domingo, 15 de novembro de 2015

como se escreve amor, como se escreve rigor? alguém sussurrava enquanto eu tentava entender o modo como a alga dentro do aquário gigante tinha sido plantada? era do mesmo modo, seria assim pelo gesto tão arbitrário quanto incisivo: eu voltaria: a escrever. toda superfície será colonizada pela respiração da minha pele, eu incendiarei os calendários pois não deverei nada ao esquecimento,

quando não souber mais o que perguntar dobrarei duas vezes uma mesma esquina, subirei os montes dos montes pelos montes e através dos montes com você do meu lado, me mostrando como se escreve a mesma palavra que me perguntaram os ouvidos sensíveis: como se escreve amor?

— sentindo, eu respondi.

porém alguém em mim entendeu: "sentido" e se sentou na necessidade de ter razão. sentia-me puro fragmento, mas não estava perdida, estava em frangalhos com os pés longe do chão, com os pés muito fora do suficiente. como se fugisse. e nesse fugir, se desgastasse.

pois havia uma órbita, havia um eixo: tantas vezes o mostrava com as palavras que havia voltado atrás pra ver o outro lado, atravessei a fronteira pra ver se de fora do eixo as coisas continuavam confusas. e continuavam! mas como era necessário agraciar o caos, nem que fosse para, depois, recuá-lo — sem nunca o recusar.

de tão aceso o turbilhão se desmontou e fez rigor.
foi assim que nasceu a minha voz.
dizem que uma pessoa, um escritor, quando está em seu caminho, tem uma experiência ritual da coisa toda. uns precisam chutar uma pedra pra terem aquilo a que outros vão chamar de "insight", a caneta exata, o papel de um guardanapo, dias mais dias viajando, chás, cocaína, béques, música, silêncio, máquina de lavar funcionando, dieta de carboidratos, lerem textos acadêmicos, lerem os jornais, uma casa no campo, a brisa do vento, etc. antes de escrever eu? passo perfume.
como é bom não ter o rabo preso com ninguém.
quando eu era criança e meu pai me ajudava a estudar, sempre que n'algum texto aparecia qualquer coisa que se dizia "nossa" como "nossa história", "nossa literatura", meu pai exclamava em voz alta, muito bravo, "ora essa, nós quem, cara pálida?".

eu perguntava o que ele queria dizer com isso e ele me explicava só que eram os índios em filmes de western que falam assim e que os índios terminam todos assassinados, que não sobra nenhum índio pra contar a história.

demorei uns anos pra entender que qualquer pessoa que fala por "nós", no limite, é capaz de nos assassinar no primeiro momento em que o "nós" não for como o dela.
 
bom, mas eu mesma também sou assassina. está na interpretação do meu mapa astral, posso até escanear documentos, manuais que comprovam isso. não sou eu que estou dizendo, também nasci pra renascer índia, foi o que me disseram tantos desde que aqui cheguei.

às vezes eu acho o mundo um grande cara pálida.
deixar-se lamber pelo ouro da espécie, é uma virtude difícil nesses dias baços. entrei na nuvem do meu baço. ontem tive certeza de que minha avó estava do meu lado. tenho, faz anos, observado os velhos na rua. são presenças tão vincadas, sempre. a idade, em si, é como a infância, uma entidade.

e hoje no que eu pensei? que está na hora de começar a escrever ficção. mas estou nos gêneros da biosofia, sonhoplastias, paracurandeirices, parametafísicas, paratodos. haverá ainda algum ritmo nessa escavação, quer dizer: há. de tanto bater martelo, ou entrar num fundo de lago e ficar lá dentro, como quem se entristeceu demais.

há um mergulho no tão-lá, o escuro, que me ensina demais. vou cada vez menos vezes até este lugar-de-mim, mas é preciso conhecer o próprio abismo e polir sempre o candelabro que o esclarece.

*

ontem folheando livros numa livraria, notei que não exagero ao considerar que uma desatenção é uma prática editorial de poesia tão recorrente nesse país.
a corrente existência de edições de poesia que não contemplam nos seus desenhos gráficos as quebras de verso & inserem assim aqueles colchetes, chaves, ou só uma quebra que-aparece-sem-querer me dá vontade de fazer versos tão extensos que eles não caibam nem em um colchão deitado.
não sei se é só desatenção ou é falta de consideração

parece que x poeta estava engasgadx
quando aquela palavra vai parar lá embaixo
fica parecendo que estava com soluço o verso
(alguns têm mesmo, soluços, engasgos
raros fazem disso um estilo,
de fato)
a palavra que era de cima, lá embaixo
intrincada no meio, perdidona na parada
desintencional.

pra mim, quando abro um livro
e os versos foram partidos assim
sinto que aquela editora me engana
como se me vendessem um disco riscado.
dinheiro? bem, estamos falando de poesia.

que isso fosse feito quando os recursos de formatos editorias eram escassos, difíceis, eu compreendo e acho até bonito folhear uma obra completa de, sei lá, drummond pela josé olympio e a quebra aparecer lá, por necessidade mas, hoje em dia...

ou é método de facilitar o correr os livros pras máquinas de imprimir (não será esta uma das questões fundamentais da literatura contemporânea?), ou é preguiça editorial, ou é desrespeito com o texto, ou é falta de escrúpulos estéticos. ou é só falta de ouvido no olhar, mesmo.

*

6
vou escrever o número seis para que renasça em ano que vem,

for a thousand years

os familiares ao redor
fazem grupos de chats
em duas ocasiões:
morte de parentes
atentados terroristas

fazermos em ocasiões
menos mórbidas
significaria perder espaço
o espaço das nuvens
névoas garças

em ferragens desenhada
a linha cartesiana
que foi traçada
digo, barthesiana
em nossos berços
a liga católica
quero dizer
iluminista errei
eparrei! a macumba
minto a filosofia
dos ateus perdão
a pátria não é problema
tem pra todos
nesse panteão
de ninguém

*

como prova de fé
no que virá
eu tive que depositar
lentes de contato de ferro
num pote oxidado
enquanto dormia

eu que não uso óculos
que enxergo tão bem
tendo que arrumar os olhos
como quem limpa
a prataria
pra ver no reflexo

foram dias de desova
quando morreram
todos os peixes
de duzentos rios
comeram metal

eram dias de certezas
mataram os vivos
em duzentos países
com chumbo grosso

chamado balística
digo, bolsa de valores
minto, fundão da escória
bobagem, inércia

o ocidente está desolado
o oriente está desolado
no cérebro
no aeroporto
na recepção
o hemisfério está descolado
o corpo está enterrado
os pólos não param
de girar

o mundo
um buraco
grande

o mundo
este município chamado buraco grande
engoliu-se e se vomitou todo, cansado
e por baixo da terra, cantando
o mundo

uma lavadeira clarividente
na beira da água
batendo roupa
que de tanto bater
começou a dar em visões
de um grande amor
vindo do futuro
só pra nos dizer:

o nada está entre vocês
e por vocês
reiificado: o nada
está.
dia desses respondi uma enquete organizada pelo Tarso de Melo.
as respostas: aqui

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

criar raízes é o mesmo que fazer órbitas

dois entusiasmos se multiplicaram e quando se sintonizaram ao acontecimento descobriram a lei do cosmos sem lei: a transformamutação. eram mamutes, conhecidos pelo nome de "amor". alguns desconfiavam da sua inexistência entre john & yoko, eu pensei: "4 letras", tudo que eu disser daqui pra frente poderá ser pensado em 4 sons. isto formará um quadrado que demolirá os círculos que irão tomar o céu: foi assim que nasceram as órbitas.

esta noite sonhei com uma grande gameleira.
uma mulher dava uma volta ao redor dessa árvore.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

escorpião

Sol e Lua estão em Escorpião. amanhã é lua nova, e eu tento cumprir o que prometi pra duas amigas: escrever sobre este signo, que dizem viver em cio, mas que na minha experiência é fecundado por ser o cio oposto ao cio primaveril que é Touro, isto é, Escorpião é o terreno já pantanoso, em que o cio descobre que é fecundo pelo seu fim.

eu entendo Escorpião como o signo que lida com quase tudo que a singularidade humana não sabe muito bem o que é, seu limite e sua continuidade: a morte, a herança, o sexo, o ódio, o poder e, no limite, o dinheiro. pois são formas de transformação, meios de transição entre uma coisa a outra.

é o signo da dor também. naquele seu jeito de dizer equivocado, a internet diz que foi Drummond, que era do 31 de outubro, quem disse: "a dor é inevitável, o sofrimento é opcional". Escorpião vive a dor como um veículo da própria potência. seja sofrendo-a e ficando destruído pela fascinação que sente pelo próprio veneno, seja utilizando o veículo da dor, a dor como meio de reconhecimento de que algo não está tão purificado como deveria estar, e assim: transmutar.

pelo que já percebi deste signo, se é o signo do segredo, é também o signo que, se não assume que é violento, sexualizado, poderoso, torna-se auto-mortífero. seja se colocando em escândalos pela facilidade de achar que tem o controle de tudo. seja achando que tem que ter o controle de tudo e assim não permite nem a si nem aos outros, nada. obsessivo e obcecado.

mas há uma outra via, mais inteligente. pois quando assume a violência, vira um estrategista, muitas vezes um pacifista, porque sabe quanto custa morrer. quando assume o sexo entende que ele se trata de uma ligação de mutação total, de um poder no outro e em si que na fusão vira um, e escolhe o sexo que quiser. quando assume que é poderoso é lúcido, paciente, vigoroso.

é o signo que aprende/ensina a necessidade de mergulhar num poço, onde a primeira camada é de água podre, a má água da mágoa, a inveja, o ressentimento, tudo que é podre e que Virgem não conseguiu, por sua natureza mental, limpar, e Libra não pôde medir nem mediar. Escorpião vem trazer a morte do abstrato, do fabricado, do racional, justamente porque é preciso entrar em contato com o denso, o irracional, o emocional.

o mergulho no poço são os processos de crise, mas se Escorpião fica nessa primeira camada do "podre" perde muita experiência na vida, pois quando atravessa essa primeira camada de água velha, Escorpião descobre que uns 90% do seu recipiente-poço-inconsciente é água cristalina, gelada e iluminada, ao mesmo tempo. água nova que é divina & dignifica.

tem gente que morre de rir quando eu digo que Escorpião é um dos signos ligados à pureza, ao límpido. morrer também, deve ser tão depurado em luz. ou trevas.

luz&trevas
sendo a mesma coisa, aliás.

Escorpião é água fixa e eu às vezes o vejo como um sabre de gelo, iluminado cristal por onde a luz atravessa e reflete, ao mesmo tempo.

"se a água fica suja a luz não a atravessa", ouvi uma vez dizer um xamã que tem o Sol em Escorpião no mesmo grau do meu Saturno.

domingo, 8 de novembro de 2015

ouro preto

um pé de dracena e um bambuzal
meus sonhos
as fissuras que o medo traz na gente
noite dessas sonhei com lentes de contato
estavam oxidadas
quer dizer? tenho que olhar de novo
olear de novo.

meu pai me disse que Fitzgerald também foi pisado pela sua época
e que será de mim?
papai sempre sabe me dizer algo que não melhora, mas liberta.


quanto mais eu ajudo os outros, os escuto, leio seus mapas, menos eu penso em mim como um problema, uma questão, me esqueço, vivo somente

assim é quando escrevo. também.


estou ficando treinada em olhar para as pessoas e saber quem são pelos fundos de olhar. existem pessoas presas em

nuvens, hoje vi um raio de fúria, vontade de violência não cometida, e uma
vontade de olhar para outra coisa em um rapaz, e outro com lábio leporino ficou meu amigo, existia uma espécie de anjo na camiseta branca dele, os anjos & as suas espécies também moram em alguns (poucos) olhos


existem coisas mais fáceis de ver que outras - - -
dormirei para saber.
 

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