domingo, 25 de agosto de 2013

Tal como num dia de festa

TAL COMO NUM DIA DE FESTA...

Tal como num dia de festa, pela manhã sai,
Para ver o campo, o lavrador, quando
Do calor da noite caíram refrescantes raios
Continuamente e já longe ainda ressoa o trovão,
De novo ao seu leito regressa o grande rio
E fresco viceja o solo
E da videira goteja a chuva
Que do céu trouxe alegria e resplandecentes
Ao sol silencioso se erguem as árvores do bosque:

Assim se erguem em propício tempo,
Aqueles que nenhum mestre por inteiro educa, mas aquela
Que é maravilhosa e imensa e de uma leveza envolvente,
A poderosa, a divinamente bela natureza.
Por isso quando ela parece dormir em algumas épocas do ano
No céu ou entre as plantas ou os povos,
O rosto dos poetas também se entristece,
Parecem estar sós, porém sempre estão cheios de pressentimentos.
Pois, pressentindo, ela própria também repousa.

E eis que o dia nasce! Esperei e vi-o aproximar-se,
E para o que vi, sagrada seja a minha palavra.
Pois a própria Natureza, mais antiga do que as eras
E superior aos deuses do ocidente e do oriente,
Acordou agora com o fragor das armas,
E descendo das alturas do Éter até aos abismos
Segundo a firme lei antiga e gerado do sagrado caos,
O entusiamo que tudo cria volta
A fazer-se sentir de modo novo.

E tal como uma chama se acendeu nos olhos do homem
Que projectou coisas sublimes, assim agora
Lavra de novo um fogo nas almas dos poetas
Deflagrado pelos sinais, pelos feitos do mundo.
E o que outrora aconteceu, quase oculto aos sentidos
Apenas agora é revelado,
E aquelas que sorrindo cultivaram o nosso campo,
Assumindo forma de servo, são agoras conhecidas,
As que em si contêm a plenitude da vida, as virtudes dos deuses.

E tu, perguntas por eles? Na canção sopra o teu espírito,
Quando ele brota do sol diurno e da cálida terra
E de borrascas no ar e de outras
Preparadas mais nas profundezas dos tempos
E mais repletas de sentido, e mais perceptíveis,
Se movem entre o Céu e a Terra e entre os povos.
Os pensamentos do espírito a todos comum encontram-se,
Em acalmia final, na alma do poeta,

De tal modo que ela, subitamente atingida, do Infinito
Há muito conhecida, estremece ao recordar-se,
E é-lhe dada a ventura de, inflamada pelo raio sagrado,
Dar à luz o fruto do amor, obra dos deuses e dos homens,
O canto, para que de ambos dê testemunho.
Assim caiu, como dizem os poetas, o raio sobre a casa de Semele,
Quando ela ostensivamente desejou ver o deus
E aquela que o divino feriu, deu à luz
O fruto da trovoada, o Baco sagrado.

Por isso agora bebem os filhos da Terra
Fogo celestial sem qualquer perigo.
Porém a nós compete-nos, ó poetas, permanecer
De cabeça descoberta enquanto passam as trovoadas de Deus,
Segurar nas próprias mãos o próprio raio vindo do Pai
E entregar ao povo, oculta no canto,
A dádiva divina.
Pois se formos apenas de coração puro
Como as crianças, se as nossas mãos forem inocentes,

O raio puro, vindo do Pai, não o queimará
E profundamente abalado, compartilhando a paixão
Do mais forte, o coração permanece mesmo assim firme
Durante as tempestades que do alto se abatem quando o deus se aproxima.
Mas ai de mim! quando de

Ai de mim!


E se logo disser,

Que me aproximei para contemplar os Celestiais,
Eles próprios me lançarão nas profundezas dos vivos,
Como falso sacerdote no escuro, para que eu
Aos que estiverem receptivos cante uma canção de aviso.
Nesse lugar





(Hölderlin, de "Hinos Tardios", em tradução de Maria Teresa Dias Furtado, publicada pela Assírio & Alvim).

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