segunda-feira, 22 de junho de 2015

as línguas bárbaras

em sonho eu caminhava por entre duas camadas de terra, escrevendo essa frase agora me lembrei que eu escrevi um livro que fala da escavação de um túnel, as coisas que podemos nos esquecer. e que lembramos de nos lembrar. amassei uns ramos de planta no profundo de uma tigela, para um preparado verde, que mais tarde vou tomar: ela ajuda na absorção de outra plantas: planta: aquilo em que não me vou tornar, embora seja a única coisa que me interessa fazer nesta vida: que elas me ensinassem a viver harmoniosamente entre luz & sombra: vento vibrando. vulnerável eu sou, três vezes minha garganta inflamou, é como se eu estivesse a dizer o tempo todo: falo, depois penso: a velocidade do esquecimento. neste momento me coça a base do pescoço: é porque estou efetivando o meu desejo: escrever. hoje, que era meu primeiro dia de descanso, corri o dia inteiro, até o banco eu fui: pagar o que estava em atraso. mas hoje não quero falar de dinheiro. 

é como se um besouro estivesse se deslocando na minha faringe: eu sei, quando um poeta ganha uma nova personalidade ele, ela, no caso, eu não ganho só uma nova pessoa em mim, mais disruptiva talvez pela via da sinceridade, recebo é uma nova forma de dizer: eu. todas as formas de dizer eu me interessam, é por isso que, via de regra, respeito a paixão de qualquer um que vive e tinha paixão? sim. sou dessa turma. não estou ausente, não, estou só um tanto quanto agitada. queria exclusivamente me sentar nas minhas próprias coxas e ler, ou escrever, mas as próprias coxas saíram antes, foram não sei para onde, isto que tenho aqui não são próteses, são as minhas coxas, mas ainda não são as minhas. embora sejam. 

acho que estou escrevendo excessivamente "embora". minha eterna vontade de fugir tem diminuído com o passar dos anos. talvez, como as maiorias, eu esteja me tornando um capitalista, embora nenhum sofá, atualmente, consiga me prender por muito tempo, quase sempre porque estou resolvendo algo de muito fundamental & ao mesmo tempo prosaico. tão prosaico quanto sobreviver. queria ter raízes e ler a Odisséia, alguma coisa que me trouxesse de volta a mim mesma, mas isso é tão só uma movimentação do desejo como qualquer outra ausência. três páginas de prosa me entendiam, doze me fazem querer mudar de país, cento e cinco acho que morri!... e a poesia? leio pouco meus contemporâneos, afinal já respiramos o mesmo ar, deve ser suficiente. 



embora os emboras ando escavando quer dizer repentinamente ouço num buraco da minha memória alguém me estendendo a mão: sou sempre eu mesma: que tornei a voltar e a voltar e a voltar: enquanto amassava os galhos da planta que sou e portanto me protege (tudo que sou é meu amuleto): lembrei das plantas que eu amassava quando criança, num pote com água, muitas marias-sem-vergonha (ou qualquer outra coisa que eu não saberia ainda, se iria ou não, me tornar), trevos de 3 folhas (a sorte que me sobra me faltou para ver de 4) e depois, um tanto quanto frustrada porque ninguém via aquela magia e nem eu mesma era capaz de perceber o perfume, tudo ficava na intenção. com o tempo vamos aprendendo certas técnicas, por exemplo a de que a frustração não leva a nada que não seja radicalmente transformador e a transformação é, em si, uma raridade. embora não exista nada de mais interessante do que ela. nem o meu atribulado imaginário povoado por séries do netflix saberia perceber algo tão rumoroso, verdejante do que aquilo que estala.

no jantar também, peguei a coxa de frango com as mãos e com os dentes parti os pedaços de carne que eu desejava para dentro de mim, o óleo que vem parar nas mãos é só uma opção de que os talheres são um privilégio desta era, mas que poucas coisas sabem tão bem do que meter a mão num pedaço de bolo, ter na ponta dos dedos um chocolate meio derretido, o eterno prazer da alimentação, minha preferência pelas coxas acima de qualquer outro pedaço e, subitamente, transportada fui para a sala da casa em que cresci. foi a segunda vez no dia de hoje. não é todo dia que temos no máximo 8 anos, mais uma vez. o medo de dormir passou. o coração continua.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter