sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Assim como em dia santo...

Assim como em dia santo, para ver as terras,
O lavrador sai, pela manhã, quando
Da noite quente caíram relâmpagos refrescantes
Todo esse tempo e o trovão ruge ainda ao longe,
O rio regressa de novo ao seu leito,
E fresco o solo verdeja,
E a chuva alegre do céu
Goteja a videira, e resplendentes
Ao sol tranquilo se erguem as árvores do bosque:

Assim se erguem eles em tempo propício,
Aqueles, a quem nenhum mestre só, a quem maravilhosa
E omnipresente forma e cria em leve enlace
A potente, a divinamente bela Natureza.
Por isso, quando ela parece dormir em certas estações do ano
No céu ou entre as plantas ou nos povos,
Se enche de luto também a face dos poetas,
Parecem estar sozinhos, mas eles pressentem sempre.
Pois, pressentindo, ela própria repousa também.

Agora, porém, rompe o dia! Eu esperava e via-o vir,
E o que eu vi, o Sagrado, seja o meu Verbo.
Pois ela, ela mesma, que é mais velha que os tempos
E está acima dos deuses do Oeste e do Oriente,
A Natureza, acordou agora com ruído de armas,
E o alto do Éter até ao fundo abismo
Segundo lei fixa, como outrora, saído do caos sagrado,
Sente-se de novo o entusiasmo
Que tudo cria.

E como no olhar do homem brilha um fogo
Quando concebeu altas coisas, assim
Se incendeia de novo c‘os sinais, c‘os feitos do mundo agora,
Um fogo na alma dos poetas.
E o que outrora aconteceu, mas mal se sentiu,
Eis que só agora se revela
E as que a sorrir nos lavram a terra
Em figura de escravos, são-te agora conhecidas,
As sempre vivas, as forças dos deuses.

Queres interrogá-los?: na canção sopra o seu espírito,
Quando do sol do dia e da terra quente
Ela surge, ou das trovoadas do ar, e de outras
Que, mais preparadas nas funduras do tempo
E mais ricas de sentido e a nós mais distintas,
Vagueiam entre céu e terra e entre os povos.
São pensamentos do espírito comum
Que acabam calmos na alma do poeta,

Tais que ela, ferida de repente, há muito já
Patente ao Infinito, treme de recordação,
E, inflamada do raio sagrado, lhe é dado
O fruto nascido em amor, obra de deuses e homens,
O canto, que a ambos dê testemunho.
Assim caiu, como os poetas cantam, por ela desejar
Ver com os olhos o deus, o seu raio sobre a casa de Sémele,
E ela, ferida do deus, pariu,
Fruto da trovoada, o Baco sagrado.

E por isso bebem fogo celeste agora
Os filhos da terra sem perigo.
Mas a nós cabe, sob as trovoadas do deus,
Ó poetas! permanecer de cabeça descoberta,
E com a própria mão agarrar o raio do Pai,
O próprio raio, e, oculta na canção,
Oferecer ao povo a dádiva celeste.
Pois se formos puros de coração
Como crianças, e as nossas mãos sem culpa,

O raio do Pai, puro, não o queimará,
E, fundamente abalado, sofrendo do mais forte
As dores, nas tempestades do Deus que do alto
Caem, quando Ele se aproxima, o coração fica firme.
Mas, ai de mim! quando de...
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Ai de mim!

E se eu disser,
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Que me aproximei pra contemplar os Celestiais,
Eles mesmos me precipitaram fundo pra entre os vivos,
A mim falso sacerdote, para as trevas, para que eu
Cante aos que queiram aprender a canção de aviso
Ali…


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Hölderlin, em tradução de Paulo Quintela, 
-->Obras Completas II (Traduções I), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997 / 1.ª edição: Poemas, Lisboa: Instituto de Cultura Alemã, 1945 / 2.ª edição: Lisboa: Relógio d’Água, 1991

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