quarta-feira, 30 de julho de 2014

presença



o Flávio Rodrigo Penteado me entrevistou pra estréia da sua coluna Presença, na Revista Pessoa. as perguntas dele foram muito generosas e com isso pude pensar e uma série de coisas que me interessam: e dizer. entre outras coisas, falo deste blogue tão querido. é de se ler aqui.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

viva canetti

meu grande amigo daniel tinha me avisado que havia certo risco em terminar o mestrado; que era o problema de depois de ter tantos lidos atravessado não conseguir, não querer, não ter vontade de ler nenhum autor, passar léguas nadando no vazio do não-escrito. foi o que me aconteceu durante coisa de um ano e meio.

somado a isso, como estudei poetas e ensaios na minha dissertação, devia fazer uns anos que eu não lia assim (com a dedicação do pleno absoluto mais que inteiro e vigoroso amor) nenhum prosador, romancista, nenhum desses grandes álibis do gozo para o tempo que passa pensante.

então esse ano fui ler o elias canetti, já que tanto carolina como cícero haviam me falado dele.

acho que é no segundo volume da sua biografia que o canetti fala da importância dos autores que nos aparecem quando nós consideramos que tudo está esgotado, de como há regeneração em tudo que está ao nosso redor quando descobrimos que determinado escritor nos será pra sempre um determinante.

não preciso nem dizer que o meu fogo, o princípio retornante do meu caminho, e que fica, foi e é o elias canetti.

hoje ele faria 109 anos.
e vai continuar fazendo.
 
 

quarta-feira, 23 de julho de 2014


6

Juventude, como eras outrora diferente! Não haverá súplicas
Que te façam jamais voltar? Existirá algum caminho de regresso?
Acontecer-me-á o mesmo que aos descrentes que no passado
Mesmo assim se sentaram no banquete divino com brilho no olhar,
Mas, em breve saciados, esses convidados em delírio,
Emudeceram então e agora, sob o canto das brisas,
Adormeceram sob a terra em flor, até que alguma vez
O poder de um milagre, aos que pereceram, faça
Regressar e de novo mover-se sobre o solo verdejante.
Um sopro sagrado percorre divinamente a figura de luz,
Quando a festa se anima e se agitam vagas de amor,
E na embriaguez celeste a torrente viva rumoreja,
Quando soa no subsolo, e a noite oferece os seus tesouros,
E, subindo à tona de ribeiros, o ouro enterrado cintila.







- - -
Hölderlin
Pranto de Ménon por Diotima — Elegias
Tradução de Maria Teresa Dias Furtado

sábado, 19 de julho de 2014

e cantar, e cantar, e cantar

para Maria Archer

Nós somos o fogo
somos também o telhado
em tantos jaguares
aves, confins já fui
transformada. E tive rumo.
Hoje não estou transtornada.
Nem tenho que quebrar
linhas pois sou aquele
que não cessa: o selvagem.
Ó selvagem comedor de linhas!
Que a nossa canção se faça
suficiente: manta de lã luminosa
E sem porquê utilizada. Amada!
Amam-se as peças & os ancestrais
se gastam. E se gestam.
Onde deus fez a morada. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

desde que cheguei nesta ilha
aprendi muitas coisas práticas.
a descascar mandioca
a limpar peixe
a cozinhar quiabo
a mastigar só do lado direito
a nunca andar sem lanterna no mato.
mas ainda não entendi
a vida sem lógica sentimental dos peixes

uns dias atrás concluí

que as saudades que eu sinto de Lisboa às vezes são tão grandes que mofa nelas.

domingo, 13 de julho de 2014

the soil, the soul,

Tenho sido entregue
às mais escuras
das noites mudas.
Que posso eu?
No entre desses espinhos?
Ando tão baixo
quanto as formigas
mas se arbusto não sou
por que tenho vivido
eu coberta de espinhos?
Da queda fez-se um ninho
maceradas folhas de sombra
abrigam o meu corpo.
É o esquecimento da terra.
Mas por que, por que
vesti-me de espinhos?
Se soy el temblor, o lugar
onde o trovão diz
EU é o meu peito
alargado.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Gleice

quem vê assim uma imagem do Gleice terá a impressão de que ele é um gato qualquer, certamente portador da distinção audaz que só um felino é capaz, mas um comum. e, sim, terá razão, afinal o Gleice é só mais um vira-lata muito misturado de raízes peludas e famintas.

mas o Gleice é muito mais do que isto! embora eu não conheça muitas coisas, de gatos percebo imensas e juro que o Gleice é o gato mais legal que já conheci. é um gato completo, de desenho animado, digo que o contratem para ser quem ele é, que o sucesso será (pois já é) absoluto.

a saga que podemos contar do bichano começou com Gleice miando para a noite sem mãe da capital da Bahia, quando Wölf (um alemão aportado no Brasil pelo acaso de uma vela quebrada no veleiro em que ia desde Gibraltar para o Chile) ouviu o pequeno de poucas semanas ávido por comida, desesperado de órfão. Wölf, que nunca tinha tido nenhum animal na vida, e que não tinha muitos lugares além de estar naufrago e não tardar em ir de carona até a Bolívia, resolveu que salvaria o pequeno.

se escondem nos miúdos felinos mil mistérios e como nunca tinha tido um gato, o alemão achou que nosso príncipe era uma princesa, e assim o chamou de Grace Kelly. Wölf alimentou Grace em conta-gotas, e levou-a para todos os lugares pelos quais viajou. primeiro foi trabalhar em Arembepe, lá se apaixonou e lá salvou Grace de uma matilha de 16 cachorros. vieram os apaixonados com Grace para esta ilha, e foi assim que nós nos conhecemos.

em março comíamos um bolinho de aipim num bar na praia quando um gatinho filhote veio na nossa direção, subiu no meu colo, roubou a minha comida e brigou com a minha mão até o fim dos dias. era a Grace. logo o filhote voltou para o colo do seu dono, quer dizer, para o dentro da camiseta do Wölf, que era sua casinha de transporte já fazia dois meses. percebendo que nós tínhamos ficado amigos, a namorada de Wölf veio nos perguntar se sabíamos de algum bom lugar em que o gato pudesse ficar, pois cada um seguiria o seu rumo e aqui nesta ilha não entram carros, o que eles consideraram como um bom lugar para um gato. acho que não notaram de imediato que a maior parte dos animais aqui passa fome, mas isso é outra novela.

no fim do dia Grace já tinha esta casa como sua, e também o meu veredicto de que os alemães estavam, nesse caso, enganados, e que a pequena era, na verdade, um pequeno. Grace em Gleice, assim é transformista. no dia-a-dia Gleice tem ganhado outros apelidos, sendo o meu preferido Glaisson Carlos, ou Gleice Jr.

o medo que todos tiveram era da convivência do filhote com os cachorros grandes, que aqui são muitos. mas hoje, passados alguns meses, o que acontece? Gleice atravessa colado no Fumaça e no Veneno, cães grandes, e dá patadas no focinho deles, como quem diz "se enxerga, seu canino". depois Gleice come da comida e da água deles, se lambe com sua superioridade.

raramente se vê em apuros, mas quando tem de correr pra cima de uma árvore, passando lá um tempão, miando, pedindo ajuda, com os dois agigantados rosnando embaixo. então Gleice tem de correr mais rápido que um disparo de pistola, e corre. às vezes cai num resto de água, e todo achincalhado continua se considerando o maior o melhor o mais feliz, e dá-lhe patadas no focinho dos cães.

com os cachorros, os filhotes, Gleice brinca como se fosse um deles, e não entende suas estratégias de mordidas, salta por cima em inesperados, e depois vai embora roubar comida dos hóspedes. sobe em cima de qualquer mesa pra comer qualquer coisa, de mamão à lagosta, dando a certeza de que sua fome é hereditária.

mata toda espécie de animal que se mexa, grilos, gafanhotos, lagartixas, ratos, besouros, desde que não sejam maiores do que ele. atualmente anda assassinando uma média de três ratos por semana. dia desses matou um ratinho muito filhote, e andava com ele ainda vivo na boca, o ratinho apitando a cada passo que Gleice dava, parecia uma piada, não fosse Gleice nesses momentos o mais sério dos felinos, já que com uma presa entre os dentes, Gleice rosna como um leão.

e grita! Gleice é desses gatos conversadores, que você fala com ele & ele responde. o mais engraçado é quando a gente vai na praia e ele, que foi nômade com o alemão, não está acostumado em não poder seguir onde quer que seja alguém, e fica furioso quando levamos um cachorro, e não ele, pra passear. grita, grita, grita, anda alguns metros e reclama. ataca siris, e mais ainda, ataca as ondas do mar quando elas lhe molham os pés. dá patadas no mar como se fossem um focinho de cão.

juro, juramos que duas vezes já o vimos entrando no mar pra acompanhar os nossos banhos. é certo que ele não entende direito o que é o acontecimento do mergulho, e que graça é que pode ter?, e meio enojadinho, com aquele comum enjôo dos gatos, agita a patinha num frisson-me-solta. mas, como a vontade de estar perto de Gleice é maior do que qualquer outra coisa, ele prefere ficar encharcado do que não se aproximar de nós.

que se diga isso quando ele está no nosso colo ou deitado na mesma cama. basta ter um tecido grosso, tipo uma manta ou uma rede, pra que Gleice mame como um bebê, fazendo de qualquer calor a mãe que ele perdeu e que encontra em toda parte. afinal, o que não falta pra esse gato é a mãe da Terra, a alegria, não tem tempo ruim, tudo é mesmo interessante,

as onças pensam só "bom-bom-bonito-bonito" já dizia João Guimarães Rosa, e Gleice estende tal certeza a todos os felinos.

sendo dos mais brincalhões, adora espertar a gente em sustos, se você estiver andando no meio da noite, no entre das pequenas trilhas e, de repente, um animal saltar em cima das suas canelas, pode ter certeza, é Gleice fazendo de ti aquilo que ele mais sabe: um inimigo-amigo, um feroz como ele, um vivíssimo.
 
 

sexta-feira, 4 de julho de 2014


 

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