sábado, 31 de outubro de 2015

era mais fácil escrever
minha vida em 3.000 caracteres
quero dizer
a vida cabe num verso só
e depois descabe
e depois volta a caber
de tanto descabido.
quando tenho limite de caracteres para escrever
me sinto como a criança que montava lego
e nunca conseguia sair
de uma forma básica
que não encaixava na outra
porque o lego nasceu
pra boiar na banheira
ser comida de monstros
sei lá
meus edifícios sempre caem
não nasci pra levantar
desconfio
que mergulho pra voar

sábado, 24 de outubro de 2015

entrei aqui com a sensação de que não escrevia por aqui desde o século XIX, mas acho que ele ainda não acabou. acabou foi meu rio, que secou. é uma pedra na mão de alguém, uma pedra de luz descendo pela garganta & engolindo existe mundo inteiro.

se eu soubesse fazer a apreciação do que não existe
gastaria à toa a força da minha saliva 

esta semana foi curiosa a minha voz baixou
meu escorpião encalacrou
e hoje me vi quase rouca
o tempo se dizendo por si mesma

o treino, o treino
o treino, o treino

é curioso que antes de começar a treinar eu já sabia que não tenho disciplina, é essa a verdade nos olhos do mestre. eu, que nunca tive um mestre, eu treino. mas dessa forma irregular, mais fonética do que disposta ao prévio, dando saltos de entendimento porque a poesia...

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

hoje eu estava voltando de um dos mais inglórios acontecimentos da minha vida de poucas aventuras, quero dizer, eu voltava a pé do dentista, com a boca anestesiada, quando duas mulheres saindo de um restaurante e, certamente no horário do almoço, passaram na minha frente.

andavam lentamente e nem notavam que eu queria passar, com aquela lerdeza de quem já almoçou e eu me adaptei pelo cansaço e fui atrás, afinal não poderia mesmo, tão cedo, comer nada. diminuí o volume dos fones pois percebi que uma parecia estar apaixonada e contava para a outra como isso era sensacional. mesmo anestesiada, achava que era sempre bom ouvir por alguns segundos alguém falando de amor. até que a menina que estava apaixonada disse:

— ele é maravilhoso... não sei nem explicar... ele é normal! sabe?

pensei ter ouvido errado... mas ela disse mais uma vez:

— normal!

eu achava que só o excepcional era motivo de ternura. os poetas que li estão todos errados. me cocei de vontade de cutucá-la e dizer: "te cuida, minha filha, ele é um serial killer". até pensei que isso seria um péssimo sintoma social. mas pior mesmo foi passar as horas seguintes pensando quem é que eu conheço que poderia ser tão tedioso a ponto de, facilmente, ser chamado por outro alguém de "normal".
demoraram alguns anos e muitas viagens mas três traços que a universidade imprimiu no meu pensamento já se apagaram quase que completamente, feito xerox velho: o hábito de ser tão analítica até descascar tudo até o grau zero do sentido e ficar lá perdidaça //// um sistêmico posicionamento da linguagem como a clave da partitura da experiência humana toda & o o old and old and old cartesianismo espiritual, digamos

domingo, 4 de outubro de 2015

hoje até para o deus da coca-cola eu apelei & os carregamentos de esmeraldas não param de chegar & cheguei no final da linha de tanta mandioca frita e assim terminei meu novo livro.

já tinha algumas vezes achado que o livro tinha acabado, mas eu estava sempre enganada porque era eu que estava tentando acabar com ele. é um livro que foi todo escrito em alguma espécie de transe, seja através de plantas, seja através da música, ou simplesmente da audição das esferas. foi sempre um livro luminoso/severo e exigente/purificador de se escrever.

eu quis dá-lo como pronto, porque eu queria fazer outra coisa, mas não era bem eu que decidiria: hoje foi ele que acabou comigo, como se dissesse: você já não tem nada pra me dar. sinto-me esgotada. mas é bom, porque eu preciso mesmo de espaço pra me tornar outra.

bem me lembrou o meu professor do animal que um poema é e o livro se foi como um animal alimentado o suficiente pra, entre trôpego & temerário, sair do cativeiro e voar pro seu céu e cair em seus buracos. seres vivos, mais do que livros eles são livres.

tem muita gente que comemora isso como êxito, talvez, mas essa liberdade me deixou sem nada, às vezes acho que a assinatura que vai na capa de um livro é uma espécie de compensação material pra ausência de nome que terminar um livro me causa. romper com um livro tem me significado largos períodos de silêncio. acabar o livro é um alívio que entra numa nuvem de achar que nunca mais vou conseguir escrever algo que eu goste por não sei quanto tempo. até o animal, o besouro, o cavalo se aproximarem de mim novamente; ou talvez seja mais uma samambaia que algum outro esqueceu num canto como se nada fosse e que cabe a mim regar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

esta noite sonhei que eu e minha amiga estávamos num saloon no velho oeste e tínhamos que aparentar que éramos muito perigosas, já que os homens ao redor realmente eram. então minha amiga foi até o balcão e pediu uma bebida poderosa, era um refresco que entre 10 ingredientes misturava água das pedras, canela, hortelã e areia, e vinha com um canudinho borrifador de spray na ponta de um tubo de dois litros do refresco.

ela tentava beber rapidamente, afinal iríamos atravessar o deserto numa moto. e perguntou "quer provar?", eu abri a boca e ela então borrifou os dois litros dentro da minha garganta. engasguei e rindo, perguntei "por que você fez isso?" e ela, bem prática, respondeu "porque tinha que acabar, uai".


saímos do saloon e encontramos a nossa moto, que nos levaria adiante pelo deserto. a moto tinha uma placa de identificação meio bamba, mas ainda pregada nela e na qual se lia: ANSIEDADE ABANDONADA. acordei com o despertador tocando fazia já uns minutos.
 

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