego. 
para escrever é que estou me esperando no futuro
de abraços e abertos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

exato

justo agora, atualmente, que a situação política está inflamadíssima (há dias que meus úteros também), hoje conversei com uma senhora que tinha um crachá com o seu nome escrito e embaixo a sua profissão. é ela quem vai me casar, mas percebi que já não se assinam papéis. como será ainda não sei. ela disse que se quisermos ter uma cerimônia (será que se chama cerimônia?) de casamento com rituais nossos podemos, desde que eles sejam "normais", e a turma toda do Variações bateu palmas para as plumas de pavão que, sim, vivem em mim. eu pensando essas coisas e segurando meu passaporte. que não é suficiente. o sistema burocrático brasileiro não vai pendurando suas fichas de cidadão como despojos de inimigos mortos pendurados nas casacas de dentro da pele de alguém. vê bem, eu pensando essas coisas, vê bem, parecia que era de manhã mas já era mais de meio-dia, nós em Almada no primeiro dia de chuva, o outono também pode entrar, o que consegui perceber foi ler, abaixo do seu nome, sua função social "conservadora". já não dei risada. já não rio mais com essa língua, ela já é a minha língua? não. só fui parar noutro lugar. em que rir não é demais, é tanto, rir é um soluço, ah rir é tão raro. mas não estou triste. nunca estive tão pouco triste. sou um âmbar, sou uma águia, e ah!, vi a virgem maria.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

sobe do chão

Foi-se o tempo em que confundi ação
com a fúria do movimento
arrancava lascas dos pratos
quando os punha a secar sem jeito
com o que é celestial

a calma  
ou o agora que tudo concede
lento, tão lento
tudo cresce e permite
sentir a espessura da língua
como pedras de sal entre os dentes.

Visitei o encontro entre dois oceanosmuito fundo vi o azul
que o sal respingou nos meus ossos
me marcando feito gado.
Uma besta intentou fugir, mas senti
os braços como galhos
de um velho carvalho
enraízado e que não considera
mudar de rumo.

Cativa, tua árvore dá madeira
para a minha vela ao vento.  
Onde que te encontro?
Se chacoalho dentro
dos meus frutos. 

domingo, 15 de setembro de 2013

oficioso, em três vias

perguntaram-me ontem qual é a minha profissão. considerando que, num mundo como o nosso, tal questionamento é, no mínimo, acintoso, e o único ofício que me interessa é a honestidade; respondi: "atualmente trabalho para que a tristeza não vença". o questionador, sentindo-se dúbio, desapareceu.

eu permaneci com amor nos olhos. 
não foram as tesouras que me cegaram.

qualquer um que se sinta a maior parte do tempo desempenhando um papel não é meu amigo.
era domingo, mas nem os itálicos descansavam.

sábado, 7 de setembro de 2013

colisão ou

já é 7 de setembro e tantas imprensas seguem usando a palavra "confronto" pra nomear aquilo que é violencia militar.
procurei "independência ou morte" no google e descobri que é o lema da independência da romênia.
lembro do cazuza e da gal cantando "brasil" e acho que devo ter assistido ainda criança na globo, "grande pátria desimportante", as contradições incluídas.
entro na página da ninja e sem muito notar, troco o verso do drummond de "nenhum brasil existe" pra "todos os brasis existem".
e será que coincidem? será que um dia vão coincidir?
o brasil e sua capacidade de auto-regeneração excludente.
tudo que (não) desaparece se regurgitará.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

alforria blues

aceitei que o mar é a única escrita que existe, antes disso
tinha firmado o corpo todo dentro dele até a cintura
sentia o bom sentir que é só sensação
o coração muito arraigado e estriado
o coração como uma batata crescendo na terra

tão contente que desconfiava
dos vaticínios, dos oráculos,
dos conselhos, dos pais,
das leis, dos sãos, afiava
todo o porvir em rios

de ervas - mananciais do ritmo.

então dei a ponta do meu dedo ao céu
e ele, em fluxo, retribuiu.
sopraram-me ao ouvido:
escreva nos bastidores do vivo.

e eu senti a rasante do pássaro que vem me ver.

domingo, 25 de agosto de 2013

Tal como num dia de festa

TAL COMO NUM DIA DE FESTA...

Tal como num dia de festa, pela manhã sai,
Para ver o campo, o lavrador, quando
Do calor da noite caíram refrescantes raios
Continuamente e já longe ainda ressoa o trovão,
De novo ao seu leito regressa o grande rio
E fresco viceja o solo
E da videira goteja a chuva
Que do céu trouxe alegria e resplandecentes
Ao sol silencioso se erguem as árvores do bosque:

Assim se erguem em propício tempo,
Aqueles que nenhum mestre por inteiro educa, mas aquela
Que é maravilhosa e imensa e de uma leveza envolvente,
A poderosa, a divinamente bela natureza.
Por isso quando ela parece dormir em algumas épocas do ano
No céu ou entre as plantas ou os povos,
O rosto dos poetas também se entristece,
Parecem estar sós, porém sempre estão cheios de pressentimentos.
Pois, pressentindo, ela própria também repousa.

E eis que o dia nasce! Esperei e vi-o aproximar-se,
E para o que vi, sagrada seja a minha palavra.
Pois a própria Natureza, mais antiga do que as eras
E superior aos deuses do ocidente e do oriente,
Acordou agora com o fragor das armas,
E descendo das alturas do Éter até aos abismos
Segundo a firme lei antiga e gerado do sagrado caos,
O entusiamo que tudo cria volta
A fazer-se sentir de modo novo.

E tal como uma chama se acendeu nos olhos do homem
Que projectou coisas sublimes, assim agora
Lavra de novo um fogo nas almas dos poetas
Deflagrado pelos sinais, pelos feitos do mundo.
E o que outrora aconteceu, quase oculto aos sentidos
Apenas agora é revelado,
E aquelas que sorrindo cultivaram o nosso campo,
Assumindo forma de servo, são agoras conhecidas,
As que em si contêm a plenitude da vida, as virtudes dos deuses.

E tu, perguntas por eles? Na canção sopra o teu espírito,
Quando ele brota do sol diurno e da cálida terra
E de borrascas no ar e de outras
Preparadas mais nas profundezas dos tempos
E mais repletas de sentido, e mais perceptíveis,
Se movem entre o Céu e a Terra e entre os povos.
Os pensamentos do espírito a todos comum encontram-se,
Em acalmia final, na alma do poeta,

De tal modo que ela, subitamente atingida, do Infinito
Há muito conhecida, estremece ao recordar-se,
E é-lhe dada a ventura de, inflamada pelo raio sagrado,
Dar à luz o fruto do amor, obra dos deuses e dos homens,
O canto, para que de ambos dê testemunho.
Assim caiu, como dizem os poetas, o raio sobre a casa de Semele,
Quando ela ostensivamente desejou ver o deus
E aquela que o divino feriu, deu à luz
O fruto da trovoada, o Baco sagrado.

Por isso agora bebem os filhos da Terra
Fogo celestial sem qualquer perigo.
Porém a nós compete-nos, ó poetas, permanecer
De cabeça descoberta enquanto passam as trovoadas de Deus,
Segurar nas próprias mãos o próprio raio vindo do Pai
E entregar ao povo, oculta no canto,
A dádiva divina.
Pois se formos apenas de coração puro
Como as crianças, se as nossas mãos forem inocentes,

O raio puro, vindo do Pai, não o queimará
E profundamente abalado, compartilhando a paixão
Do mais forte, o coração permanece mesmo assim firme
Durante as tempestades que do alto se abatem quando o deus se aproxima.
Mas ai de mim! quando de

Ai de mim!


E se logo disser,

Que me aproximei para contemplar os Celestiais,
Eles próprios me lançarão nas profundezas dos vivos,
Como falso sacerdote no escuro, para que eu
Aos que estiverem receptivos cante uma canção de aviso.
Nesse lugar





(Hölderlin, de "Hinos Tardios", em tradução de Maria Teresa Dias Furtado, publicada pela Assírio & Alvim).

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

coça, agrada

the only thing I need is my solitude, to
rembolsar mim mesma ao self, do self
fazer reinar o together
que é uma palavra
que de primeira
nunca sei escrever.

escrever é sentir o ritmo da respiração e intercalar uma coisa e outra em dança e duelo.
escrever é ser o ritmo do mato numa ventania, brisa e encosta.
escrever é ter a encosta entre os dedos, ter encostado o capim entre os dedos
saber como é que fere, como é que coça, agrada e esforça
as pernas uma subida de montanha: escrever.

segundo a wikipédia: "A tecla Enter (↵) é usada para indicar ao computador que o usuário terminou uma cadeia de caracteres."

das coisas mais bonitas que já inventaram
na era da internet, é o "enter"
é entrar que dá parágrafo e convida
troca-se uma letra de lugar e é "entre"
convenhamos, das coisas mais bonitas que existe
porque é o que está nos rodeando
é o limite onde não estou em nem está você
mas é o que nos liga e o que nos separa.

apertei "enter" outra vez
e mais outra
outra
outra
outra
outra.

brotando, brotando

acordei cansada, como se estivesse para me casar. imagina que há um besouro que anda pelas formas das coisas, tecendo ouro, deixando rastros de outras folhas que comeu. imagina agora que esse besouro sou eu.

como todo bom besouro incapaz de cozinhar feijão. e louco, louco de vontade, de feijão numa cidade não assim tão fácil de se conseguir: feijão. como el musguito en la piedra, comer a carne dos minerais e erguer-se, altiplano, úmido, reinante.

comer comer comer
e quando também for necessário
comer.

sou um besouro, já disse, e tenho um faraó no coração.
vamos dar uma festa, com o amor e a sua ciência, volver tão inocentes. 

domingo, 18 de agosto de 2013

a vida do vizinho

hoje soube que um vizinho do último andar, o que tem cinquenta anos e que andava com o telhado rachado, pediu pra vizinha do quarto ir cuidar da mãe dele que, velhinha de 100 anos, precisava ser vigiada, só pra em caso de lhe faltar alguma coisa.

o homem disse a vizinha que ela por favor não se importasse com as migalhas em cima da mesa, que eram pra alimentar o amiguinho que o vinha visitar vez em quando.

desconfiada de que seria um peludinho, a vizinha perguntou "mas que amigo?", e o rapaz disse que era um rato. a vizinha enojada recuou, e discreta afirmou que era ainda capaz de não ter tempo de acudir a mãe do rapaz, porque a perna, sabe lá, a perna direita não vai lá muito bem.

soube eu que, no íntimo, ela pensou que se o rato aparecesse ela de susto era capaz de gritar, e de susto era capaz de saltar, e cair da cadeira e partir a perna que, como se sabe, já não andava lá essas coisas.

enquanto contavam isso eu pensava só na solidão do rapaz, comprando pão no supermercado, eu já o tinha visto, comprando pão no supermercado, era pra dar ao rato. e eu não sabia.

vê lá as coisas que acontecem numa solidão.

do que restou interessa a voracidade da alegria

eu estive de olhos vendados pelas pálpebras, agora mesmo no sofá de domingo, e pensava na intermitência do que se lembra, e tentava perceber se as nuances do que foi vivido mais antigamente são mais tênues, fracas, apagadas do que a memória de ontem. não sei bem porque troquei o estacionamento da escola do qual eu sempre me lembrava pelo bem comum pátio onde quase nunca passava os recreios, não sei bem porque não gostava daquele lugar, nem sei bem se eu reparava que não gostava dele, e fiquei antepondo ele a lembrança do casal que ontem estava apaixonado na praia, eles tinham por volta de uns 50 anos, e deviam ter acabado de se conhecer, era muita fascinação, bonito. 
acho que em imagem todas as lembranças têm o mesmo viço, mas se pensarmos em associações do pensamento com aquelas imagens, as mais recentes tem tentáculos mais fortes, mas isso também depende do impacto, as memórias mais recentes, se forem excessivamente contundentes, elas são de um impacto puro e duro, único e não-narrável. nessas a distância do tempo opera de maneira mais associativa, os acontecimentos paradigmáticos, quando se tornam imagens da memória, tendem a ganhar relações com o passar do tempo.
mas quando isso se trata de um pensamento, ou de uma narrativa que não se viveu? 
eu usava isso, de ficar parada imaginando o transcorrer do tempo no tempo, de tanta fortificação pela imagem, eu imaginava por horas tudo aquilo que não estava acontecendo, era uma forma de me desistituir da experiência e do tempo, através do pensamento. depois tomei pudor por essas formas associativas, e acabei escrevendo poemas, quantos mais, todos os dias. gosto quando estou com tanto sabor no pensamento que a cada cotidiano vão aparecendo ruídos que se tornam versos. 
mas hoje penso que foi e é essa associação entre escrita e cotidiano, entre escrita e presentificação, combinada a um corpo muito mútuo de percepções, seja ele muito mútuo na convivência com os outros (a permeabilidade) ou, muito mais do que isso, o medo de imaginar o que não existe (embora passe tempo demais supondo ressentimentos, céus, como ando ressentida) é o que me dificulta escrever uma narrativa, umas narrativas em prosa. 
mas antes de ontem pensei uma coisa muito importante: que é preciso sentir com o corpo, a cena. que é preciso sentir a atmosfera que eu sentiria se estivesse presente. porque é isso que eu sei perceber, então é isso que eu preciso imaginar. a minha escrita nasce disso, desse passeio pela atmosfera.

sábado, 17 de agosto de 2013

hoje na praia tinha um sujeito que falava de enfartes, em todos os detalhes, de como as pequenas veias são as que entopem & etceteras, eu parava de ouvir, eu não queria aquilo, eu ouvia o mar, uma criança correndo, de repente eu ouvia "coração" no meio das palavras dele, reparava, desistia de reparar. coração não desista de reparar, tive vontade de dizer pra ele, que é verão, não esqueça de reparar, coração.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

maquete caseira

vou viver
até quando
eu não sei
que me importa
o que serei
quero é viver

amanhã
espero sempre um amanhã
e acredito que será
mais um prazer

a vida
é sempre uma curiosidade
que me desperta com a idade
o interesse do que está pra vir

a vida
envia sempre uma certeza
que nasce da minha riqueza
o meu prazer é descobrir
encontrar um lugar
de fugir ou repetir


terça-feira, 13 de agosto de 2013

calçada do combro

é porque eu sou muito permeável que os bolsos
se esvaziando vão se costurando na minha pele.
pelo mesmo motivo não posso com maus poetas
em pouco tempo me colocam a pensar em dinheiro
e noutras dívidas imaginárias que eles têm.

eu tenho pernas e vou ganhando pernas
conforme a inclinação da rua
vejo alguém que custa a subir
bolsas escuras, embaixo dos olhos
custa não ter pernas, essa minha idade
onde tenho bolsos e eu vou perdendo os bolsos.

sinto falta do que vai parar
de recomeçar um dia
essa mania
de pensar "um dia"
não terei fôlego não terei nada
só a minha cabeça, panela tampada
porque eu sou muito permeável e os bolsos
são deles 
porque eu sou muito permeável e os bolsos 

eu perco pernas e vou perdendo pernas
vejo alguém na rua que custa a subir
é duro é caro é certo   
custa tanto 
tanto medo
envelhecer, entretanto
nesse escuro
se entretece meu canto.

domingo, 11 de agosto de 2013

me estoy haciendo árbol

La poesía es un atentado celeste

Yo estoy ausente pero en el fondo de esta ausencia
Hay la espera de mí mismo
Y esta espera es otro modo de presencia
La espera de mi retorno
Yo estoy en otros objetos
Ando en viaje dando un poco de mi vida
A ciertos árboles y a ciertas piedras
Que me han esperado muchos años

Se cansaron de esperarme y se sentaron

Yo no estoy y estoy
Estoy ausente y estoy presente en estado de espera
Ellos querrían mi lenguaje para expressarlos
He aquí el equívoco el atroz equívoco

Angustioso lamentable
Me voy adentrando en estas plantas
Voy dejando mis ropas
Se me van cayendo las carnes
Y mi esqueleto se va revistiendo de cortezas

Me estoy haciendo árbol Cuántas veces me he ido convirtiendo en otras cosas...
Es doloroso y lleno de ternura

Podría dar un grito pero se espantaría la transubstanciación
Hay que guardar silencio Esperar en silencio





Vicente Huidobro, de "Últimos poemas".

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

UM

Nada mais diário
que o escuro e o claro

e o meu amor
cabeça de diamante
cegando o conflito 

o meu amor o meu amor o meu
tantas vezes você me abandonou
na minha imaginação.

Faz uns anos
eu amava homens de imaginação na minha imaginação até que aprendi a amar
a imaginação agora que, amo homens que me amam,
imaginam em mim que me abandonam.

Mas não sou eu, não
não sou eu quem abandona ninguém nem sou abandonada é a imaginação
uma herança. Não sei se herdei do tataravô que assassinou alguém
e quer que a escrita que o perdoe. Aquele que morreu picado por uma cobra dentro de um buraco e a última palavra que pensou foi DENTE e é por isso que hoje escrevo dente.
Não sei se herdei do meu avô que morreu no dia de hoje ainda nos anos '70
tenho o modo de olhar dele
provavelmente também as juntas do coração.

Um avô meu viveu com gastrite depois morreu, eu e minha irmã também temos.
Um avô meu ninguém sabe se abriu o gás ou se foi enfarte.
Minha vó graças a deus está viva e lúcida e às vezes se escandaliza com as manifestações.
Minha outra vó morreu meio metro menor do que era. Tinha ouvido absoluto
tivesse eu herdado fazia alguma coisa dessa voz, mas herdei o queixo, uns poros do nariz.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

subíamos sem parar uma escadaria em caracol e de vidros feitas as paredes, estávamos no brasil, mas isso parecia a universidade daqui (pensei agora) e repentinamente aparecia uma colega de escola (a roberta) e exclamava "que bom! vocês aqui!" e ele dizia que iríamos nos mudar pra lá, e o nariz dele começava a sangrar. 

depois estávamos no jardim da casa em que cresci e tinha cor de foto antiga e os gatos subiam e desciam pelos telhados, tomavam conta de tudo, eram muitos gatos, eram muito bonitos.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

o rubi espalhado



escrevi sobre o antónio variações na revista geni
a ilustração acima é da cecília
não PER CÃO

pelo cão  
aos astros,

notas de viagem (5)

"Estabelecer uma colônia permanente em Marte implica ir sem voltar. Isso parece impressionante, mas não se pode esquecer que na história de nosso planeta, as pessoas que partiram em viagens de exploração deixaram para trás suas famílias", tirado daqui

ou a Llansol dizendo que só voltaria para Portugal quando não significasse mais voltar, que fosse um ir.

que seja um ir.
voltar como quem viaja
também é não voltar,

voltei de Paris, alguém diz
de Marte também eu
não deixava de voltar,
embora tenham descoberto que lá havia oxigênio
isso foi milhões de anos atrás.

ou isso ou um dia outros contemporâneos
sempre vão me considerar
conservadora.

notas de viagem (4)

às vezes a pergunta "como conviver com o próximo?" se alterna num salto que pergunta "como conviver com o póstumo?". não sei, tanta gente que conheço vive entre ruínas. nem sei mais se acho que isso é ruim.

durante algum tempo quis abdicar do valor do tempo, de dizer que as coisas se passam de um jeito ou de outro. deixei-me triste até o silêncio. hoje desconfio que já era ela, mesmo que calada, a transformação. sempre ritmada e desafinada, tom de tudo, a transformação.

e a viagem vira um intervalo, ou um procedimento? vira o virar, que uma vez na cinemateca ouvi dizer que o césar monteiro não terminou a montagem de um filme, quando recebeu o dinheiro pra fazê-lo pegou tudo e foi passar uns dias em Roma. prova de que existem irresponsáveis louváveis. nota psicanalítica (ou a transformação as usual em curso): tratar a viagem como cesar monteiro tratava a vida, à galope.

no fundo eu não tenho estômago pra nada. é literal, basta 1/4 da bactéria inteira que atacaria uma pessoa normal, basta 1/4 dela pra que eu esteja deitando as tripas pra fora. e jesus, finalmente aprendi de que lado está o baço. vou ser hipocondríaca quando póstuma: aquela que só sabia de emplastos, astrologias, poemários rotos. aliás, uma coisa que a europa me ensinou foi a amar o roto.

sem ofensas, pessoal.
tudo no mundo continua um interior sem tamanho.

sábado, 27 de julho de 2013

notas de viagem (3)

primeira noite na tenda a chuva torrencial entre carvalhos. já me adaptei a certos vocabulários e nos dias anteriores a cada cachoeira me pegava cantando "eu sou memória das águas".

devia ser seis da manhã quando senti uma bolha na omoplata direita. não poderia ser, mas eram meus ombros nivelados por uma poça embaixo. atravessou a lona, o saco de dormir, me tornou os pulmões um precipício.

tive pneumonia uma vez por estar com a vida toda fudida e numa noite de frio ter fumado tudo e deitado com as costas no chão pra ver o céu da praça do relógio com a Mari.

lembrei disso & chorei miúdo.

*

só pode ser domingo, é isso.
me impressionava no primeiro livro de poemas que li a quantidade de vezes que "domingo" era referido. logo a poesia me mostrou que podia tourear o tédio, nosso imenso companheiro.

o livro era o "alguma poesia".

*

estou rodeada de antepassados aqui, os carvalhos. e everything inside is made of stone.

domingo e água.
domingo é água.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

notas de viagem (2)

durante uns anos, eu não tinha nem 25, escrevi um romance. ele tinha referências aos contrastes entre as cores: por exemplo: barro de terracota versus verde costela-de-Adão.

não me lembro de muito mais coisa. na foto com a cara de leão eu completava naquele dia 25 anos.

também me lembro que nas duzentas páginas havia uma personagem que se chamava asaboli. ela acabou virando o amor abandonado de infância pelo narrador que se chamava Antônio.

essas páginas foram um modo de decantar o fulgor do jardim em que cresci.

*

tudo até aqui foi desimportante.

ah o que eu me lembro foi que numa noite dura e cheia de notas de rodapé e rodeada por colegas de Letras que eram os mais inteligentes e que só citavam,

foi terminando um trabalho sobre tropicalia, a do caetano, que a cabeça a mil no travesseiro pensa pensou: "as aspas eu as aboli". as aboli.

daí pra asaboli foi um pulo. um pulo frustrado, ou assim considerado neste imediato.

imediato imprescindível!

200 páginas pra nada
pensei nesses últimos anos

*

aquela personagem que não existia, asaboli não tinha dentes. asaboli era uma alavanca, ou melhor, um cajado, minha terceira perna.

desde que a quis
abriu-se buraco negro
passei anos comendo
os versos os entendimentos
a fabricação
de outros e de outros e de mais outros

até apagar
reverenciar
fabricar

esses outros esses ouros
tudo por começar

oh pudores oh ana cristina

*

isso aqui escrito porque escrevi no caderno uns versos que daqui a pouco cito e pensei longamente se colocava aspas ou não.

vontade que me deu foi de escrever uns versos do Caetano, que
pra mim é como era a Amália
para o Variações.

"aranha tece puxando
o fio da teia
a ciência da abelha
da aranha e a minha
muita gente desconhece".

*

venturosos eram
aqueles como
o Bento e a Maria Gabriela
que elogiavam
sempre a alegria
constituintes dos entres
no entre as coisas.

*

tudo isso vendo a construção da nova teia aqui em frente.

essa aranha é daquelas que Darwin nenhum punha defeito

quinta-feira, 25 de julho de 2013

notas de viagem (1)

já se sabia que herberto helder compreendeu: o coração das: montanhas, aves, raves, libélulas, pontes (de concreto, de pedra, aço, etc); e o modo como estas e outras coisas respiram.

lembremos pois:

"até que deus é destruído pelos extremo exercício da beleza";

"a beleza quando avança é como um exército
e eu trabalho quanto possa pela sua violência".

*

depois de tanto presunto
preciso eu comer
todos morangos do mundo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

notas de viagem (0)

há uns tempos que penso na necessidade de inventar um verbo que esteja entre o pensar e o sentir, alguém conhece? então é nesse verbo que sinto-penso a guerra oculta da guerra em que vivemos, pois lustremos os artifícios e as técnicas,

e de repente aquela consideração aos insetos, não sei bem se ternura. ternura é dedicação para os felinos. ou a delicadeza, a patada que só atira as unhas lá no fim do gesto. e corta. claro que a delicadeza corta.

seres vivos abrindo, as flores e as batatas, outras espécies, cerejeiras, quaresmeiras, mariri, tulipas, samambaias, tílias, afins vegetais que são espécies superiores a nós, os animais.

solicito também o comparecimento das rúculas, dos espinafres, das rosas e do alazão. cada coisa que a gente tem que justificar, pedir, s i m p l e s m e n t e para postar O Leãzinho com o peacemaker heart mode on.

compareçam ao seu próprio evento astrológico. cuidem da memória de Ezra Pound. que nenhuma reconfiguração lhes tome mais tempo do que esvaziar os bolsos.

nós vamos para a montanha, seremos engolidos pelas encostas e os vales, ribanceiras de água e sapos do Gerês.



domingo, 21 de julho de 2013

trinco

não durmo enquanto
essa normalidade
continuar causando strikes.
não, não durmo.
passo a noite arrancando
alecrins do chão
com uma pinça na minha mão
mas dormir não durmo
não tenho um cão
embaixo da minha cama
tem o oceano e tem o chão
quando levanto, cambaleio
não sei bem onde
ponho os pés
nos cílios
apuro membranas
que me boiassem
ombros autênticos.
não estes meus
ombros que se deixam levar
pelos alheios ruídos
véus e estômagos rotos
de outros.

sábado, 20 de julho de 2013

morte & morte

enquanto esperamos a morte
façamos alguma coisa
poemas desgovernados
noites calmas em varandas
admiremos o tempo
amarelo a cada ano
verde em certos amores

não pegará fogo
em nada se eu não aprender
algo de bom como a água
saudade de tantas casas
que é melhor calar a boca
a mão o computador
e pensar sério com força
no poder de certas árvores




de "movediço", do fabrício corsaletti

- - -

laerte e o caminho do olho que era só inteligente








do blogue do minotauro via cecília

terça-feira, 16 de julho de 2013

meu estilo me fugiu

quando escrevo está tudo tão desarticulado eu fico vendo a escrita como umas gaivotas que cagam na cabeça dos outros quando o texto mesmo em si o texto se vê como o próprio ar e está feliz. desde janeiro (com meu texto sobre a "herança" que publiquei aqui está nos arquivos a herança está nos arquivos) que eu não começava e terminava um texto e realmente teve algo. teve algo. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

andiamo

todas as coincidências são prismáticas, coração. você vai fantasiado de bandeiras com as quais eu não concordo, não concordo com a tua bandeira. flamejar está em desuso. e ainda não desenharam a bandeira da transparência.
tuas roupas também, as roupas de todo esse bom mocismo farto de si mesmo, as roupas não servem mais. quem sabe talvez? no calor desse verão aprimorar a nudez do sentido.
ou ter um menino gordinho daqueles que ainda é meio mentiroso e a gente o ama por tanta imaginação. o menino segura a palma da minha mão, apontando os riscos que nela se desenham e eu pensando "são tantos os riscos" e o menino dizendo "não resisti, vou morder o teu pomo da sorte e da ferida vai nascer um...". ele não teve tempo de completar a frase.
assim apressamos os passos.
assim vamos pelos caminhos.


terça-feira, 9 de julho de 2013

e agora, josé?

cortar o vínculo com o não escrever, cortar o vínculo porque agora é hora de escrever, é hora de renascer 
como quem corta as unhas, embora um restinho de poeira por baixo delas penetre tudo, o restinho que faz da voz (ainda) o escuro
vontade de viver e vontade de chorar. aqui já é dia 10 de julho e ontem mercedes sosa faria aniversário e eu só soube disso depois da meia-noite. são os modos de se estar viva, ou a destruição da atenção. me joguei pra essa rede, como quem quer correr riscos. 
não entendo bem porque estou apertando o (antigo) enter para dar espaço entre as linhas. não estou entendendo o espaço entre as linhas. 
sei que hoje falei que a minha poesia é uma poesia pelo sentido. depois quem me lê estrebuchando de delírio não acredita. mas é verdade, eu sou até conservadora nesse (em muitos) aspectos. posso estar nas maiores peripécias sonoras, imagéticas, mas como uma linha de comboio o sentido apita. 
o que é quase como acreditar no estremecimento, digo, no amarulhamento, digo, no absurdo. 
por exemplo, não gosto muito de inventar palavras, nem de quando elas são inventadas. mas repentinamente invento uma palavra e passo a tarde com ela, eu que a cada dia suporto menos o açúcar, eu passo a tarde me adocicando toda. poderia rebolar até com essa palavra POR ESSA PALAVRA. mas habito o silêncio, mastigo uma biografia e outra ali, 
a minha própria andei digerindo mal
quer dizer, fiquei à toa e só por mim a nada nada nada 
registro aqui NADA meses de nada nada
ou o reabastecimento ou a substituição ou o descanso ou o rancor tipo AGORA MAIS SENTIMENTAL
sofri pra caceta é essa a verdade. mas algo virou no ar virado desse julho (o julho mais quente que já vivi). e isso tem a ver com a caminhada que fizemos, em que meus calcanhares ficaram em carne-viva e mesmo assim (ou com isso) resisti e pude entrar e entrei em contato 

em contato com o quê? 

não sei com que calcanhares nos ata o destino. pensei no caminho como uma linha que cortasse minha pele, e as agulhas afundadas sujas mesmo, sujas de sangue, as agulhas foram jogadas fora, e a linha ainda cinge ranhura de pele, mas acho que volvi, sempre sincera.

ou: a sinceridade era a minha arma. os outros talvez a utilizassem por fraqueza. a minha força era tornar-me fraca. agora não sei, se é sempre aquela história do sentido, ou se é sempre uma legitimação. 

tipo hoje que eu quebrei a santa símbolo. não era minha intenção, mas o esquecimento sim. dias atrás perdi meu cartão do banco, hoje quebrei uma santa. eu entendo isso tudo como pequenos avisos, que por mais que tenham me aparecido pessoas que me dêem uma aula sobre o assunto que na véspera me faltava, e exista quem chore na minha frente, tem um constrito no ar. tipo como quem diz: nem com essa bola toda teus calcanhares saravam, 

seguem sangrando 
eu, com alguma convicção,
de que a fraqueza era o meu forte, 
subi em cima da muralha da fortaleza e sorrindo
ela se desfez.  

terça-feira, 25 de junho de 2013

you know you should be glad

daqui a pouco falta muito pouco há anos não faltava tão pouco 
pr'aquele que tudo expande voltar pra casa da mãe, não não, não como quem volta cansado de um casamento falido, ou quem volta pra um almoço de domingo. não não, ele volta pra casa da mãe desnudo e louco pra tomar um banho e, quente de tão doce, outra vez encontra em si o menino-moço, vadio. o menino que gosta de chupar raízes, barbatanas, restinhos úmidos entre as rochas do que já foi, ele. noite próxima, quiçá noite que vem, ele te fará sonhar com o seu prazer. 
eis quem eu amo. 


ocupar essa rede, ocupar
deitar nela, espreguiçar, perder
perder perder perder perder
o peso dos ombros

os dias seguem os dias
sendo todos de dores de músculos
e grandes mandíbulas que não param
de cerrarem

um dia eu mesma estarei morta
levantada exclusivamente pela tábua
de madeira do meu caixão
ou pelo vento que vai levar as cinzas

mas antes disso eu tenho
músculos, dons nos bolsos,
raízes. eu mesma sou toda

uma fábula do (ainda que pouco) movimento.

sábado, 22 de junho de 2013

passagem

não foi bem um sonho, foi o miragem do quase sonho (das que o uso contínuo do chá tende a aumentar): um caminho de cascalho, como um túnel, com muitos tons de cascalho, e aberto luminoso cheio de luz. um caminho onde toda forma de vida que não fosse cascalho e concreto tivesse se desestabelecido. mas curiosamente pra todo meu imaginário anterior na vida, não, não era terrível. era encantador, calmo, e bonito. 

está acontecendo uma substituição. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

não mesmo


antena

tem algo de tão urgente no ar, tão insurgente também
que dentro de todo cetiscismo pode viver um conservador

dito isso penso que foi meu lado mais jovem. mas todo o meu corpo está ardendo de cansado como o de um velho que tivesse passado o dia no mar, enregelado. ou seja, até aquilo que é velho

destruído, dolorido
cansado em mim

se cala.
e se fia no que é.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

nos entres das coisas

eu levo em consideração que tudo que acontece enquanto estou escrevendo um livro deve poder caber nele. até agora estive escrevendo sobre mim. agora assim, é só sobre eu mesma de novo, cabrum veio uma nuvem, molhou molhou eu. e a galinha cabidela. eu tentando ir pro fim do século xix, mas é a mesma história. minha gata que nasceu no ano passado cabe dentro da minha história. isso porque ela está aqui do meu lado. isso porque ela está viva. espero que vocês respeitem isso. e se não respeitarem? cabrum vem uma nuvem, molha molha nóis. é isso, vou ao .doc. 

o novo o novo o novo está chegando

terça-feira, 11 de junho de 2013

mil anos nos separam, Altazor

Mil anos nos separam,
Altazor
e passei a noite, meditando
a duplicidade das estrelas
seu reverso,
meu amigo,
matéria de luz e espírito,

eu sou a matéria do que não acontece,
     se tivesses um irmão
     nascido
     do clarão do dia — sou
     eu — Altazor
Aquele que nunca
     sossega nas paradas
aquele que só pode se esquecer
porque os que lembram
estão sozinhos
     e é de noite.
aquele que só pode se lembrar
porque os que lembram
estão sozinhos
    e é de noite.

Eu sou a fenda que ultrapassa.

Altazor tu és a própria
     esperança do que recomeça.
Eu sou o término
      o término. O filho de Saturno
      mensageiro veio

      roubou as portas
      do seu pai
      enfiou a garganta
      nas fechaduras

e começou a sangrar
como se cantasse. Tinha dentes
muitos nessa época, Altazor.

Me despedi de mim para receber.

sábado, 8 de junho de 2013

alforria blues ou Poemas do Destino do Mar





me esforço tanto pra não ser severa e ríspida,
muito mais pra não ser profissional
que nem coloquei aqui nesse delicioso caderno de rascunhos
as informações de venda do meu livro mais atualmente feito

na foto acima seguro o meu exemplar de "alforria blues ou Poemas do Destino do Mar", ligeiramente inclinado para que o sol ilumine a cratera lunar. cada capa é cada uma, que foram feitas pelo luís numa prensa antiga, que pode ser vista em funcionamento no vídeo feito pelo daniel.

pra comprar o livro temos alguns meios que se indicam no site das Edições Chão da Feira
mas aqui também ilustro os meios:
pode-se comprar pelo e-mail: livros@chaodafeira.com
e também são encontráveis na Livraria Quixote, em Belo Horizonte; na Intermeios Cultural, em São Paulo, na Gato Vadio, no Porto; e na Letra Livre e no Paralelo W em Lisboa.
pra além disso, quem deixar um comentário nesse blogue querendo um exemplar, deixe-o com o endereço de email que daí eu respondo e se combina o fazer dos escambos de papel simbólico por papel simbólico, 

soluço

de repente antes, ou tão perto me olhava
uma cobra serpente criada
servente de mim, quiçá?
vermelha rubro sangue
como a um corno eu evitava
os versos que se aproximavam  - - - era como se eu quisesse ter me esquecido - - - de certas faculdades do fundamental
e escolhesse ter como baliza a rispidez constrita de um raio, o corpo todo vivíssimo
de tão inflamado
inflamado o estômago a bexiga inflamada
os olhos inflamadíssimos cheios de seiva de atriz
aquela que profere atos - - - e esse computador denunciando sempre a falta de um "c" hipotético que transmigrasse a correção  - - - do passado, vejam bem. a correção do impossível,

nada não. nada pra dizer. pra além de uma serpente na frente da face olhando, por dentro, os meus olhos.
vermelha de ferrugem, e amarela de sangue
sendo a cara dela, os seios da minha face
vejo de tudo, pois é

é porque alguns comem canela, outros vitela
eu, que como de ambos, vejo de tudo, e sinto pouco
pouco demais pra entender os tempos que vivemos
e que estão, é evidente, se desdobrando em outros,
na nossa frente.

minha vida mesmo só acompanha isso, esse trilho do ritmo,
a capacidade de tudo ser aquilo que é: mutável, processo, violência e degeneração.
carinho também. muito carinho.
ternura. ternura. ternura. gordura.
bem tenra quando sarar.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

bumerangue

sonhei que dava um pulo
e flutuava, girando desde
o alto de uma montanha
até o baixo de uma varanda
onde um antigo amor
(mais confusão do que amor)
sorria numa rede.
voando lenta em rodopio
desviei da casa
e comecei a voltar
feito um bumerangue
desejosa da montanha.
o homem na rede disse então
cuidado que é inércia
e coloquei os pés no chão.


(as outras partes do sonho, não vou contar aqui não.)

domingo, 26 de maio de 2013

sonoro


a primeira vez que escrevi a palavra "muito"
foi meu irmão que me ensinou
eu não acreditei. tinha certeza que era mentira.
faltava um som, um som fundamental. mas acabei
acabei acreditando.
faz parte ter de acreditar.
agora quando escrevo "muito" percebo que minha letra está mudando.
eu não tinha esse "t"
assim
tão pouco tenso.
não atraso a hora das plantas
deixo as ramagens invadirem os portões.
agora vivo acendendo incenso
pra qualquer córrego vagabundo
se chamar deus
eu peço um pouco de atenção
quando alguém está comendo eu tiro o talher
da mão enfio na testa.
tem muito "t" nessa língua
não dá pra viver sem eles.
eu tinha um "t" que me estruturava
me ajudava tanto aquele "T"
agora tenho três "t" diferentes
conforme cada encontro de letra.
ainda vão dizer que me rebusquei
só por conta do "t" trifurcado
foi que eu me perdi.


*

a aparição do poema do leonardo fróes aí embaixo foi como um torpedo de precisa balística no mar profundo em que eu me encontro afogada.
Justificação de Deus

o que eu chamo de deus é bem mais vasto
e às vezes muito menos complexo
que o que eu chamo de deus. Um dia
foi uma casa de marimbondos na chuva
que eu chamei assim no hospital
onde sentia o sofrimento dos outros
e a paciência casual dos insetos
que lutavam para construir contra a água.
Também chamei de deus a uma porta
e a uma árvore na qual entrei certa vez
para me recarregar de energia
depois de uma estrondosa derrota.
Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa
no ponto de desespero total
em que uma flor se movimenta ou um cão
danado se aproxima solidário de mim.
E é ainda a palavra deus que atribuo
aos instintos mais belos, sob a chuva,
notando que no chão de passagem
já brotou e feneceu várias vezes o que eu chamo de alma
e é talvez a calma
na química dos meus desejos
de oferecer uma coisa.


Leonardo Fróes, via modo de usar

sexta-feira, 24 de maio de 2013

o carro de trás

traços de sonhos dos últimos dias

*estou na porta da casa onde moro, meu pai vem me pegar. tenho uma mala muito pequena, carrego feito um urso de pelúcia, pela mão. 
* dirijo um carrinho de bate-bate dentro de um pequeno centro comercial, estou atrás de outro que está na minha frente, com dois conhecidos (não me lembro quem são) dirigindo aos risos. agora lembrando é a zona de lojas da estação de santa apolónia. mas, na verdade, no sonho estou na bahia e sou parada pelos policiais. são truculentos, óbvio. pedem meus documentos, estão vencidos.
* estou na casa em que cresci, com a zélia, minha tia avó que morreu faz alguns anos. ajudo a carregá-la pra lá e pra cá, ela não pesa mais do que uma criança, e minhas pernas têm uma ginga excessiva, consigo fazer o movimento que for. quando chego na porta de casa (é preciso ser rápida, é o que ouço o resto da família a dizer) encontro meu irmão com dois carros parados. coloco a zélia no banco de trás do primeiro. ele me diz que é preciso dirigir o carro de trás, eu digo que sim. então me recordo que meus documentos estão vencidos.

-
das interpretações:
tanta violência, só meu pai sabe me salvar.
vencidos = meus sonhos, minha carta de condução também. 
estou perdida.  
ah, ontem vi um sujeito sendo preso na porta de casa. ele dirigia um alfa romeo, estava muito bem vestido, aquelas roupas de crime do colarinho branco. mas também não era uma perseguição de antes, não parecia. não deu pra entender muito bem o que aconteceu. 
por que eram sempre dois carros? porque eu estava sempre no de trás?
por que a zélia sendo carregada como uma boneca?
por que por que por quê

quinta-feira, 23 de maio de 2013

pelo retorno do maravilhoso

a internet voltou! eu é que voltei pelos cascos abertos, e pensando entre os ramos mais raros que o volume do som também podia aumentar porque é sempre insuficiente pra ouvir maria bethânia. mas vou vê-la ao vivo no dia de luís e isso será ay que rima tão feliz! 

I Am Waiting

I am waiting for my case to come up
and I am waiting
for a rebirth of wonder
and I am waiting for someone
to really discover America
and wail
and I am waiting
for the discovery
of a new symbolic western frontier
and I am waiting
for the American Eagle
to really spread its wings
and straighten up and fly right
and I am waiting
for the Age of Anxiety
to drop dead
and I am waiting
for the war to be fought
which will make the world safe
for anarchy
and I am waiting
for the final withering away
of all governments
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder

I am waiting for the Second Coming
and I am waiting
for a religious revival
to sweep thru the state of Arizona
and I am waiting
for the Grapes of Wrath to be stored
and I am waiting
for them to prove
that God is really American
and I am waiting
to see God on television
piped onto church altars
if only they can find
the right channel
to tune in on
and I am waiting
for the Last Supper to be served again
with a strange new appetizer
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder

I am waiting for my number to be called
and I am waiting
for the Salvation Army to take over
and I am waiting
for the meek to be blessed
and inherit the earth
without taxes
and I am waiting
for forests and animals
to reclaim the earth as theirs
and I am waiting
for a way to be devised
to destroy all nationalisms
without killing anybody
and I am waiting
for linnets and planets to fall like rain
and I am waiting for lovers and weepers
to lie down together again
in a new rebirth of wonder

I am waiting for the Great Divide to be crossed
and I am anxiously waiting
for the secret of eternal life to be discovered
by an obscure general practitioner
and I am waiting
for the storms of life
to be over
and I am waiting
to set sail for happiness
and I am waiting
for a reconstructed Mayflower
to reach America
with its picture story and tv rights
sold in advance to the natives
and I am waiting
for the lost music to sound again
in the Lost Continent
in a new rebirth of wonder

I am waiting for the day
that maketh all things clear
and I am awaiting retribution
for what America did
to Tom Sawyer
and I am waiting
for Alice in Wonderland
to retransmit to me
her total dream of innocence
and I am waiting
for Childe Roland to come
to the final darkest tower
and I am waiting
for Aphrodite
to grow live arms
at a final disarmament conference
in a new rebirth of wonder

I am waiting
to get some intimations
of immortality
by recollecting my early childhood
and I am waiting
for the green mornings to come again
youth’s dumb green fields come back again
and I am waiting
for some strains of unpremeditated art
to shake my typewriter
and I am waiting to write
the great indelible poem
and I am waiting
for the last long careless rapture
and I am perpetually waiting
for the fleeing lovers on the Grecian Urn
to catch each other up at last
and embrace
and I am awaiting
perpetually and forever
a renaissance of wonder



Lawrence Ferlinghetti
 

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