segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

gosto dessas madrugadas. passei grande parte da vida que já vivi achando que eu era uma pessoa notívaga e talvez eu até fosse, atravessei toda a adolescência com algum disco que pontiagudo fosse até o âmago de alguma densidade. anos depois também migrava pela noite dentro, até o reverso.

fumava, bebia água gelada, ouvia gal costa e janis joplin, coisas que não faço mais, ou não faço mais dessa forma. lentamente vou me tornando uma pessoa das manhãs, a cada ano acordo mais cedo. embora das noites eu goste, eu gosto delas tanto que permito que me comam, que me abocanhem. tem seu perigo.

tento, como eu tento e todos os dias, descultivar as angústias e eu tenho muitas angústias e as noites as ampliam como latifúndios em que é possível se caminhar. sou só um corpo pequeno no escuro, o escuro não é possível mapear. fechar os olhos, escutar.

e como eu gosto, gosto mesmo das madrugadas pós-feriados eufóricos, glutões, excessivos. eu adoro a madrugada que é agora: do 25 para o 26 de dezembro; ou a noite em que se vira do dia 1 de janeiro para o 2.

são noites infinitas silenciosas, enfastiadas, melancólicas, exaustas, enxutas. quando alguma ressaca de tudo que se viveu se apresenta numa corda bamba e há um mergulho no finito, no inevitável, que tranquilidade, parece que finalmente tudo dormiu.

faz silêncio essa noite e eu também.

domingo, 25 de dezembro de 2016

as partilhas do absurdo
não paravam
de chegar.
mas eram só três fios
os que nos ligavam um ao outro.
o primeiro deles ia pela serra até petrópolis
e caiu uma árvore na estrada e ficamos
através dele, desligados, sem conexão.
o segundo fio percorria a minha nuca
e ia até o estabelecimento da sua vida
fazendo a gente se dar de cara
ou fazia com que tudo que você pensa
venha parar
no azul escuro
que mora dentro de mim.
o mesmo azul escuro
que mora dentro de ti.
o terceiro fio nunca foi tecido.

domingo, 11 de dezembro de 2016

sucuri, jiboia


poética

herberto helder orava ser sempre um poeta obscuro, eu de acordo com e toda encruzilhada no rigor do claro enigma, peço para as 7 ondinhas todo ano saltando que elas me banhem de ingenuidade, delicadeza, ambiguidade e humor. às três ondinhas que sobram eu digo assim: todos os dias da minha vida mantém meu coração ingênuo perpetua o que eu não sei e me faz esquecer o resto. depois meto minha visão de raio-x na cabeça, pérolas nos ornamentos e começo a assobiar. quanto mais perto o verso estiver do assobio, é nisso, um dia eu ainda chego lá.

sábado, 3 de dezembro de 2016

quando você foi embora
não foi nem que eu quis morrer
eu morri
com um livro da clarice nas mãos
(era época em que eu sofria com livros nas mãos
hoje levo um celular
e tenho 2 dedos da mão direita ficando com tendinite
pelo peso do que carrego
todos os dias)
para o jardim botânico
fui ler "amor" no jardim botânico do rio de janeiro
onde "amor" se passa
eu chorava desalmadamente
eu me arrastava pelo chão
me contorcia em cima das rosas
só espinhos e dores de estômago
tinham as rosas naqueles dias
até hoje eu não entendo
o que me abismava tanto
no desejo que sentia
medo mais nenhum
um tremendo um infindo

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

mora um novo ser em mim que não sei por onde é nem como se norteia mas que se chama coração 

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

tá, me deixa mas 
vou te falar uma coisa bem sincera
já que o nosso amor
vem de outra era 
a baliza desta é a espera 
tá bom o vínculo deixa  
eu te dizer
vou ser bem sincera 
não, não é a primavera 
eu ligada assim em você 
é que não existe mais 
nesta esfera o que eu procure 
de nós dois nada nada a temer 
não tema 
que ainda sobre que ainda falte que ainda haja o que dizer que ainda 
se elabore o ainda 
a minha fera 
é tigrada fingida 
a minha bala migrada 
eu atingida 
sou um espelho que se espelha em cacos de um espelho espelhado 
migrarei para dentro do espelho 
e vou renascer em lago 
eu não consigo te dizer o que estou procurando dizer
em ti 
um alicate uma tesoura um nunca mais  
por favor não diz nada que me meta objetivamente numa coisa objetiva o objetivo o objeto o obtido o bocejo 
sim eu estou por todo o lado e por todos os lados eu estou sem você 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

vive em mim uma pessoa muito passional
nos dias ímpares ela se liberta
nos pares ela se comporta
essa pessoa toma sol no caminho do trabalho
cumprimenta com delicadeza
escancara com cumplicidade
duvida com confiança
tem armadilha lance coice travesseiro peito
pede comida delivery
abre a janela escancara a porta
escancara os dentes a minha pessoa muito
passional diverge de si mesma
estabelece prioridades imediatas
convive com seus poemas antes de escrevê-los
dia sim dia não o nome de alguém esquece
a minha pessoa muito passional o fogo ligado
e ainda volta mais cedo pra casa pra tirar o lixo
alimentar os gatos a minha pessoa passional
adora alimentar
as veias de gordura os vasos com adubo
o rigor dos astutos
não assusta a minha pessoa
o escuro
a morte
o amor a minha pessoa passional
não conhece nada disso
a minha pessoa muito passional
não aprende
mas esquece
e dura como dura como é dura a minha pessoa
de carne mole sangue fresco corpo vivo
muito passional a minha pessoa

terça-feira, 15 de novembro de 2016

ela me disse "troquei seu nome para 'ninguém' nos meus contatos" & saiu lúdica e lúcida sem dever uma chamada, uma mensagem ou uma massagem. onde tudo é esquecimento os burros foram dar na minha agenda e sem que ela pudesse sequer pensar em se afogar, duas horas no sofá e uma paz certeira na certeza vá embora desate fique a boiar como uma terra no espaço rodando uma balsa atravessando o canal ou a ilha da tranquilidade afundando. 
o nunca mais mora muito longe 
não tem nada dentro dele além de frio 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

isto aqui funciona como os emails
se envio sem reler
é porque tá pronto
acho homens com um pouco de crivo descuidado charmosos, com muito crivo deliciosos, com crivo e timidez incríveis, com crivo e um belo rosto aliás, é uma coisa de louco. não me movimento na direção deles pois eles estão sempre cansados de tanto crivo que tem. quanto mais crivo eles carregam mais eu sinto que as chaves de fenda deles abrem todas as minhas cinturas. não que eu deixe alguém com um pedaço de metal se aproximar de mim, não. eu afasto tudo que é armamento com a respiração do meu pensamento. mas não desarmo as bombas, eu as estico entre as minhas canelas, eu desmonto o mecanismo do armamento e perco as mãos, nunca troco as palavras e esta articulação me custa uma dor na mandíbula que aumenta quando eu durmo pouco, estou para menstruar ou esqueci a caixa de ferramentas em casa, o que praticamente nunca tem acontecido, porque eu desci com tudo pronto de dentro da cabeça do meu pai que é também uma nave alienígena que foi dar no calor da minha mãe e pena que eu não nasci boêmia, não sei porque isso referido agora.

em que a aurora atravessa a primavera

eu poderia falar outras coisas também, contar da amplitude de sentido que me mostrou um sacerdote uns dias atrás, ele me abriu como um machado, coisa que ninguém faz, ele entrou onde ninguém absolutamente entra nunca além de mim e alguns ícaros ele chegou lá com as palavras ele me disse aprenda entenda estude arrisque o direito a lei o direito entenda até conseguir direcionamento direcione direcione eu nem entendi direito mas eu entendi tudíssimo tudinho eu já tinha visto mas ele foi com um bisturi com uma alavanca derrubou a porta mas como uma revoada também agitou muita pequena coisa à toa e eu entendi mais uma vez que a senhora de tudo dentro de mim é tão inteligente que pode até, ocultar-se num búfalo deixar-se desaparecer em nome do nosso destino que é um só caminho um só caminho e também não é o caminho do mar, é o caminho do rio, ser assim, leito de corredeira doçura hoje mamãe foi lá me visitar eu deitei também, deixei passar, não é todo dia que mamãe assim essa não minha e presente numa alteridade do que não sei ser colher colher tanta pequena coisa tão juntinha é tão ternura isso também a ternura a ternura a ternura mora tanto desapego na ternura eu aprendendo que falta tanta coisa tanta coisa e um redemoinho que desagua em flecha tão bom não precisar fazer sentido e, assim mesmo, fazer tanto. 

sei que às vezes, em nome do enorme, eu fico um tanto simplista: tanto que fui fazer outra coisa e me esqueci do que eu ia dizer aqui.

em que a autora expõe seu veredicto final e descansa

uma alternância de velocidades, talvez até uma dificuldade de perceber o que é velocidade. ando bem interessada nessa palavra, também. a velocidade toma toda forma de inconsequência consequente, vivendo da transformação energética. por exemplo, é uma velocidade a minha preguiça de pensar, de fato, sobre "velocidade", mas este cinismo é só cansaço mesmo. evitam qualquer relação com pessoas de temperamento sórdido. ai ai ai quem dera. olha o cinismo de novo.

mas eu vou enfrentar esse medo de escrever de fato, porque eu vou começar, eu já comecei, eu já voltei a escrever, até mesmo a te escrever eu já voltei duas vezes por uma mesma porta eu me perdi mas eu nunca nunca estive tão certa de algumas coisas dentro das minhas partes imediatas e mediadas também. uma nova mudança em breve, vai acontecer.

por exemplo me dar uns minutos por semana pra escrever aqui no meu blogue e simplesmente deixar os dígitos rolarem tipo neeeeeeeeeem aí se alguém está lendo se não está. eu gosto dessa indisciplina e mais até do que isso: eu preciso. por favor, tudo que eu menos quero é me tornar escritora profissional, eu só escrevo porque eu preciso eu quero eu necessito me perder todos os dias um pouco. umas semanas atrás na ponte do Sumaré tinham uns lambes colados dizendo SEJA VOCÊ MESMO SEJA VOCÊ MESMO SEJA VOCÊ MESMO SEJA VOCÊ MESMO eu olhei aquilo, eu hein, me deu uma raiva, eu tive vontade de enfiar o seja você mesmo não vou nem dizer onde de quem fez aquilo, porque vocês sabem onde é. quem sabe assim nos entenderíamos melhor.

a ana cristina já renasceu em mim eu agora vou numa mesa branca receber a clarice e já volto. pronto, fui, voltei, estamos aqui as três e nenhuma de nós sabe muito bem onde colocar as mãos. a primeira a resolver isto é clarice, sagitariana e confiante, coloca as mãos em cima da barriga e solta um miado. clarice começa a se lamber a barriga e quando, de repente, se assusta, diz algo muito acutilante e terno em direção a ana cristina, que a beija na boca enquanto tira um brigadeiro e põe debaixo dos meus cílios. percebo que é um brigadeiro envenenado, ana querida, mas como assim mesmo, estava uma delícia, querida, quererá ainda me matar? 

ele também não sabe o que fazer então não faz nada. as decisões prudentes as intermitências do tempo as analíticas posições do esfriamento os esfriamentos das posições as travas do destino as carrancas dos meus guias as fronteiras da minha força o fogo eterno pra consumir o inferno fora daqui & eu como devoto, trago um cesto de alegrias de quintal

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Levo com ternura as coisas preciosas que você me entregou
como as desconhecia não sei bem de que material são feitas
madrepérola barquinho de papel carne e passado
onde as colocar se nem cabem nos armários que divido
com o mundo as misturarei
no barro levado pelas enxurradas
asas para voar nos dias sem horizonte
um punhal para abrir a correspondência
eu carrego junto ao peito feito amuleto
amaciando os joelhos os tijolos sem metafísica estalam
as estruturas na esperança de que tudo estará desencontrado
e um travesseiro deita o meu pescoço no teu esquecimento
há embriaguez para as noites sem fumo
para as noites de lua todas as canções
dos compositores de destinos eu sopro
as melodias no vento que desce a rua
o vento em que me torno para te ensurdecer
me enovela me envolve e me acolhe
feito uma capa para os dias nublados
o sol volta a esquentar a nuca dos gatos
no parapeito da janela uma vontade de nunca mais
rodar as engrenagens que rodam as folhinhas dos calendários
já não se usam mais a não ser em alguma parte
onde também o nosso amor insiste
aberto pela temporada de chuvas
fechado sempre que é primavera.
raramente me pergunto porque isto não desaparece
sinto simplesmente uma rarefeita forma de loucura
um incêndio agitado um calor exatamente baixo
como a temperatura que caiu
e se não se entra duas vezes num mesmo rio
divirto-me à beça nos dias ao redor
e tu também
atravessou o mar pra me ver
uma espaçonave
que vagasse incandescente
me norteava mais do que a mim mesma
não sei porque nos despedimos na primavera

domingo, 30 de outubro de 2016

desde 1984 é a primeira vez
que eu me sento
onde o corpo expande 10 metros
antes ainda do pensamento
os gigantes não me assustam mais


também conhecida como a mulher
polvo gameleira
ela resolve descansar
para isso passa os dias enviando convites

como já não sabe mais escrever
quando ela se senta ela escreve
sobre o tempo em que se sente
o tempo todo agitada
como se a habitasse
outra encadeada
grande sorte
arrebentar-se-á até as estruturas
sem partir um osso
te desconcentrar

de lamúrias e desistências
camisas e gatilhos
as relações estão cheias

fui reler o que escrevi 10 anos atrás.
era interessante essa época
eu passava o tempo
a explicar o que os textos faziam.
e isto me ensinou a dedilhar
como uma harpa uma faca um cardume
não são a mesma coisa
mas são.

passo o domingo a ler poetas
cujos nomes não sei pronunciar em voz alta
mas cada uma das letras que eles grafaram
eles escreveram para mim
remetidas e atrevidas
como estas, eu
são para ti

quando eu irremediavelmente
me perdi
nascendo
tempo verbal contínuo
que exige um eu

o eu toma ar
o eu recua dez passos
o fôlego respira como uma bandeira branca
que instaurasse
o salário diário de 7.000 fotões & 0 rancores
entre os intermediários
que nos levam e trazem
oxigênio, e-mails e sensações

pois eu me esqueci de tudo
que era sabedoria eu já não tinha
e eu aprendi
embora todo o universo
se alimente das trocas de mensagens
é mais difícil decifrar suas consequências
do que ler nos gestos
de aborígenes dançando
o ritmo dos corvos
a língua do futuro nos céus

eu visitei
a língua do futuro nos céus
e voltei para ver o Pacífico
e ele era como o Atlântico.
nós viemos dele

sempre na origem
sinto-me uma raiz de gengibre
e já nos aconteceu antes.
a minha letra mudou.
aquele homem 
que não se esquece 
atravessa a river
he cries a little bit 
no porvir 
eu lhe devoto 
o fogo 

*

aquele homem a quem nunca 
escrevi envia
um e-mail 
para esta travessia 
celeste 

enquanto eu descubro 
a claridade luminosa 
de São Francisco 
e tudo que ele aprendeu 
com os animais 

*
não veio de lá 
nem veio daqui 
também não é dele 
o meu lugar 

estou todo dia com ele 
onde ele não está 
sei que há um pedaço em mim
que é só seu 

*

I will devir fera de pelúcia 
nos dois sides 
de mim 

*

e se alguém procurar por mim 
suba as montanhas 

*

hoje acordei com um corvo cantando 
it was a pleasure 


*

sinto nas mãos como comer geléia de strawberry tomada num canudinho 

*

it's the second time 
nesta vida 
que isto me aparece 
quando não consigo escrever um
poema 

*

embora todo o universo 
se alimente das trocas de mensagens
é mais difícil decifrar suas consequências 
do que ler nos gestos 
de aborígenes dançando 
o ritmo dos corvos 
a língua do futuro nos céus  



- [ ] 

segunda-feira, 17 de outubro de 2016


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

senti primeiro o coração com uma vontade de me dizer coisas 
eram um lampejo de brilhos 
uma tranquilidade 
passiflora 

amarguei o que não era virtude neste cansaço me deixei ficar sem fazer nada além deste texto 

me achei longe demais de algumas coisas que não quero ficar longe 
coisas que eu quero aprender 
e os caminhos mudaram 

por anos amei e quis e não sabia nem onde
muito bem por onde passava este vínculo
verde 

hoje ainda não sei mas sinto uma porta 
se fechando uma sensação de dever 
por hábito mais que prazer mais que descoberta 

por muito tempo tudo entre nós foi descoberta 

e eu sou grata
só faz dia e já sinto saudades
de tragar  
mas umas gotas 
me abrem para o bambuzal 
da minha infância 
atrás das quadras de tênis 
tão perto do córrego ali 
passavam tantas coisas 
e eu achava que eram só as solas 
dos tênis 

e eu percebo que também se gastaram 
mas que meu cansaço é maior 
no seu uso 
presente 

imagino que um dia, querida, vamos nos despedir, querida, um dia vamos nos reencontrar também 

feito a luz de Maria que sei que minha avó viu ao morrer 

fazia algum tempo já que eu não me lembrava do seu rosto naquele exato momento em que nada era pacifico e no entanto havia a paz 

sinto-me leve presente e incompleta 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

não consigo entender como existiam cidades antes de existirem fones de ouvido tocando música para as atravessar.

*

percebi que faz um ano que só escuto música de macumba e que só escrevo quando estou andando na rua. não tento registrar. e pra além de ouvir música enquanto escrevo, gosto mesmo é de escutar música andando. e como tenho andado demais todos os dias, eu tenho escutado muita música de macumba, com muita concentração no caminho e nos ouvidos, enquanto escrevo com a minha respiração. acho que para quem escreve poesia são uma mesma coisa: o caminho e os ouvidos. os passos. sigo sem saber onde esta exposição ao som, aos ritmos, ao conhecimento emocional e espiritual, a cada uma das narrativas que vive nestas músicas e que são sempre sincrônicas umas às outras, quando isto tudo vai acabar por aparecer no que escrevo. isto tudo sem projeto. por prazer. por acaso-destino. assim, só por andar por um caminho ouvindo tais potências. observando. quem escreve respira. as árvores são os seres que mais respiram nas ruas que tenho andado. por enquanto eu estou respirando. 

sábado, 24 de setembro de 2016

caleidoscópio

ou uma noite que sonhei com meu primeiro beijo
e me imaginei muito velha escrevendo a minha autobiografia
(que certamente escreverei um dia, já se nota)
e no lugar muito luminoso a quadra onde jogávamos
tive um espasmo tão absorto que foi
onde era timidez
os músculos se contraindo todos juntos, soltando
soltando juntos também
uma novidade


sendo que na véspera eu havia sonhado com o corpo do meu pai aos pedaços no chão de uma sala de piso vermelho e só havia um lençol curto e insuficiente o bastante


quando hoje contornei com as mãos o livro que me deste
em que cada poema escolhido pelo amigo que te abençoou
todo sublinhado pelo teu pensamento que respira
de modo que falamos a mesma língua
onde tudo nela dia a dia intensidade
os planos e os plenos da memória
ou cada um dos sítios
os cantos moídos das páginas
que atravessaram malas e foram carregados
pelas mãos, os braços pousados
no colo ou na mesa de almoço, da biblioteca
e eu, que tão rapidamente coloquei o nome nele,
embora desconheça a luz da manhã do gabinete
reconheço a mancha na capa
os riscos de uma chave
ou o dia em que ele quase se foi
esquecido num banco de comboio
como em abraços engoliu o lápis que o grifava
e se escondeu entre almofadas
que eu desconheço
desconheço o dom de desaparecer
embora possa me fingir discreta
como uma planta
tendo à luminosidade
e não compreendo a angústia
que estes dias têm
por objetivo próprio
oculto ou revolucionário
me enlaçado
como a um objeto
todo rasurado por gestos
cheios de memória
que embora fossem
não eram meus e nem são
os que eu teria
e, no entanto,
tem tanto a ensinar

Furacão é diferente de ventania
vista grossa voz ferina
há tanta brisa insípida
e alegria sem calmaria.
Escalar raios ou faíscas
independe de saber trepar
montanhas e paredões
por vezes só um túnel
pode atravessar.

Por muito tempo observo
a força das minhas mãos
têm ranhuras, não são dentes
há tanto cálcio nelas
quanto gastos, ansiedades
cortes feitos de raspão.
Por sorte há a realidade
e eu a abraço toda ela
com mistificação.
Não pego atalhos
não quero sabedoria
nem posição.

Não se sente confuso
nenhum vulcão
quando explode
procura a razão
são sem motivos
os cem motivos
de um coração.

É nele que abro
caminho e canyon
botão de camisa, rosa
este nó de marinheiro
já não sei, só você
tão simétrico
saberá desatar
em rio, corredeira
a espuma que dá a vida.
Nossa vida sem a fronteira.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Virgem




antes que a primavera chegue no hemisfério Sul, com a entrada do Sol no signo de Libra, quero cumprir o prometido, também pela minha gratidão ao signo de Virgem e aqui me ponho a escrever algumas coisas que sei e que tanto aprendo com este signo mutável.

Virgem é um dos signos responsáveis pelo manejo da informação, partilhando com Gêmeos o regente Mercúrio. diferentemente do primo mais novo, em que a alteridade é um tênue fio em que se caminha no equilíbrio de não se diferir entre o bem e o mal, ou a verdade e a mentira, Virgem lida com a informação de modo a diferenciá-la, torná-la útil, construtiva e organizada.

é por isso que a astrologia de memes de internet entende que Virgem seria viciado em tuppewares e obcecado em ter as coisas todas bem encaixadas, controladas. muitos virginianos coincidem com essa simplificação, mas outros tantos, não. provavelmente aqueles que não têm obsessões com a organização da matéria ao redor, estão preocupados em organizar o pensamento, a consciência, primeiramente de si mesmos e dos que estão ao redor. Virgem é cheio de concatenações. de métodos que vão apurar os gestos e de gestos que vão apurar os métodos.

Virgem é uma ponte entre 5 os primeiros signos do zodíaco em que as questões são mais primárias, corpóreas: nascer, comer, falar; e os outros 6 signos que lidam com questões abstratas, conceituais. dizem que é por isso que Virgem cuida da saúde, do corpo físico, do cotidiano, porque só com muito trabalho e cuidado é possível perceber o que é importante no corpo a ponto de tornar-se espírito.

trabalhador, trabalhador e trabalhador, Virgem numa fábula como a da cigarra e da formiga provavelmente seria a cigarra e também a formiga, porque sabe que todas as formas de trabalho produzem resultados úteis. se é produtor de instrumentos, Virgem é em si uma caixa de ferramentas, onde se encontram as funções de chave de fenda, pinça, peneira, escada, martelo, bandeja, tapete. e se é necessário para Virgem servir, ser útil, funcional, Virgem que cuida de si tem que prestar atenção a servir e ser só os instrumentos que realmente desejar. alô, Virgem! cuidado com quem te vampiriza.

desde pequena tenho sempre um ou mais virginianos ao meu redor, e é por isso que brinco dizendo: "tá em dúvida? consulte sempre o seu virginiano favorito". mas cuidado, tenha respeito com seu Virgem amado, porque eles podem resolver tudo por você, sobrecarregando-os ao ponto deles se sentirem tão úteis quanto usados.

se a palavra chave de Virgem é crivo, a pessoa de Virgem que não cuida de optar pela delicadeza nos seus critérios e pela despoluição da sua imensa capacidade mental, torna-se o vulgar "cricri", intolerante, arrogante com seu saber precavido. o problema aí não é nem só a fama de chato com o pessoal ao redor, mas é que a medida cuidadosa que Virgem tanto procura, torna-se desmedida e aí Virgem perde-se naquilo que mais teme: a indiferenciação, o indistinto, o pouco preciso.

dos signos de Terra, Virgem é aquele que vem entender e mostrar que rosas são diferentes de samambaias, que são diferentes de coqueiros e estes não dão amoras. tudo que tem substância pode ter utilidade, e Virgem parece às vezes um botânico coletor de amostras da vida para seus cadernos. tive um grande amigo de Virgem que na adolescência listou todas as catástrofes naturais que tinha conhecimento. um tsunami é diferente de um terremoto, e conhecer a vida é organizar a sua reverberação. Virgens são abençoados pela existência da multiplicidade. tem tanta coisa no mundo e Virgem é quem conhece todas. e como seu intelecto é também sensóreo, Virgem entende.

no entendimento, Virgem divide com Peixes o eixo da medicina, o que o torna responsável pela limpeza, pela higiene e acima de tudo, Virgem é o signo da purificação. muitos astrólogos o associam à figura da Virgem, Maria. e já cantava a canção que "da flor nasceu Maria e de Maria o salvador".

humana e divina, a associação com a Virgem traz também a marca de Virgem ser o signo da bondade. os virginianos que encontram a natural bondade que há em si, a carregam como um amuleto e parecem irradiar uma luz diferente, luz que purifica.

sábado, 17 de setembro de 2016

não sei usar pronomes nem conjunções não conheço as regras sintáticas eu me confundo-me na própria língua e isto é, é isto a minha língua 

própria como o esquecimento / esquecimento é uma palavra que utilizo demasiadamente, e é porque tenho memória 
esse espaço de trilhos trilhas rascunhos nós pedras prisões encanto liberdade lonjura encostada 
e sem definição  
uma tentativa comum de amaciar o amor sempre só na nitidez da sua purificação reunida em luz que entreteria para sempre ou quase o rigor o feixe a faixa que limita ao lado de lá ou quase quase talvez seja a minha nova palavra favorita, uma em mim improvável estética do quase que deslumbra os menos frustrados e assusta os que estão completamente de acordo com o dia a dia ou ser capaz de enfiar um garfo no olho de um sujeito que vem dizer alguma coisa para fora ou por dentro sem esquecimento é um é este alguém 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

sonhei que estávamos em guerra. um departamento de literatura de uma universidade em que estudei havia se transformado num hospício para receber aqueles que tinham enlouquecido com o som das bombas. eu tinha um envelope nas mãos, sabia que ele estava vazio, mas os loucos, misturados entre os professores, e os professores que tinham enlouquecido, e os médicos que cuidavam dos loucos mas que também me pareciam loucos, imaginavam que aquela correspondência continha um segredo de sabedoria. eu tentava não chamar atenção. alguém colocava uma antiga vitrola pra tocar uma espécie de valsa e dizia que as músicas mais recentes tinham se perdido em meio ao conflito. os loucos e os médicos dançavam, dançavam. um homem muito inteligente me tirava para dançar, ele tinha as mãos imensas e eu dizia que não, que não queria dançar. eu estava tímida. assustada com a loucura, também. ele insistia: "por que você não quer dançar?", e eu: "porque preciso voltar a escrever", disse apontando para o elevador no qual entrei para voltar a escrever.  e que estava tomado de camas para os doentes que não estavam loucos. 
 
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terei 3 falas em público em universidade em 3 meses.  
 
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é a junção do pensamento com a medicina, a necessidade de reaproximar certos pedaços de conhecimento. é bem mais que isso também. mas deixo para as entrelinhas. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

maravilhoso é dizer porém não consigo ainda quebrar o ritmo no que escuto embora já esteja quebrado se levo à sério isto que está acontecendo agora preciso ficar sem fazer porque se encho essas linhas de um sentido para além delas mesmas sinto que ainda não é o momento de escrever mas já não aguento mais ficar assim nessa convicção deglutida eu que fiz um retiro nele aprendi como respirar bem fundo alterar o diafragma e interromper uns soluços que estavam encalacrados desde muito tempo mas que agora não me permitiam dormir com os pulmões completos completa estou eu de líquidos que poderiam simplesmente irromper mas estão em dúvida se já é o momento ou se é uma completa necessidade de completar-se completamente completamente sem transbordar e assim
é uma certa convicção, não sei se fria, ou pelo menos estimulada por um fio narrativo pouco acentuado recriado nesta necessidade de dizer qualquer coisa, não por um antecedente anterior ao ímpeto, mas só pelo ímpeto de escoar mesmo. esta incontinência, a virtualidade do fazer, do como fazer, e um incômodo praticamente total ao redor de tudo, uma aura de insatisfação, também chamado e conhecido como um ancestral que invade a glote e estilhaça uma falta total, falta intransitiva, não é nem "de" alguma coisa, um acúmulo de líquidos, uma espada de cristal azul enterrada na nuca mas não não não mais. um anjo arcanjo da mesma cor da espada, talvez um serafim, eu que não conheço a hierarquia dos anjos, nem retiro deles o significado de serem simplesmente o sentido ascendente da luz, a quem eu peço, ensina-me o teu sim. já dizia a outra que tudo começou com um sim e um outro que se é ele o portador do grande coração temei não partam dele as grandes negações, este ir perdendo vestes na certeza de que não há sentinela que resista à umidade da noite a não ser que se consolide um treinamento pacífico não é por medo não que alguém permanece acordado e no compromisso 

e no compromisso.

domingo, 11 de setembro de 2016

quando já não sei mais o que fazer, assustada com ser flecha e espada, toda a violência, me abraço os próprios joelhos e me torno rocha. torço torço torço pra ser pedra de nascente, menos que cume, pois eu sou a descida pelo ventre, situada pela espuma, cantante meu gato tenta chamar a minha atenção, quem sabe eu deixe assim, de fato, de situar-me tanto em quem sou e possa, quiçá e oxalá!, transformar-me. 
é confuso, dilacerador, estar num lugar em que ouço rojões ao fundo do horizonte e tenho certeza que são bombas de gás, mesmo que não sejam. e mais confuso é o som misturado das risadas no salão de festas dos vizinhos, as risadas, o bater de copos, misturado em cima de estrondos que tenho certeza que são, mesmo que não sejam, bombas de gás. as camadas do tempo, o vento. o som e a fúria.
dizer 
a vida 
decifra-se 
reparte-se
como um bolo uma torta uma bacia 
esse posicionar-se vertiginoso 
sobre um garfo 
levando até a boca 
o ritmo da mandíbula 
o mudo 
dizer de quem mastiga 

eu só queria jantar em paz 
uma guerra se deflagrou 
ruídos rajadas eu ouvi
bombas 
de gás 
na linha do horizonte 
tanta gente só queria 
ver o barco correr 

eu acho assustador 
ouvir os vizinhos rindo no salão de festas 
na linha do horizonte as bombas de gás 
me dizendo que não vai mais falar comigo 
que é menos confuso 
estar sem confusão 

eu volto, não sei se aos poucos, de perto ou de supetão, a escrever 

tenho a impressão de que você vai 
não quero 
dizer 

ser diferente
de si
a si
sendo
transformada

sábado, 13 de agosto de 2016

Saturno avançou e eu me lembrei da velhice, Capricórnio que sou, reaprendida sempre por outros tempos: não me interesso por nada que não atualize alguma tradição. atualizar é tornar ato. o que corta foice, o afiado, quem é? o vento.

*

é chegar a Lisboa que começo dar em versos.

*

havia duas coisas ou mais para serem ditas, mas antes era necessário senti-las.

*

preciso falar contigo e dizer mal dos que o venceram 
chego a tremer de tanta eternidade

*

estou disposta a, mais uma vez, reinventar-me, saudando o Chão, esse limite.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

o projeto é entrar de férias
desaparecer compromissos da frente
esquecer tudo que não for
necessidade mais básica
como o amor

a névoa que vi dissipou
no entanto meus ouvidos
aqui no espaço
encontraram silêncio

vento cru uma beleza e outra
também atmosfera
cidade de atmosfera
reflexo céu de terra

e com sono de pálpebras
tantas adormecer
todos os dias
por muito mais que o suficiente

terça-feira, 26 de julho de 2016

karma, talvez

um nível de intensidade vibrátil por muitas conexões recombinadas em um termo quase total de necessidade de veiculação vibrátil eu já disse vibrátil é mesmo a palavra chave depois de intensidade e uma sensação constante de superfície talvez leve muito tempo para que a gente possa se abrir, talvez tenha sido em outra eternidade que os milênios já nos atravessaram e o que vivemos agora é nostalgia essa liga recorrente de assuntos de orgulhos e de silêncios misturados em pó saliva e sola de sapato.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

espantada com a uniformidade dos ritmos
cansada com a desfaçatez da vontade de simplesmente
d e s c e r
dar em rio
correnteza
nunca estanque

domingo, 17 de julho de 2016

a nova adolescência

um novo ciclo, um transe em espécie
desmagnetizando daquilo em que estava colado
e a precisão de saber que não se quebra um verso com que
no final, a não ser que você esteja querendo ser ingênua
ficcionalmente
o que também pode, talvez, gerar uma espécie de propaganda
como os chicletes mastigáveis já não precisam mais
de publicidade para o desejo das crianças
e outras formas de inquietude.

espantada com a insistência da palavra
escrevo. martelando cada insistência
ou montanha-russa
como uma fita k7 com rewind automático
me transporto para um ano atrás
e dou um um salto em mim mesma
num num num num
minuto
nuvem
num num num num
segundo
carne.

hoje desenhei a morte com giz de cera

enquanto eu via nos meus olhos
no meu cérebro carimbada
ancestral tardíssima
pôr do sol
Orum
árvore

continuo
de batom vermelho
o estômago doendo
os pulmões cheios de catarro
desde criança
tossindo uma tristeza
nem sei da onde

os médicos que tentam me mapear eu tapeio mentindo inventando
que eu gosto de batata, quando eu não gosto
é sem querer que eu me camuflo
porque, no fundo, eu gostaria
de ter um coração
no lugar dessa batata

e como tudo que eu gostaria eu tenho
fritei a batata que há de entupir
as veias até a minha interpretação

no palco eu não finjo nunca
nem encaro de frente
ninguém
miro um ponto no meio
às vezes uma olhadela recôndita
específica
pra seduzir um ou outro desatento
agressivo, maltratado
para feri-lo também
sei colocar alguém
amassado como uma barata
no canto
embaixo de um capacho

sempre sempre sempre
por revidar
terei o que revidar

nem reparei já estive estou estarei escrevendo
este poema eternamente
é melhor você desistir
de ler.
já ler é insuportável.
vocês não estão me entendendo.

a médica disse "talvez você esteja vivendo uma nova adolescência"
estranhou tudo não ouve nada a que eu não fosse estranha
algo que não encontra como se expressar
ela disse
a respeito das espinhas
mas a respeito de expressar você quer dizer EXPRESSAR MAIS?
doutora, se eu me expressar mais ninguém
ninguém fala
assim comigo, doutora

7,5kg e meio perdi
nessa brincadeira de deixar meu antigo eu para trás
quando a médica me perguntou
por que eu tinha emagrecido 7,5kg em 1 ano e meio
"por conta do... trabalho"

pensei em dizer eu te amo, mas não seria verdade
já estou divagando
reparo muito nisso nos outros
tento não acompanhar os sentidos
dos parênteses deixo só
que eles falem por si próprios
já é muito cansativo estar
com os sentidos todos dispostos

entupiu o canal entupiu o canal entupiu o canal entupiu o canal

de vez em quando minhas vias respiratórias gritam assim
feito uma ambulância
eu nem estou falando do passado
estou que ele vem como uma porta
e bate na minha aorta
eu já disse árvore
árvore árvore
árvore

árvore eu já disse árvore

e toda a doçura dos teus ramos
atravessarei como atravessaria
vamos de pescoço coração caminho
alto ereto e aberto

sexta-feira, 1 de julho de 2016

dezembro 2011

"tenho pensado muito na possibilidade de vulnerabilidades que não sejam frágeis. na sensibilidade vulnerável, permeável, mas que é uma força"
"o risco de fazer a escuta dos dias não é falhar no projeto, nem na execução. mas nos dias. viciar-se a ver/ouvir, notar/perceber e achar que enxerga quando só há resgate no inédito. inédito no sentido de desconhecido,
só há resgate no desconhecido
só há necessidade de resgate no desconhecido
ou nos tempos diferentes entre as pessoas. no intervalo
de que erram.
há também no enfraquecimento uma força ou na vulnerabilidade.
serão as pedras permeáveis?"

escrito no início de dezembro de 2011, no meu caderno que não é público como este blogue,

quinta-feira, 30 de junho de 2016

água em ênfase

ele passou por mim como uma hélice 
liquidificador desmantelando o pântano 
o caos da madrugada 
a experiência retomada 

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Saturno

grande parte das pessoas que procuram meu trabalho como astróloga estão muito fascinadas, amassadas e/ou erigidas por Saturno. tem gente que não pode nem ouvir falar dele que se recolhe, ou melhor, endurece.

entendo Saturno como o eixo, a linha invisível. Saturno é também a nossa moldura e ela despenca quando os remendos que a gente coloca na gente mesmo estão excedendo os limites da nossa integridade.

sendo um dos senhores do tempo e por excelência o velho, aquele que ensina, que cria a disciplina, Saturno é antes e depois de tudo um mestre. mas não se enganem, Saturno é onde precisamos descobrir a nossa capacidade de disciplina sem que esta seja regida pela normalidade social. Saturno não tolera os desleixados com o próprio caminho e amedronta os cumpridores de papéis.

cumprir um papel social é uma das máscaras de Saturno, que pode, ou não, vestir bem na nossa cara a ponto de nos identificarmos com ela, mas também pode se tornar uma armadura que criamos para nos defender do medo de não correspondermos. mas correspondermos ao quê? à fantasmas, projeções das nossas imperfeições que nos avaliam? ou a crueza radical da integridade? dizem que as coisas quão mais rentes dos ossos mais doem.

Saturno não perdoa ilusões. é uma espécie de ajuste de contas de nós com nós mesmos. assim, Saturno traz, muitas vezes, frustração, uma sensação constante de que precisamos cumprir com alguma coisa e que não vamos dar conta. e a gente só consegue cumprir o necessário quando nos livramos do excesso de peso de ter que cumprir. e aí, simplesmente, com o pouco limitado que cada um de nós é e pode, fazemos.

Saturno é dos ossos, das articulações, da pele. sendo a estrutura, facilmente é rígido e por isso costumo lembrar às pessoas saturninas que conheço o que tantas vezes diz o I Ching: que o rígido quebra enquanto o flexível entorta. seja como o bambu que balança com o vento sem se fraturar.

é a fronteira, Saturno. aquele lugar que se atravessarmos não sabemos o que será encontrado. onde não queremos que ninguém entre. e quando atravessaremos a fronteira, embora com medo, descobriremos quem somos. Saturno é a impossibilidade de se fugir de quem se é. costumamos carregar coisas demais, muito mais coisas do que precisamos e, assim, Saturno vem com a sua foice ceifando, porque menos é mais. a gente se sente perdendo alguma coisa, mas no fundo vamos ficar mais leves, mais precisos, só com o necessário.

costumo dizer que Saturno é um trilho e é por isso que em trânsitos intensos dele a gente se sente meio que arrastado pela vida. a intensidade em quilômetros ou metros desse arrastamento vai depender de quão longe/perto se está de si mesmo. mas não é, veja bem, uma questão de mérito ou culpa, é uma questão de responsabilidade.

sendo uma nuvem de chumbo, os por ele atravessados costumam chegar com uma epígrafe ao lado "os ombros suportam o mundo". a melancolia muitas vezes pode levar ao sofrimento naquele lugar onde Saturno está. a nuvem de chumbo também é uma imagem que eu uso pro luto. Saturno encerra, delimita, poda, finaliza. a nuvem de chumbo chove, desce pelos nossos ombros, atravessa os joelhos e pela sola dos pés nos enraíza ao chão do que somos. e eu diria: é mais prudente entrar descalça em si mesmo.
 
 
a ciência da abelha e a minha muita gente desconhece, e eu gosto que permaneça nesse invólucro do desconhecido grande parte da minha pessoa. nascer é se tornar vulnerável & eu quero parar já este texto porque estou me sentindo exposta, em carne crua, à nitidez das coisas serem como são. eu e meu aquecedor nos pés, nascemos pra viver juntos. meu estômago é quem tem dúvidas da nossa mutualidade. problemas de digestão emocional, dizem os manuais, mas eu também não vou falar dessas coisas assim sem pedir licença ir com passinhos lentos mas não atravessar a fronteira. mil verdades me traz a fronteira. digamos que


fui



fazer 



outra


coisa!!!!

terça-feira, 21 de junho de 2016

abri este computador universo gélido no mais frio da noite quando meu pulmão ressoa e minha bexiga revela-se um comumente chamado corpo
são os mesmos lugares dele que ecoaram em adoecimento profundo no ano passado
as vésperas e nos depois
da morte da minha avó em 19 de julho de 2015
falta um mês para fazer um ano

*

eu vim aqui dizer umas coisas com liberdade mas aí abri o facebook 

*
hoje abri ao acaso um trecho do zaratustra em que ele fala sobre os poetas. eu li muito rapidamente como atualmente leio a maior parte das coisas que leio. eu sei que esse não é o melhor modo de ler mas no fundo não estou nem aí pra isso. muito rapidamente eu sou pisoteada por todas as ligações da linguagem que um texto quer produzir comigo. sou como um plugue de tomada na parede, conectando com o que ali me atravessa. elétrica.
zaratustra diz que os poetas de tanto falarem pela natureza pensam que a natureza é que está encantada por eles, poetas, que afinal são uns pavões que gostam de pavões.
foi o que eu entendi por hoje. foi o que eu quis entender. outro dia leio novamente e vou entender outra coisa. às vezes acho que o que eu entendo daquele momento é mais importante do que o que está sendo dito. estou me tornando só sensações. sensações críticas, mas sensações.
é claro que o zaratustra faz uma fábula crítica maravilhosa, uma capa cínica poderia pingar rancor ali, mas eu não. me reconheci em cada linha daquele trecho. não senti que ele estivesse inventando coisas, nem que não estivesse sendo violento comigo, escabroso com os outros, eu poderia citar um trecho como uma espécie de "recado". mas eu não jogaria pavões na cara de nenhum outro poeta, pelo contrário, eu cozinharia os pavões para comer e os adoraria passeando no meu jardim, adornaria minhas paredes e pernas com suas penas e os deixaria procriarem livres. nasci pra me lambuzar em pavões.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

direto do túnel do tempo

Quantos nomes em teu nome,
não te cansas, não te gastas, não?
Ou foi agora e é por isso
meu cansaço, esta falta
de forma e lugar?
Este amor tão incapaz?

Quantos nomes sem teus dons?
E eu, que tantas vezes
acertada fui na testa
pela seta que enverga
sem nunca se quebrar
estou às lascas.

Outros te chamaram deusa
profetisa do esquecimento
lucidez embriagada
raiz de musgo sobre a rocha
caixa encoberta de pó
sem nada dentro, poesia.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

hoje eu entendi uma meia dúzia de coisas, mas como elas se processam lá no fundo do meu mundo eu ainda não vou dizer nada pra ninguém porque a minha intimidade compartilhada é bem menor do que parece ser. inclusive não estive útil às três da tarde mas eu segui adiante que nem só de utilidades altas e propósitos das mais altas naturezas vive a vida. 

*

trazer dicionário de símbolos 
martelo 
estante 

(a respeito da conversa que tínhamos mais cedo)

como dizer que do desejo já entendi o reverso, e do reverso encontrei o avesso travado em laços despeitos formas de gelo mas eu só engasgo por cansaço. 

demolir uma pessoa 
o quanto a pessoa 
demolida a pessoa 
 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

repente

madrugada total provável recurso do desgaste foi alavancar uma concentração radical na ansiedade do necessário a ser a ser a ser a ser feito. feito fazendo um ser. mais tarde, cortando tabaco com uma tesoura acordei pela repetição fazer a tudo que se repete como um gesto sagrado, não ser uma pessoa moderna monótona esperando das revoluções algum traço a mais do que um círculo quando muito nítido num telescópio bem limpado. veja não estou fazendo concessões a vida só poderia ser total. sei q cada um dos gestos q a minha ansiedade imaginou eu tirei o dia pra cumprir. espero a calmaria como quem liberta os ombros, mas não agora ainda. é tempo de começo. Oxaguiã. a ponta de um círculo só existe se o quebra ou quando é vista num golpe de sorte por quem estiver no meio.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

sou uma poeta sem inéditos e assim eu me sinto como uma poça sem água. conheço meia dúzia de mandingas, noite dessas sonhei que o chão virava água, mas não sei, novamente, como é escrever e é por isso que eu tenho escrito qualquer coisa por aqui. que é pra manter a máquina rodando. uma vez li uma entrevista com o Gonçalo M. Tavares em que ele dizia que antes de começar a escrever, ele escreve durante 3 horas seguidas. "pra ligar a máquina". escrever é antes/durante/depois de tudo um gesto.

em Lisboa tive a sorte de ter aulas de escrita de romance com o Gonçalo M. Tavares, que é tão inteligente que conseguia ensinar os alunos a pensar, a ver, a observarem a diferença entre ver e olhar e observar, mas não a escrever. as apresentações de trabalhos de curso de escrita de romance de GMT eram orais.

não cheguei a apresentar nenhum trabalho, as aulas sobre Hamlet me consumiam toda a energia e chegaria a dizer que aproveitei algumas deixas interiores pra desistir de tudo algumas vezes naquele ano. seis meses antes eu tinha terminado o mestrado e um livro inteiro, os dois ao mesmo tempo. nunca vou ter coragem de reler minha dissertação e meu livro ao mesmo tempo, mas eu sei que há uma ponte, um vale, um rio entre eles, que os une. talvez eles sejam a mesma coisa.

e eu fico tão obcecada num só objeto, daí o objeto fica pronto, eu morro. e é sempre uma morte lentíssima a ressurreição. então eu só escrevo não é nem pra passar o tempo. é porque quando escrevo não tenho a mínima ideia do que estou fazendo. e é isso, o que eu amo.

terça-feira, 3 de maio de 2016

sempre que muita coisa acontece na minha vida alguma realidade desloca a retina e eu começo a ver nas pessoas da rua gente que não existe mais na minha vida e eu acelero vou pra cima só conheço o êxtase o pleno agudo não sou uma pessoa de nuances embora esteja na sintonia. dez anos atrás eu procurava meu reflexo nas vitrines porque o eu precisava saber quem o eu era, eu conhecia muito pouco a minha imagem. é isso Narciso sabe-se muito pouco nele mesmo, então quando se vê se desconhece e se fascina o desconhecido se afoga. todas as profecias que sigo pregam o autoconhecimento, o eterno descascar da cebola. eu fiz psicanálise anos até que apareceu a ayahuasca que olhou pra cebola e disse assim "cebola? que cebola? agora vai ser manjericão! hortelã! rizoma! e esse pedaço aqui não adianta explicar que está meio podre por isso ou aquilo, esse pedaço está podre! e o podre? vai pro lixo".

é uma compreensão mais material a que alguns dos psicotrópicos trazem pras consciências. sei que eu ando vivendo tanta coisa que na hora de ver ando preferindo assistir netflix do que ter visões, sobretudo com pessoas que já não sei quem são no meio da rua. vi nos ombros envelhecidos de algum velho os ombros envelhecidos que ele teria hoje, a corcunda. agora imagine dizer pra alguém: lembrei de ti na corcunda de um velho. viver pode ser tão velho.

e sempre que minha vida muda uma burocracia vem junto porque sou da ordem dos materiais, dos que usam papel, daqueles que constróem/são as naus de si mesmos. toda uma papelada pra se ser quem se é e pernas pra que te quero.

só hoje eu andei uns 14 quilômetros sem nem perceber. sempre que mudo me torno a andarilha que eu sou do fogo alado nos pés como os exus, mercúrios, transpondo, trazendo e voltando. nasci pra intérprete e não sei falar nenhuma língua. quando a vida muda já não me procuro mais nos reflexos, mas ainda preciso sentir o chão embaixo dos meus pés. o chao do sal da terra o chão. então eu não sossego, eu quero é mais. é que morrer deve ser muito chato.
um mundo em que alguém diz pra outro alguém
"a paixão que eu tive por você, lembra? meu psicanalista entendia que ela era uma crise narcísica"
é um mundo que precisa de um longo carinho no umbigo

sexta-feira, 29 de abril de 2016

na antevéspera da morte da minha avó, no ano passado, eu sonhei o que está aí no link. passei os meses seguintes a sentir a morte pairando por redor alto em cima tudo nuvem chumbo & eu resistindo com música.

adoeci umas semanas antes da minha avó morrer (na minha vida grandes adoecimentos tendem a anteceder acontecimentos tenebrosos, não é a primeira vez que me acontece) e achei que o sonho falava disso. mas não. o sonho, como a doença, antecipava o futuro. o sonho do dia 18 de julho me dava a receita para atravessar o pós-19 de julho.


sei que hoje, quer dizer, nesta última noite, sonhei que estava no mesmo consultório que no sonho de 10 meses atrás. só que dessa vez estava com a Lisa, uma enfermeira de medicina chinesa que já me ajudou algumas vezes a ficar bem de modo muito humilde e pouco ostensivo. eu estava deitada numa maca, a Lisa vinha com um sorriso e a Lisa me enrolava a coluna numa posição como um caracol, envolvia minhas pernas no meio do meu pescoço, até que eu fiquei completamente confortável.

quando atingi o conforto total, que paciência, que ternura por existir num corpo, a Lisa me desenrolou calmamente, eu então percebi que tinha deixado a posição fetal em que estava e a Lisa disse "pronto, você acabou de nascer, agora você é você mesma". e eu acordei, muito agitada, porque nascer, vamos combinar, nascer é muita coisa ao mesmo tempo agora.
cheguei no poupatempo pra habilitar meu título de eleitor cerca de 3 horas da tarde, uma fila gigantesca chegava até a porta de entrada, fui pedir informações no balcão principal, voltei pra fila da porta de entrada, a atendente da fila. sim, uma atendente no final da fila (o Brasil não para de me surpreender, cada final de fila tem uma pessoa responsável por ficar no fim dela explicando pra quem chega que aquela é a fila exata, sim, ou não) me diz "a última pessoa que vamos atender nas próximas 2 horas é este senhor aqui"; eu respondi "esse senhor na minha frente?" e era, e eu tinha chegado 4 segundos depois que o senhor na minha frente que era o último da fila. desgraçados sejam os segundos que levam ao imprevisto.

resolvida que não voto desde 2008 e determinada a que isso não continuasse assim, perguntei que horas eu conseguiria ser atendida. não satisfeita com a resposta "volte amanhã", insisti e ouvi da atendente "talvez às 17h voltemos a abrir para atendimentos, vai depender da demanda do sistema".

e eu "demanda do sistema? mas como vocês dizem que ficam abertos até às 19h pra esse tipo de serviço e faltando 4 dias pra o prazo final eu só vou ser atendida se uma 'demanda do sistema' funcionar?". com o nada feito da demanda do sistema (what a fuck? não consigo lidar com esses conceitos ambulantes que viram triviais verborrágicos), resolvi ir até o mercado da Lapa, que é um micro lugar de preciosidades, por exemplo eles vendem as melhores velas de 7 dias que alguém já pode ter encontrado, cachimbos e sedas a preços módicos, e tem as melhores lojas de ervas que já vi: duas, uma em frente da outra, com tudo fresco. ervas pra culinária? também. mas ervas pra medicina. e as plantas têm uma capacidade muito curiosa de cuidar tanto do emocional como do espiritual das pessoas.

no mercado fiz uma hora, entre outras coisas descobri com o rapaz da loja que "canela de velha", a planta que uma senhora comprava, serve para osteoporose. não conseguia discernir com tanto verde sendo vivo ali ao dispor e com tanta especificidade de ervas frescas comprei um trivial ramo de arruda bem farto, enfiei no bolso do casaco e voltei pro poupatempo, sem não antes dar uma olhada em pijamas, que o frio chego. entro no poupatempo com o ramo de arruda no bolso esquerdo, grandão gigantesco, eu a samambaia ambulante do amuleto, voltei, agora vocês vão me atender. não eram 17h, eram 16h20 e como eu desconfiava, já atendendiam novas pessoas. a fila estava minúscula, colei no fim dela.

aí no fim dela vem outra atendente que me diz EXATAMENTE a mesma coisa que de 1h30 antes. eu falei "amiga, não tô acreditando que hoje é meu dia mesmo, também quem mandou trabalhar com astrologia e vir aqui justamente no dia em que mercúrio foi completar a turma da retrogradação de vez e 70% do sistema solar tá andando pra trás?!!!! e eu esperando justiça eleitoral...". quer dizer, eu sorri e expliquei, e argumentei e fui simpática e exigi os meus direitos e reclamei e sorri novamente e fui ficando no fim da fila até, simplesmente, entrar pra área dos que iam ser atendidos porque eu me parecia um deles. uma mulher atrás de mim fez a mesma coisa. o Brasil é mesmo dos gregários cheios de jeitinho.

quando eu já estava com senha a atendente voltou e me disse "isso que dá ser esperta e discreta, outra pessoa não tinha conseguido" & a mulher do guichê comentou que dava pra sentir o cheiro de arruda de muito longe, mas que ela achava que vinha de outra mulher e eu reparei que a outra mulher era negra e pensei "o que pensar disso?". então olhei bem pra arruda enquanto ela conferia meu endereço e preenchia no sistema cheio de demandas, quando percebi que o cheiro de arruda tinha aberto minhas vias respiratórias e eu tinha parado de espirrar porque deusnosacuda esfriou eu resfrio, tô pra renascer numa roupa de astronauta mas enquanto isso não acontece tô me valendo mesmo das arrudas & afins, cada vez mais são as formas mais imediatas que encontro de regeneração.

sei que umas duas horas depois eu estava conversando com um atendente que me dizia pra eu não reclamar da foto que ele tinha tirado porque no inverno é a época que as mulheres se vestem melhor e eu tive vontade de mostrar pra ele a quantidade de kleenex usado que eu tinha no bolso, mas sorri e falei "vai essa mesmo", enquanto pensava "jesus no título que cara de que fumei seis que eu tô". quando o rapaz me deu finalmente meu novo título nas mãos eu disse "é esse papelzinho? só isso? nossa, foi tão fácil, que emoção". ele riu. e eu pensei "vai ser a primeira vez que vou votar na cidade em que eu nasci".
minhas narinas estão queimadas pelo fogo que mora no vento frio
toda e qualquer coisa que eu fizer agora aqui ainda não é um livro
vejo imagens da escola em que eu estudei anos só que hoje
não sinto nostalgia, nem vontade de voltar pra casa.
estou em casa.
escrever ou não é só uma questão de com que música
fazer deixar a música agir no pensamento
mas hoje estou tão cansada que não consigo delirar em nada
sem recear bater num espeto um espinho uma força qualquer
esmagante também conhecida como eu mesma em dias úteis
nos inúteis esmago outros seres vivos como pequenos ácaros
deitados embaixo do meu travesseiro, eu quis dizer
inconsciente. como é bom não fazer sentido!
não sei se por anarquia ou nem aí não voto desde 2008.
não há exorcismo como o da música nem delírio esquecimento, nada

quarta-feira, 27 de abril de 2016

depois de um copo de água morna a primeira coisa que eu vi hoje de manhã foram umas mensagens do Ribão fazendo uma amorosa resenha do meu livro por WhatsApp do outro lado do oceano, eu ainda não tinha tomado café e não entendi nada, enquanto eu não entendia nada uma menina me escreveu perguntando se eu dava consultas de "orientação espiritual" e eu pensei no que não faço e é tanta coisa testes vocacionais nem falo que elx vai se divorciar ou não só porque é o que a ansiedade paga pra ouvir, mas à pergunta dela eu respondi que "sim".  tivemos também que arrumar o estoque de livros e descobrimos que uma cadeira apodreceu e que um gato mijou no obelix d'Aquele quartinho. aí eu ajudei um homem muito bonito e conversei com nosso amigo advogado amigo e fui me sentir atrasada com algumas coisas gravei um vídeo que vai passar até no Peru recebi umas coisas às quais não consegui reagir e finalmente o Daniel Faria chegou aqui em casa comi cogumelos e depois comi bife que proteína não me falte quando me sinto em colapso, passada essa parte deitei com as pernas pra cima, não entendi nada das notícias nacionais. minha mãe está gripada meu pai está bem quando falei com ele ele reclamou de alguma coisa mas eu não prestei atenção direito no que ele estava falando e no final do dia falei com minha sogra no telefone que me disse que eu faço muito bem para o filho dela e averiguei no site da justiça eleitoral o que é preciso fazer pra que eu saia da situação de indigente cidadã perante as urnas que vão dar nisso que já deram, mas, olhe, são tantos planetas retrógados no céu é por isso que tudo está muito lento agora revisando rewind é uma espécie de vento ao contrário e eu sei com um só gesto como fazer chover cometas e meteoros da ponta dos meus dedos se tenho as palmas das mãos muito abertas.

domingo, 10 de abril de 2016

a velha foice do futuro

são três os caminhos. parei por aqui na esperança de que depois soubesse pra onde ir. acontece que lá atrás ficou quem sabia as respostas. as mágicas e as substâncias vão comigo para onde quer que eu vá. só tendem a aumentar. eu disse isso na lista dos prós, nos contras há o medo, o receio do salto grande grande alto cabrum! o erro. gosto tanto do sim quanto do não, por isso penso muito nas coisas, muito no caso a caso. 

*

fiquei pensando tanto que não consigo sair do sofá. muito mais rápida do que eu: a realidade. muito mais rápido que a realidade: o pensamento.

*

mil anos atrás eu tive um namorado que dizia que a ansiedade é como um carro afogado. você pisa tanto no acelerador que o motor paralisa por excesso combustível.

*

convites para ir.
a imprecisão do futuro.
o amor pelo adiante.



*

sem saber do futuro
amo o adiante
arrisco pelo instante
meu nome: duração

há mil anos um amor
deu-me um espelho
dizendo: arisca te deixo
sozinho me encaixo

no / nú

eu amei aquele
adeus como amo
todos: o sim o não
têm tantas lábias

o passado, o futuro

*

alguém me disse que as pessoas dividem-se nas que ambicionam o futuro; nas que estão presas no passado; e as que aceitam o sempre presente.

ouvi dizer que as pessoas dividem-se nas que preferem o sim; nas que preferem o não.

todos que criam hierarquias assim acabam por conhecer os seus contrários. lei do mundo: os diversos onde tudo é mútuo.

perdido mesmo é quem achou, pois fez do perder-se o conhecimento do achar-se.
e vice-versa.

isto é incompreensível.
eu sei.

quarta-feira, 30 de março de 2016

essa noite sonhei que o saguão de entrada do prédio das férias litorâneas da minha infância tinha sido todo reformado de forma a tornar-se aquilo que era "originalmente". era lindo! no lugar das paredes de pedra o edifício tinha grandes traves de madeira em forma de céu de planetário e em cada pedaço do "céu" existia algum conhecimento demonstrado.
por exemplo, havia uma área para o que se sabia sobre as plantas e suas funções. e era tudo em imagem, não havia uma só palavra pra explicar as coisas.
ao mesmo tempo, no saguão, um bando de amigos brincavam um jogo que simulava ser xadrez, mas eles mudavam as regras do jogo o tempo todo, e eu sabia que o nome daquele jogo era "a invenção do fogo". 
só depois de acordar percebi que todos que estavam no sonho além de mim eram pessoas do signo de áries. 
e faço assim: um pouco como os eles do sonho fariam: beijos para o momento do eu, em que o não-eu não vai entender muito bem tudo que quero dizer com isso. e aí? o fogo!

quarta-feira, 23 de março de 2016

advice

não tem a menor ideia de onde se meteu, não mexe comigo, que eu não ando só.

superstar com você

o melhor lugar do mundo é aqui e agora: esse blogue.

serei sempre uma escritora de blogues meu deus como eu sou obsoleta 
outros pérola, viaduto 
eu serpente envenenada de luminosidade terrestre fluorescente 
  

Hello darling

pela primeira vez na vida eu não dei de cara com a parede.
eu freei. eu não recuei, embora recuar seja de uma nobreza de espírito daquelas, recuar eu não recuei não. 
eu parei antes da parede. não dei pinote, eu caí num abismo atrás mas me segurei numa arvorezinha que estava na encosta aí não dei trambolhão lá embaixo. eu fiquei em cima. eu estou em cima. talvez eu tenha que descer mais um pouco mas tenho medo de ficar lá embaixo. 
recusar eu recusei tanta coisa a que eu queria dizer sim
mas sim não significa necessariamente abertura 
fazer uma ponte
um conectivo 
sim não significa sim necessariamente 
tem não que é um sim danado 

putz 
o farol não abre eu nem sei pra onde
mas eu vou andando 
depois enquanto isso normalmente 
esse monte de palavras que não dizem nada aí em cima 
o nada iluminando lá de cima
dizendo

domingo, 6 de março de 2016

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

oi, alforria
não me esqueci não de você 
viu
já volto
querido

sábado, 13 de fevereiro de 2016

que meu avô, dizem, era meio bruxo, era coisa que eu já sabia desde antes de nascer, que procurou isso tanto quanto o acaso lhe deu.

mas foi só uns dias atrás que ouvi uma história sobre uma margem em curva do rio Piracicaba onde houve uma matança tão grande entre diferentes bandeirantes que disputavam índios e terras e tudo que traziam que mataram-se uns aos outros mais de uma centena de homens.

tanto sangue sem dó houve lá que se dizia daquele lugar que era amaldiçoado. que, passados tantos séculos, vozes gritavam de madrugada ainda pedindo por salvação e luta. que o vento ali zunia tanto que uma pessoa era capaz de perder os sentidos se lá ficasse muito tempo. a começar pela audição. dizia-se de lá também que os capins tinham faces de espinhos e sibilavam nas pernas de quem lá entrava. até as plantas deitavam sangue.

meu avô foi lá passar quatro vezes as noites. sozinho no escuro fazia das suas. não tinha medo? de nada, é o que me respondem os que o conheceram. ali trazia como escudo os gestos da paz. negociava, intermediava, fazia caminhos e traçava limites. tudo, tudo com as mãos, as palavras e os gestos. ou isso sou eu que imagino. aquele mato denso e escuro e ele se confundindo com as folhas pra poder pelo poder transformar poder. mas ele nunca explicou pra ninguém, nem fazia muito alarde.

então um dia meu avô chegou em casa e disse para o meu pai "pronto, sossegou, 'tão em paz. não tenho mais que voltar lá". e nunca mais voltou.

domingo, 10 de janeiro de 2016

capricórnio



ontem na minha festa de aniversário me perguntaram quando eu escreveria aqui sobre o signo onde o Sol astrologicamente se encontra em todas as transições de ano do calendário gregoriano: Capricórnio. para alguém de outro signo, talvez, esse pedido soasse como uma cobrança fora de ocasião; mas pra mim, que sou de Capricórnio, essa lembrança soa como uma confirmação: trabalho, por prazer & firmeza, este meu lugar no mundo e sou o que faço em qualquer momento da minha existência. que eu escreva, então, de ressaca ainda, enquanto a Lua nova se encontra em Capricórnio e eu ainda não fiz realmente aniversário.

dia desses eu conversava com meu sobrinho de 11 anos, que nasceu na véspera do Natal e que anda interessado em saber mais sobre o nosso signo. ele perguntou: "o que nos define?". eu respondi, na lata: "que nascemos velhos e vamos, aos poucos, descobrindo a alegria disso". ele ficou muito incomodado: "mas que graça tem isso?" e eu respondi "quando me disseram isso eu era mais nova do que você e também detestei. mas com o tempo você vai descobrir". e o lembrei do mesmo menino que ele foi, com 4 anos de idade, me dizendo que andava muito interessado em calendários.

o tempo é aliado dos capricornianos e é por isso que dizem que gostamos de agendas, calendários, compromissos porque, de muitas maneiras, Capricórnio tem a ambição de obrar todo o fazer (im)possível para possuir o seu poder. e o poder da Cabra-Peixe é dominar esse tambor de todos os ritmos, senhor das rodas que nos esmagam e nos constroem: o tempo.

mas o que é o tempo? a melhor definição por milênios é a de Santo Agostinho: que diz algo como: se não me indagam o que é o tempo, eu sei dizer; mas se me perguntam já não sei responder. como o tempo é muito maior do que um indivíduo, amadurecendo Capricórnio aprende que sendo o tempo um aliado, não se pode deixar que ele facilmente se torne um inimigo. não vai dar tempo de fazer tudo que a ambição deste signo quer colocar no mundo e, se não aprender a delegar e a conviver com os outros & os outrem (coisas nas quais Aquário e Peixes serão os mestres) Capricórnio arrebenta. e assim, Capricórnio aprende o que não desejaria: que, como todos, não nasceu pronto para nada. e aí, Capricórnio se torna.

isto porque Capricórnio facilmente vira um servo do tempo: como associa viver com sua imensa capacidade de fazer, Capricórnio pode se desgastar pelo tanto tempo que utiliza fazendo. Capricórnio também tem de aprender que embora o planejamento, a capacidade de antecipação e previsão sejam excelentes instrumentos, elas também não dão conta do imponderável que é viver. e aí Capricórnio nota que tem um rabo de peixe, quando percebe que o imponderável vai sempre mostrar que há uma grande ingenuidade em qualquer tentativa de controle. Capricórnio descobre assim carregar nas suas ambições a ingênua criança no seio da velhice, onde velhos e crianças são manifestações simultâneas da mesma natureza em seus ciclos.

os raríssimos capricornianos humildes que conheci não se vergam a nada nem a ninguém, mas com respeito se curvam ao imponderável dos acontecimentos, aprendem a se reposicionar conforme as coisas acontecem & reconhecem que dentro de todo velho vive uma criança que nada entende. a ingenuidade! fecunda mundos. e ensina o velho a rir de si mesmo. assim, os capricornianos são, antes de tudo, os alegres melancólicos do zodíaco. porque já viram, ouviram, reconheceram de tudo e, embora ainda queiram mais, sabem que sem podar, sem ceifar, sem limitar não há o que cresça, sem tijolos e pedras não há o que se faça para se construir uma fortaleza.

mas Capricórnio tem de aprender também que se preocupar, quer dizer, se ocupar com antecedência, não vai trazer um controle mais garantido pras coisas, pelo contrário, vai dificultar o rebolar do esqueleto da rígida estrutura em que Capricórnio se preveniu de tudo. diferentemente do seu primo mais novo, o cardinal Áries, Capricórnio tem que aprender a dizer sim ao que não imaginou como possível. dizer "não" é o caminho mais fácil para Capricórnio e, por isso mesmo, o mais rígido e sem experiências também.

Capricórnio também é a sociedade, o entendimento das regras sociais, das normas que regem a vida entre as pessoas. é claro que isto faz de alguns capricornianos regrados, medrosos, convencionais e também os maiores caga-regras que existem (sorry aos outros signos, mas esse troféu, esse topo também é nosso). mas também é evidente que o entendimento sistêmico das realidades sociais pode ser uma libertação: por reger a moral social, Capricórnio pode perceber que a variabilidade da vida é tamanha, tão ampla, que assim faça cada um o que quiser, a responsabilidade é de quem a tem, pois embora não seja tudo lei, todo ato e gesto lhe será cobrado/recompensado por Saturno, este nosso mestre-regente.

além disso, conhecer as normas e as regras com inteligência pode significar perceber, justamente, o que é preciso ser desmontado pra que a gente chegue na estrutura das coisas. pra citar, rapidamente, três capricornianos que fizeram disso as suas obras: David Bowie, Simone de Beauvoir, Gilles Deleuze. usando esses três casos de exemplo, outros podem dizer que Capricórnio está na frente do seu tempo, mas eu digo outra coisa: Capricórnio está tão fincado no seu próprio tempo, que suas raízes se aprofundam com firmeza na Terra.

por reger as estruturas, tendo a ver Capricórnio como uma alta árvore no alto do cume e, lá de cima, a velha árvore vai muito alto porque está muito ligada a profundidade das coisas. e aí, minha gente, as árvores sabem bem envergar com o vento, já a Cabra-Peixe tem que aprender a ter o que não tem: jogo de cintura.

Capricórnio é o ancião que se retira do mundo para entender o mundo. com sua metade cabra Capricórnio escala todas as montanhas, com seu rabo de peixe Capricórnio mergulha nos mais escuros dos oceanos. se é regida por Escorpião, a ancestralidade também é de Capricórnio, pois é este signo que conhece a tradição na sua estrutura, de tanto a trazer em si. e reconhecer o dom e o peso que isto é, é árdua e doce tarefa capricorniana.

gosto também de lembrar do capricorniano que foi Oswald de Andrade, que na sua autobiografia conta a chegada de um circo na cidade, no final do século XIX, com uma grande máquina de fazer gelo. o antropófago nos conta que todas as pessoas estavam em êxtase, impressionadas com aquela novidade, mas que ele, poeta de nem 10 anos, olhou o que nunca tinha visto (o gelo) e disse assim "mas eles estão impressionados com isto? mas é só isto?".

por ser o mestre da realidade, o problema da realidade para Capricórnio é que ela nunca será suficiente e, por isso, Capricórnio se coloca a obrar as coisas que não foram feitas, ou que não foram feitas suficientemente bem, quer dizer, as coisas que não são estáveis e nem duráveis. aí também o rabo de peixe do símbolo vem mostrar a natureza deste signo: ser híbrido, místico. místico? sim. é curioso que a astrologia moderna das revistas de comportamento tenha praticamente esquecido a ligação deste signo com a magia, dando muito privilégio a ambição capricorniana de possuir dinheiro. certamente o dinheiro interessa aos capricornianos, afinal o que é o dinheiro além do poder simbólico por excelência, de transformar um símbolo em matéria? e o que deseja a magia e a construção, o projeto e a bruxaria, além de transformar a realidade simbólica em obra?

construtor de pontes, sistemas de pensamento, castelos & masmorras, Capricórnio é o signo cardinal de Terra e vem utilizar aquilo que Touro gerou com sua fertilidade e Virgem selecionou com seu crivo. entendo que Touro é a matéria, Virgem a transforma em matéria-prima e Capricórnio a utiliza para fazer a obra-prima. de modo que seu espírito ganhe um brilho definido.

dizem de Capricórnio que, no limite, somos frios. certamente temos muito a aprender com a ternura do nosso oposto complementar que é Câncer. e eu acho que sim, somos frios porque somos práticos, e somos práticos por quê? oras, porque assim ganhamos o tempo. se haverá esforço? rigidez? bem, o que usaremos pra isto, fica guardado em sigilo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

das situações mais exóticas que já vivi foi na Bahia. estávamos na praia com o Veneno, um cão que eu gostaria que fosse meu, ou espero um dia ter um cachorro tão fiel e inteligente como aquele.

nos aproximávamos dos corais e eu vi, lá longe, uma menina com alguma coisa amarrada num anzol, colocando essa coisa indiscernível no meio das pedras marítimas. percebi no veneno uma flexão de narinas peculiar e quando pensei "hora de colocar a coleira nele", ele já havia disparado e ia correndo em direção da menina.


chamei, gritei, nada, o Veneno foi no seu alvo: a menina não, embora ela tenha entrado em pânico pela fama de ser malvado que aquele cão tem naquela ilha. mas era nada, Veneno era antes de tudo um revirador de latas de lixo na madrugada, e foi direto na isca que ela pendurava com um fiozinho de nylon amarrado numa varetinha e engoliu.

eu corri na direção deles, então a menina saiu correndo em direção da mãe e dizia "ele comeu!!! não vamos ter o que comer!!!". eu não sabia com o que entrava mais em pânico e perguntei "tinha anzol na isca?" e ela com a mão "DEEEESSSSE TAMANHO", e o anzol tinha o tamanho de um polegar e estava na isca que o Veneno tinha engolido e que o fio de nylon não permitia que fosse parar muito longe.

então o cachorro começou a chorar. a menina também, começou a chorar. eu, como não choro nessas situações, abri a boca do Veneno e meu marido enfiou a mão na boca dele e começou a puxar o que estava lá dentro pra fora.

"é frango", disse a mãe da menina. e o Veneno gania de dor. eu já imaginava o anzol cortando a garganta do Veneno, ou a língua caso a gente conseguisse arrancar, me imaginava numa lancha a caminho do hospital veterinário mais próximo, e tendo que, ao mesmo tempo, arranjar alguma coisa pra que a menina comesse, quando entre puxão e tossida, o cão regurgitou aquilo que tinha engolido numa só vez. o anzol, graças as graças, estava completamente escondido dentro da carne do frango.

um cão é um animal forte: engole um anzol dentro de um pedação de frango com osso e tudo numa bocanhada só e depois o vomita e está tudo bem. a menina ficou felicíssima de que o frango tinha voltado a ser a isca pra ela.

nunca consegui imaginar o que é que aquela menina pescava num coral com um pedaço de frango daquele tamanho, sendo que ela poderia comer o frango, ou seja, devia ser algo mais substancioso. ou especial. não sei.

só sei que tenho feito tanta coisa na vida que eu não esperava nunca ter de fazer, que às vezes só posso entender que a realidade é um anzol num pedaço de carne dentro da garganta de um cão chamado Veneno.

domingo, 3 de janeiro de 2016

é uma sensação de esgotamento, é um exagero, é próximo da morte. já é a terceira vez que sinto isso assim. não é que seja de repente, pelo contrário, é uma morte construída dia a dia, mesmo quando esquecido o objetivo, tem uma coisa se tecendo. um tecido de fundo. esquecimento e trabalho. espera e recusa.

desde que fiz um livro quero sempre estar a fazer um livro, quero estar na duração do durante. a Clarice dizia que quando não escrevia, estava morta. eu hoje soube que tinha encontrado, depois de meses procurando, a forma final, a ordem entre os poema, eu soube porque senti primeiro uma trava, um amargor, onde buscar o ar? cansei. já sei, fui expulsa. acabou.


eu não soube porque sou uma pessoa inteligente que verifica cada encaixe. não escolhi os temas. não apontei os objetos com os dedos. no entanto eles estão todos lá. é alguma espécie de caos, há quem vá chamar de bagunça, outros de intuição. eu diria: ter uma luz que ilumina: porque há ligação, alguma coisa invisível que traz fluência, certa luminosidade e sombra, há umidade e secura, algum equilíbrio, respeito. ao mesmo tempo que os poemas ficam lá todos, ficam sozinhos disputando. são uns gladiadores. e às vezes uns travesseiros.

amanhã o livro vai para a editora. daqui uns dias para o revisor. em 15 dias vai estar nas mãos do paginador. tantos amigos.

o esgotamento é resultado de uma dedicação. todos usam palavras, embora eu use as mesmas, e tanto as usem comigo, sou por elas usada enquanto vivo. quando já não tenho mais nada a dedicar para aquilo, quer dizer, quando já não precisa de mim, me manda embora. eu acato, sem resignação. é um pouco triste esse adeus. penso e dou um sorriso. deve haver quem sente êxtase numa hora dessas. mas escrever um livro não é, exatamente, uma glória. isso é mistificação. e, como a literatura vive de mistificação "Seiva, veneno ou fruto", é o nome do místico que não é homem nem mulher, criança nem bicho, planta nem vento, água nem olhos. embora seja tudo isso.

não tarda, provavelmente em março, o místico sairá com quem o quiser.
e eu? vou dormir.
 

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