quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Tudo se mexe, movimenta
e ataca mesmo a imobilidade
entre os lábios de Tomás
enquanto ele faz silêncio
na sombra de uma árvore.

Não há nada falhado entre os dentes
se dizer não pode de Tomás que ele seja
daqueles em quem as palavras
falham entre os dentes 
sentindo-se sempre
num ensaio de algo
que ainda não é a morte
embora com ela se pareça
pelo travo de silêncio.

Se mexendo as folhas
vibram e como Tomás
passa os dias procurando um tom
quando o encontra fora de si
ele pode descansar.
É a brisa. Que nos contornos 

como quem pousa uma jarra chinesa em cima da lareira
desavisado
de que o pó, a rotação da terra, flores ornamentando,
ou o imprevisto de um cotovelo que a espatifasse no chão,
são mais que o movimento da jarra chinesa em cima da lareira.
São seu puro destino: acaso e esquecimento.

Essas eram as coisas que lhe importavam.
Além de um ramo de algodão
ainda meio vivo
que levava no bolso e às vezes
apertava entre o indicador e o polegar
sem ninguém ver, por dentro do jeans.

Não era o pensamento o único objeto mágico de Tomás.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

há uma espécie de consenso no ar, também de que eu migrei meu interesse do coração, para o coração que está em qualquer parte. o consenso que eu ia dizer não é este, é que eu ando tão repentina e violenta, numa velocidade tão pouco lenta, que qualquer coisa que acontece me atém dizer. o consenso que eu queria mostrar é de que as coisas entre as pessoas estão deterioradas e vigiantes, e eu que presto muita atenção nos ritmos e humores do mundo, um dois três estou esmagada sem nem querer, ou melhor, estou pontiaguda e desnecessária, pensando inconsequentemente em nada e me deixando ater e levar por tudo. estou angustiada por que não escrevia? ou não escrevia por que estou angustiada? mas estou mesmo angustiada? não será antes uma contracorrente da navegação do dia-a-dia? não será uma vontade de ficar parada? não será uma vontade de só me mover? não será uma fome explícita por nada? que dia a dia se traduz em temer a falta de dinheiro e o precisar de outros pra gerir tudo & tanto. minha vida não é nada precária, no entanto perco tanto tempo com nada, quando o que mais quero é o usufruto total desse gesto tão precioso e puro e fácil e vário que é respirar.
das coisas que mais acontecem por aqui
eu quero o contrário
pois não quero aumentar a preocupação de ninguém,
mas há quem diga que os mortos estão ganhando
ontem, e sempre.
eu pensava nisso justo hoje
pois parece que há uma regulagem
em que não se pode pensar que amanhã eles hão de vingar
ou que coisa feia essa gente viva cheia de órgãos pulsando
mais parece rosnando canivetes
o tempo do hoje é o do que vive
não temos transcendência, nem eternidade
e se cheiramos éter
ficamos com uma zueira
que há quem ache legal
eu prefiro as ervas
porque elas contam histórias
de folhagens e plumas que nelas pousam
e ficam dizendo que a sabedoria
única da regra geral
é fazer rir o morto,
todos os mortos do mundo
rindo de uma vez
não, meu amigo, não é morbidez
é justamente o contrário
por conta dessa leveza
que eles são incapazes 
os mortos não têm
ironia, capacete, avião
os mortos, veja bem
os mortos têm outras coisas 
estou triste pois faz muito tempo que não escuto um verso que me faça escrever um verso tão meu mas não estou confusa porque as visões que tenho tido são tão pouco minhas eu vejo
eu vejo a guerra, eu vejo a fome, eu li num autor búlgaro que era alemão e era suíço (como convém ao destino do nosso esburacamento) que falava de uma pintura da morte tentando (e vencendo) a vida
e perante essa necessidade dessa força que é pra muitos a única realidade que existe, eu estava pensando nisso e procurando
quando minha melhor amiga veio me contar que lhe disseram que até os mortos
até aos mortos é preciso fazer rir,
dito isso, deixo o escabroso de lado,
formas de morrer existem muitas
e li num velho livro de um búlgaro
que era suíço e também alemão
não constando outros acaso
enquanto minha morte não vem
eu vivo de brigar contra o rei
que línguas existem muitas
e labaredas muitas mais
formas de morrer existem
tantas quantas formas de matar
até mesmo a água que renasce
pendura como um favo
o morto em mim
justo hoje que ouvi dizer
até aos mortos é preciso fazer rir
esse peso sem ressonância
nem pluma que fizesse
numa palma de pele de pé
quem sobrevive quem sobrevive
as boas cócegas que me fazes
morte que não vem?
como compor um poema
nesta altura da viagem?
agora se voltei
terá a viagem acabado?
tão grande o peso dessas ancas
ou o vício sem porque nem lembrança
das unhas roídas
essa vontade de escrever
fica uma corrosão por dentro
a corrosão da falta de contato
o contato imediato entre mim e meu pensamento
é mais que um alongamento muscular
embora este também seja necessário
e isto aqui, veja, não é um poema
mais um hábito de quebrar versos
ou um enter é que é.
é uma necessidade
não a miragem
do que escuto quando ouço um verso
mas sei bem que uma tática que tenho
é gastar, gastar gastar o pensamento
até dele conseguir o, não sei se diria,
digamos o essencial,
hoje me disseram que até os mortos
é preciso fazer rir até os mortos

domingo, 2 de fevereiro de 2014

pequeno compêndio das coisas físicas

o alecrim tem a ver com a alegria e previne gases.
a lavanda purifica, abranda, acalma.
a canela materializa tanto quanto avisa que a imortalidade está presente.
o eucalipto espanta baratas e abre os pulmões. dá papel.
chá de alfazema faz dormir um boi, ou dormir um boi como fica dentro da jibóia.  
há uma canaleta da história que se abriu como o barro e fez os nossos ancestrais. os meus, digo. desconfio às vezes que alguns humanos não vieram do barro, mas dos insetos que, por sua vez, derivam da fibra das antenas da avenida. 
há muito perdi os logradouros. toda avenida é qualquer parte, e substitui uma cidade em que todos os pavimentos eram brancos pelo alcatrão que por aqui se chama asfalto. 
alguns homens teimam em ser lindos. 
mas todos eles nem todos juntos seriam tão bonitos como a minha vó. com seus olhos cinzentos e sua pele de quase índia. adocicando-se pelo tempo.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

das chegadas

muitas narrativas por fazer, em toda parte. qualquer lugar que eu chego é a mesma sensibilidade. já dizia o outro "o corpo é que paga", no entanto estamos ouvindo noel, já temos panelas, o lixo é novo e quebrou tão cedo. ele instalou novas luzes na cozinha, funcionam tão bem. melhor que eu mesma, que estou limpíssima, embora a tosse. purguei tanto pra chegar aos príncipes. não os gordos príncipes das peles de frango, os príncipes das cintilações, que sobem pelas ramas das unhas de gato e se prendem aos muros com tanta fibra e - por que não? - delicadeza.
é curioso que são paulo me pede outra ruptura, embora ela também estivesse presente nas coisas que eu sentia, escrevia ou queria em lisboa, a ruptura era mais mental por lá, quebrar com as mentalidades vigentes. aqui eu (ainda? nunca?) senti isso. aqui é quebrar a própria mentalidade. destroçar a mentalidade estiolando junto com os urubus que passeiam entre os girassóis. 
sem dúvida entro na cidade com outra mentalidade.
por um lado vim da europa trazendo notícias amazônicas. 
por outro lado tem mesmo o lance das calçadas, dos contentores, das coisas públicas. 
embora isso, estava cansada da decadência. isso aqui é um descontrole arrumadíssimo, 
a cada dia que entro no metrô amo mais aqueles que trabalham no metrô e fazem as engrenagens funcionar
(escrever isso num verso, escreverei isso num verso) 
perdi metade do meu ano passado numa bobagem do disco rígido 
e agora não tenho nem um word que pudesse editar uns poemas novos
que ainda não escrevi. 
sempre esse abismo, essa emancipação do gesto, como se fosse possível que o poema escapasse de mim. 
escrevi o "cantos de estima" neste apartamento.
os livros que chegaram vão ter de se adaptar. 
tudo que é, é o nosso. 
dá-me estrutura e flexibilidade, o resto é o que virá.
 

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