quinta-feira, 29 de agosto de 2013

alforria blues

aceitei que o mar é a única escrita que existe, antes disso
tinha firmado o corpo todo dentro dele até a cintura
sentia o bom sentir que é só sensação
o coração muito arraigado e estriado
o coração como uma batata crescendo na terra

tão contente que desconfiava
dos vaticínios, dos oráculos,
dos conselhos, dos pais,
das leis, dos sãos, afiava
todo o porvir em rios

de ervas - mananciais do ritmo.

então dei a ponta do meu dedo ao céu
e ele, em fluxo, retribuiu.
sopraram-me ao ouvido:
escreva nos bastidores do vivo.

e eu senti a rasante do pássaro que vem me ver.

4 comentários:

Tudo de Novo Outra Vez disse...

Achei tão Sophia de Mello Breyner Andressen, mas talvez mais caótico, como o tempo que é seu, entende o que eu estou dizendo? Tipo um Caminho da Manhã de 2013.
Porque deve existir um contexto que explique melhor se é ironia ou não, é provável que eu tenha entendido errado, induzida pela minha própria condição (que eu não vou dizer qual é, rá!). Mas é muito bonito mesmo, e aponta pra um lugar que eu não tinha te visto apontar ainda - e aqui eu não falo só da poética.
Beijos,
Renata.

júlia disse...

ei, renata
acho que todo texto é uma abertura, não é? que permite leituras muitas e talvez até todas, e a sua é bem interessante.

mas não vejo nada da sophia no que escrevo. não só porque elogio o caos e ela a ordem, mas também por um elitismo entre as coisas que ela opera, e pra mim o que me interessa é mesmo o jogo entre o alto e o baixo e o claro e o escuro. o que me interessa é o entre. pra ela penso que era o elevado.

também não tenho nenhum senso religioso, embora entenda que a transcendência e a emancipação que tanto me interessam possam passar por essa sensação.

mas, pra mim, deus é uma metáfora.
pra sophia no poema que você se lembra eu acho que deus é mais uma experiência, e que o caminho da matéria é, em si, uma redenção.

no mais, não sei se você leu meu último livro, mas imagino que não, pois acho que apontei e apontadas estão esses lados que você viu nesse escrito de ontem. viu?

beijão.

Tudo de Novo Outra Vez disse...

Não li mesmo, nem soube. Mas eu pressenti um contexto desconhecido meu. Tá bonito. O último livro deve ter estado tb. Parabéns.

josé luís disse...

ah júlia, a tinta da sua escrita de água não seca jamais...

 

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