sexta-feira, 24 de junho de 2016

Saturno

grande parte das pessoas que procuram meu trabalho como astróloga estão muito fascinadas, amassadas e/ou erigidas por Saturno. tem gente que não pode nem ouvir falar dele que se recolhe, ou melhor, endurece.

entendo Saturno como o eixo, a linha invisível. Saturno é também a nossa moldura e ela despenca quando os remendos que a gente coloca na gente mesmo estão excedendo os limites da nossa integridade.

sendo um dos senhores do tempo e por excelência o velho, aquele que ensina, que cria a disciplina, Saturno é antes e depois de tudo um mestre. mas não se enganem, Saturno é onde precisamos descobrir a nossa capacidade de disciplina sem que esta seja regida pela normalidade social. Saturno não tolera os desleixados com o próprio caminho e amedronta os cumpridores de papéis.

cumprir um papel social é uma das máscaras de Saturno, que pode, ou não, vestir bem na nossa cara a ponto de nos identificarmos com ela, mas também pode se tornar uma armadura que criamos para nos defender do medo de não correspondermos. mas correspondermos ao quê? à fantasmas, projeções das nossas imperfeições que nos avaliam? ou a crueza radical da integridade? dizem que as coisas quão mais rentes dos ossos mais doem.

Saturno não perdoa ilusões. é uma espécie de ajuste de contas de nós com nós mesmos. assim, Saturno traz, muitas vezes, frustração, uma sensação constante de que precisamos cumprir com alguma coisa e que não vamos dar conta. e a gente só consegue cumprir o necessário quando nos livramos do excesso de peso de ter que cumprir. e aí, simplesmente, com o pouco limitado que cada um de nós é e pode, fazemos.

Saturno é dos ossos, das articulações, da pele. sendo a estrutura, facilmente é rígido e por isso costumo lembrar às pessoas saturninas que conheço o que tantas vezes diz o I Ching: que o rígido quebra enquanto o flexível entorta. seja como o bambu que balança com o vento sem se fraturar.

é a fronteira, Saturno. aquele lugar que se atravessarmos não sabemos o que será encontrado. onde não queremos que ninguém entre. e quando atravessaremos a fronteira, embora com medo, descobriremos quem somos. Saturno é a impossibilidade de se fugir de quem se é. costumamos carregar coisas demais, muito mais coisas do que precisamos e, assim, Saturno vem com a sua foice ceifando, porque menos é mais. a gente se sente perdendo alguma coisa, mas no fundo vamos ficar mais leves, mais precisos, só com o necessário.

costumo dizer que Saturno é um trilho e é por isso que em trânsitos intensos dele a gente se sente meio que arrastado pela vida. a intensidade em quilômetros ou metros desse arrastamento vai depender de quão longe/perto se está de si mesmo. mas não é, veja bem, uma questão de mérito ou culpa, é uma questão de responsabilidade.

sendo uma nuvem de chumbo, os por ele atravessados costumam chegar com uma epígrafe ao lado "os ombros suportam o mundo". a melancolia muitas vezes pode levar ao sofrimento naquele lugar onde Saturno está. a nuvem de chumbo também é uma imagem que eu uso pro luto. Saturno encerra, delimita, poda, finaliza. a nuvem de chumbo chove, desce pelos nossos ombros, atravessa os joelhos e pela sola dos pés nos enraíza ao chão do que somos. e eu diria: é mais prudente entrar descalça em si mesmo.
 
 

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