segunda-feira, 31 de agosto de 2015

dois dias atrás eu tive um sonho que não tinha começo meio e fim, era um sonho cíclico e sempre se repetindo e ao mesmo tempo eram só episódios que não tinham consecutividade, mas aconteciam em paralelo, eu saltava de um cenário e acontecimento para o outro, ou talvez eu estivesse neles ao mesmo tempo.

eu estava, ao mesmo tempo, numa cerimônia que acontecia no porão de um navio descendo o amazonas; assistindo um documentário dos anos 80 sobre as fábricas de armamento nazista num cinema de poltronas cor-de-rosa; numa reunião da ONU em que duas pessoas faziam sexo na porta da sala de reunião.

sim, isto é a minha vida.
 
isto significa que não escrevi uma dissertação em vão, e também que tudo que ando lendo sobre mitos há uns anos tem realmente atiçado minha forma de pensar e isto já chegou ao subterrâneo das coisas.

e isto também quer dizer que tenho acordado todos os dias com cada parte de mim num lugar diferente & e para isto, meus amigos, hoje achei uma nova simbolização

a cada coisa que reclamava para a médica chinesa ela me respondia "é fogo. fogo alto". o fogo está alto, as partes se atiçam e agitadas que ficam em compor uma nova pessoa entram em atrito e causam inflamações, pavios curtos, euforias, agitações. todos nomes clínicos pra algo muito mais interessante do que isso.

*

a saída da linearidade, aos saltos.
o luto tem me ensinado que realmente não existe "superação"
existe é crescer como uma árvore que primeiro se enraíza, para depois subir.

*

darei frutos, sim os darei
hoje estava empacotando umas coisas pro correio e percebi que o universo de coisas materiais que já fiz no planeta (para além de comida) já preenche alguns centímetros cúbicos. fiquei capricornianamente feliz. 

*

ia dizer mais coisas, mas basta dizer que sinto que encontrei a prática que eu tanto desejei: tai chi chuan. anoto aqui pra quando no futuro eu ler eu me lembrar de quem sou agora.

mosaico

tenho perdido os conectivos
eu sou a dona do exagero
ele vive sem coleira
eu não, tenho mandíbula
ouvidos e repelentes

anda difícil lembrar as vezes o que veio antes o que veio depois
clarão foi tanto
estou lembrando das coisas em episódios
talvez um dia eu desfaça a linearidade
de vez

ou só estou amalgamando outra
sendo decorrente
o sono agitado
por muitos sonhos de quem não sonha
comigo mesma
ou a metamorfose

estou. estou. estou.

sólido é o vento que leva as coisas embora
que traz as coisas embora

profundamente.

entre hoje e terça serei cinqüenta mil e todas elas estão a fim de viver & de viver mais & de viver melhor 

saúde!

quinta-feira, 27 de agosto de 2015




hoje de manhã peguei um ônibus pra ir até o metrô que eu acordei cansada, tenho acordado cansada depois de um dia tão bom de afazeres como foi ontem e o ônibus era um ônibus do século XIX e eu não usarei nunca mais o facebook pelo celular e me lembrei que depois eu gostaria de dizer isso por aqui: que eu hoje estive num ônibus do século XIX e isso sequer existiu em SP. 

ou uns dias atrás 1 português me disse que SP não é uma cidade, é uma ocupação provisória de um parque de campismo & então eu estava pensando nessas coisas e tentando, de algum modo, me sentir de férias no meio de tempos que em nada se parecem férias quando uma menina falou pra outra, já dentro do vagão do metrô "é sério, eu sinto tesão em quem ouve beethoven" e eu pensei "meu deus, estou ouvindo coisas, vou ficar mais perto para ver se é isso mesmo que ela disse".

e era, senhoras e senhores, a menina de uns 20 e poucos anos (faixa etária que se tornou "os jovens" para mim faz bem pouco tempo, o que ainda me é completamente aterrador) dizia pra amiga que sente tesão em quem ouve beethoven. eu tive certeza nesse momento que eu estava no século certo e percebi que tinha saído de casa sem sutiã sem perceber e pensei que maravilha "não estou só ficando velha, estou ficando livre" duas coisas que, muitas vezes, se combinam naqueles que eu admiro.

aliás, dia desses meu pai não cumprimentou uma pessoa que eu me senti na obrigação de cumprimentar, eu não sabia muito bem o que dizer pra ele, que rapidamente me olhou e disse "estou velho, isto tem que servir para não cumprimentar pessoas arrogantes". meu pai também vive citando uma máxima de goethe que diz que os modestos são velhacos, mas ele só diz isso quando alguém não aceita repetir o prato de comida e, sobretudo, se alguém não quer comer a sobremesa.

é como as crianças acreditam: o melhor está no açúcar, mas tem gente que faz disso achar que a vida é cor de rosa. gente, acorda, a vida não é cor de rosa. mas quando dou chocolate pros meus sobrinhos comerem eu entendo porque no supermercado aqui em frente os chocolates ficam trancados num armário junto com as giletes e as garrafas de álcool caras, mas eu nunca entendo porque os desodorantes estão lá também. será que cheirar desodorante dá barato? as pessoas pensam em cada coisa.

o século XIX não acabou, agosto ainda é o mês de omulu e recomendo a todos que comam pipoca com os mais velhos & mais novos, que a carne desse planeta somos nós, vamos tentar não ser a praga, ok? e a última coisa que eu vou dizer nos próximos dias é que o maleável é o bagulho & como setembro vai inaugurar uma época em que o mutável será o ponto de questionamento & pelos vistos a palavra "crise" substitui a "recessão" dos anos 80 nas notícias televisivas da minha infância acabou que chegou o momento do Brasil investir na produção de chá de lúcia-lima. serião, faz a maior falta no coração dos nossos ânimos.

sábado, 22 de agosto de 2015

Os antepassados não nos imaginaram aqui
e embora nos esqueçamos deles com certa frequência
podemos visitar os seus túmulos.
Ou, no mínimo, podemos lembrá-los
saber que não estaríamos aqui sem eles
já o contrário não parece ser acessado.
O passado é menos incerto do que o que virá.
Quem poderia alterar o acontecido?
Haveria um deus capaz de apertar o auto-reverse?


*

Como epicentro o mundo
e as réplicas: nossos corpos
pela terra tragados em vagas.

*

nada se supera, tudo se transtorna.
ou o luto é um estado uma ilha crescendo à deriva e chegando ao continente
formando uma nuvem no alto das palmeiras das minhas omoplatas
as cadeiras foram feitas pra que eu me sente
as camas foram feitas pra que eu me deite
o amor pra que eu sinta falta
e tal sentir pra que eu me acostume.

os gatos parecem acreditar em outras coisas,
embora eles também tenham amigos imaginários
e saibam que não podem contar com botes infláveis.

*

houve um tempo que ao voltar pra casa eu pensava que ela teria se incendiado.
hoje estou mais de acordo com o que penso
compro montes de isqueiros por vez
e o fogo o interior sou eu ardendo.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015


entre os rituais do luto vive o cinema
— e no cinema vive woody allen:
tenho assistido muitos filmes dele —
nesses dias da senhora das nuvens de chumbo
quando muitos dias bate sol
eu sonho com uma nova casa
em que o quarto principal tem vistas para um deserto
e o deserto vive num cubo
& quando vier a chuva também nosso amigo
woody se perguntará
como sempre:
se há algum sentido em viver
além de um correr indistinto em direção
à indesejada das gentes?
& se a iniludível nunca tem ouvidos pra ninguém
de que adianta se perguntar em voz amiudada ou maior,
perguntar em voz alta
como acontece em todos os filmes do woody?
que em algum momento alguém se pergunta
muitas vezes diretamente para a câmera:
qual o sentido da vida?
por que a vida tem que acabar?
se vai acabar por que é que a gente tem que viver?
como viver vivendo o tempo todo esquecendo e lembrando disso?
e a gente ri que em alguém essa questão possa eclodir o tempo todo
virando cinema.
e então a repetição dessa angústia é engraçadíssima.
que dom! transformar a angústia em graça.
só a cura e a arte são capazes disso
e o menino que foi woody crescendo
numa casa embaixo de uma montanha-russa
nervoso & atento a tudo que fosse pensável
descobre que o universo está se expandindo
e no meio do brooklyn o menino não consegue fazer mais nada.
não quer ir à escola não quer fazer a lição de casa nem comer
porque o universo está se expandindo
qual o sentido de tudo?
se o universo está se expandindo.
meses atrás eu soube que hoje se sabe que o universo é finito.
e eu fiquei bem confusa com essa possibilidade de ali na frente acabar
embora seja impossível chegar até lá pra ver.
e tento passar agora os dias rindo com uns filmes do woody allen.
porque não quero ser o menino que cresceu embaixo da montanha russa.
também nunca quis ser menino embora eu queira ter graça.
quero ser é a montanha russa expandindo no universo finito.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

os últimos dias de Saturno em escorpião

angustiada com a escassez monetária ou a incapacidade de tornar o prático a ordem do dia a dia ou a busca da satisfação contra a melancolia em espiral já estava quando abri a janela pra ver com estes olhos o céu azul pardo desta cidade fuligem e pó e as estrelas pouquinhas mas suficientes e uma brisa sutil mostrou-se vital ao alívio --- e os gatos vieram me acompanhar no ver da noite tantas vezes senti frio ou quis o prático momento de pelo hábito enrijecer esquecer do fluido levar-se por ver a noite e os gatos cheiravam a noite como eu alguém gritou na rua longe um palavrão qualquer e que importava nada além de ser mais uma madrugada de domingo pra segunda quando no mundo todo é domingo e no domingo o mundo todo despenca. já eu, não, pois vi a noite. e a noite era viva e eu também. pelas estrelas enviei mensagens aos mortos que me amaram e quis abraçá-los pela ternura que me faltam. assim como das estrelas aceito a distância. que mais? não cai a lágrima cristaliza na retina. tenho saudades.

domingo, 16 de agosto de 2015

postagem

Conta-se que Jung e Freud ainda amigos, chegando na América viram do navio os que avidamente saudavam no porto as suas chegadas. Um olhou pro outro e disse: "mal sabem eles que nós trazemos o mal". Muitas vezes quando vejo algum oba-oba em torno de algum poeta lembro dessa cena primitiva da intimidade psicanalítica. Daí observo os escritos em questão & se os escritos da pessoa em questão não sabem morder o mal entre os dentes, seja como flor ou pavio, lareira ou túmulo, tal "poeta" não recebe esse nome, não é um poeta. É alguém que escreve. E tantos fomos alfabetizados! Mas se ficar só chafurdando nessas profundidades do terrível também não é nada mais do que uma mosca do lixo zunindo na podridão. Embora tenha um momento em que cada um percebe que é tão só uma mosca no lixo. Um momento, um agora. E nunca se está livre de, talvez, de repente ter que voltar a ser mosca. E há água limpa para jogar por cima do corpo e beber para dentro das vísceras e há luz para as plantas crescerem, a luz que aquece o planeta. Estar em toda permeabilidade, ser do raro, do vigor sensível entre o critério & a liberdade: ser poeta é ter a respiração mútua entre o momento e sua deriva oscilante, respirar entre o dia e a noite. Às vezes confundir-se com qual é qual e enovelar-se nas sombras queimar asas no sol e ao lembrar respirar fundo de certeza e se enganar numa percepção de que nunca mais vai esquecer de que o dia e a noite a terra e o mar o fogo e a água o bem e o mal a vida e a morte não são excludentes, embora sejam muito diferentes.

*

Alguém muito interessante poderia perguntar: mas o que é o mal? e talvez eu respondesse que é como o tempo na definição de santo Agostinho: se não me perguntam eu sei, mas se perguntam não sei. 


*

O poeta é um agenciador
agencia tão completamente 
que chega a agenciar a dor
a dor que deveras sente.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

P O E M A

Quando tiver forças voltarei
a escrever à máquina
para contar desses pés que vejo crescendo
à sombra de algo maior.
Alguém diria que são mudas frágeis
e embora este alguém esteja aqui dentro
eu diria que não são não
mas também não me mando calar a boca.
Serão o conhecer de uma nova estação
onde o coração ainda é o que importa
e tudo o que é vivo pulsa
na minha mão que o libertou pela janela
pulsa o beija-flor que prendi em concha
e que antes me olhou com minúsculos
dois olhinhos de ternura do ateu.
Ai da desavisada que puxando os brotos
para ver se as raízes já se fixaram à terra
interrompendo o ascender da seiva
verá a nuvem se esvoaçar em névoa
fazendo o ninho no rolar da fúria
e embora eu não tenha a sabedoria
sei que ainda falta muito
para que ela me visite.
Quando for a minha vez
talvez eu sinta medo
talvez eu vire assombração
mas talvez, não, eu
seja o clarão que vi.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

domingo, 9 de agosto de 2015

* "não há nada que seja previsto que ainda não tenha sido visto"
* "porque a gente sabia que só os absurdos
enriquecem a poesia"
* "ela faz o ninho do rolar da fúria (...) para quem vive e canta no mau tempo"

sábado, 8 de agosto de 2015

uns anos atrás quando a coisa apertava pro meu lado eu sempre ia ler beckett, achava (e ainda acho) que ali existe tudo que realmente existe. mas poucas coisas mudaram tanto na minha vida nos últimos tempos como a palavra "realmente" e, realmente, de uns tempos pra cá, quando a coisa aperta eu vou ler a "odisséia".

é claro que uma concepção de mundo é atravessada por outra quando uma mudança assim acontece. o novo mundo engloba, come e lança regurgitado de deuses e vitalidades & diversas o antes o durante o porvir. 

dia desses vou entrar aqui e escrever sobre o destino de ulisses ser um, mas estar traçado por disputas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

quinta-feira, 6 de agosto de 2015


eu tinha acabado de sair de um prédio e subia a rua vivendo uma série de revelações espirituais & oraculares enquanto o panelaço atravessava pelas janelas e sacadas, algumas até piscavam! estavam no ritmo veloz & cadenciado das coisas que eu estava entendendo, e as sacações pareciam palmas naqueles bateres de tampas, tanto que eu por um ou dois minutos me senti subindo o meu destino como quem atravessa o ritmo, ai pisando os passos: um caminho, o meu caminho nessa frente indo adiante, e um rapaz passou dizendo AI AI AI tsc tsc tsc pros habitantes de potentes caçarolas e e eu ri e eu ri e então eu senti aquelas panelas como telhas de cascos batendo subindo o asfalto desses tempos, e fiquei tão esmagada entre o meu caminho e as manadas desembestadas da história. nesse dia que, sem mais nem menos, a bomba atômica fez 70 anos de atirada.

a montada, o veículo, a nave

A noite leva ao dia
abandona suas origens
para se elevar aos céus.

Impetuoso é o desejo dos grandes relógios naturais.

Em pleno meio dia levado
pelo vigor da sua corrida
galopa às cegas
de olhos muito abertos
procura evitar os pânicos.

Mas à noite quando
por sua vez
se torna cego
pode então ser
visionário e guia.

passo a passo

não reconheço entre os meus mais que uma centena e me sento com a sentinela acesa, queimando rodopio, mas não sei quais insetos espanto e quais agrego: no sangue chupado, nesta necessidade de dizer "eu" e uma situação constante de subir para cair / de cair para subir. já faz tempo que aprendi a escrever por aqui sem pensar em muita coisa, sem me profissionalizar em nada, porque é isso, é isso, é uma liberdade não ser eficiente o tempo todo. o que é quase impossível. porque parar sem ter o que fazer é uma irrealidade, e ontem mergulhei no mar o único possível o real. o sentido da palavra realmente mudou tanto para mim em menos de um mês. acho que já disse isso por aqui. estou tecendo uma a uma em cordões e entradas as palavras feito grutas escavadas. desmonto quinze dias de tristeza numa só palavra que se diz: sim. não posso agora com muito. nem com muita alegria. ontem eu estive, antes de ontem também, estive visitada pela alegria e que força que beleza e que ressaca esse dia seguinte. não almejo a constância e nunca penso em termos de salvação, mas pé quente, cabeça fria, boas horas de sono, uma cidade menos poluída. almejo um dia entender o ar porque o ar tantas vezes por minuto é um dos sinais vitais.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

a memória é uma casa que se visita pra trocar as chaves. é uma noite de lua cheia que te leva para um lugar sem nome. um estado, uma viagem, um-todo-lugar, um desvio, um abismo, lareira e percurso.

meu mergulho.

ao entrar no mar me lembrei de um outro julho quando, era de noite, e minha Vó me deu uma prancha de surf vermelha. no dia seguinte ainda era inverno, estava frio, e era preciso estrear a prancha, mas o dia garoava solenemente. vovó não se deu por desperdiçada: embaixo de um guarda-sol, com uma capa de chuva e um guarda-chuva voltado contra o vento ficou lá da praia, me olhando, os minutos que eu no mar cinzento ignorava o frio e "surfava" nesse mesmo outro mar onde hoje mergulhei e mergulhei com gesto de homenagem ao que se vive e perdura em nós. pela memória sempre limpa, mergulhar. no sal. na cor. na dor. e no amor.


a memória é o mar - e vice-versa.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

neste ano que estão a me quebrar o sol ganhei um novo sol.
amanhã vou ver o mar
e é o mar da minha infância.

domingo, 2 de agosto de 2015

atenção para o refrão

Senhora soberana da escarpa rochosa em declive
em outros tempos diríamos: os deuses estão furiosos
hoje não sei o que dizemos.
Espatifamos as xícaras no chão
elegantemente não
esquecemos das mudanças de estação

Como epicentro o mundo
e as réplicas: nossos corpos
pela terra tragados em vagas.
 

Free Blog Counter