terça-feira, 27 de setembro de 2016

não consigo entender como existiam cidades antes de existirem fones de ouvido tocando música para as atravessar.

*

percebi que faz um ano que só escuto música de macumba e que só escrevo quando estou andando na rua. não tento registrar. e pra além de ouvir música enquanto escrevo, gosto mesmo é de escutar música andando. e como tenho andado demais todos os dias, eu tenho escutado muita música de macumba, com muita concentração no caminho e nos ouvidos, enquanto escrevo com a minha respiração. acho que para quem escreve poesia são uma mesma coisa: o caminho e os ouvidos. os passos. sigo sem saber onde esta exposição ao som, aos ritmos, ao conhecimento emocional e espiritual, a cada uma das narrativas que vive nestas músicas e que são sempre sincrônicas umas às outras, quando isto tudo vai acabar por aparecer no que escrevo. isto tudo sem projeto. por prazer. por acaso-destino. assim, só por andar por um caminho ouvindo tais potências. observando. quem escreve respira. as árvores são os seres que mais respiram nas ruas que tenho andado. por enquanto eu estou respirando. 

sábado, 24 de setembro de 2016

caleidoscópio

ou uma noite que sonhei com meu primeiro beijo
e me imaginei muito velha escrevendo a minha autobiografia
(que certamente escreverei um dia, já se nota)
e no lugar muito luminoso a quadra onde jogávamos
tive um espasmo tão absorto que foi
onde era timidez
os músculos se contraindo todos juntos, soltando
soltando juntos também
uma novidade


sendo que na véspera eu havia sonhado com o corpo do meu pai aos pedaços no chão de uma sala de piso vermelho e só havia um lençol curto e insuficiente o bastante


quando hoje contornei com as mãos o livro que me deste
em que cada poema escolhido pelo amigo que te abençoou
todo sublinhado pelo teu pensamento que respira
de modo que falamos a mesma língua
onde tudo nela dia a dia intensidade
os planos e os plenos da memória
ou cada um dos sítios
os cantos moídos das páginas
que atravessaram malas e foram carregados
pelas mãos, os braços pousados
no colo ou na mesa de almoço, da biblioteca
e eu, que tão rapidamente coloquei o nome nele,
embora desconheça a luz da manhã do gabinete
reconheço a mancha na capa
os riscos de uma chave
ou o dia em que ele quase se foi
esquecido num banco de comboio
como em abraços engoliu o lápis que o grifava
e se escondeu entre almofadas
que eu desconheço
desconheço o dom de desaparecer
embora possa me fingir discreta
como uma planta
tendo à luminosidade
e não compreendo a angústia
que estes dias têm
por objetivo próprio
oculto ou revolucionário
me enlaçado
como a um objeto
todo rasurado por gestos
cheios de memória
que embora fossem
não eram meus e nem são
os que eu teria
e, no entanto,
tem tanto a ensinar

Furacão é diferente de ventania
vista grossa voz ferina
há tanta brisa insípida
e alegria sem calmaria.
Escalar raios ou faíscas
independe de saber trepar
montanhas e paredões
por vezes só um túnel
pode atravessar.

Por muito tempo observo
a força das minhas mãos
têm ranhuras, não são dentes
há tanto cálcio nelas
quanto gastos, ansiedades
cortes feitos de raspão.
Por sorte há a realidade
e eu a abraço toda ela
com mistificação.
Não pego atalhos
não quero sabedoria
nem posição.

Não se sente confuso
nenhum vulcão
quando explode
procura a razão
são sem motivos
os cem motivos
de um coração.

É nele que abro
caminho e canyon
botão de camisa, rosa
este nó de marinheiro
já não sei, só você
tão simétrico
saberá desatar
em rio, corredeira
a espuma que dá a vida.
Nossa vida sem a fronteira.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Virgem




antes que a primavera chegue no hemisfério Sul, com a entrada do Sol no signo de Libra, quero cumprir o prometido, também pela minha gratidão ao signo de Virgem e aqui me ponho a escrever algumas coisas que sei e que tanto aprendo com este signo mutável.

Virgem é um dos signos responsáveis pelo manejo da informação, partilhando com Gêmeos o regente Mercúrio. diferentemente do primo mais novo, em que a alteridade é um tênue fio em que se caminha no equilíbrio de não se diferir entre o bem e o mal, ou a verdade e a mentira, Virgem lida com a informação de modo a diferenciá-la, torná-la útil, construtiva e organizada.

é por isso que a astrologia de memes de internet entende que Virgem seria viciado em tuppewares e obcecado em ter as coisas todas bem encaixadas, controladas. muitos virginianos coincidem com essa simplificação, mas outros tantos, não. provavelmente aqueles que não têm obsessões com a organização da matéria ao redor, estão preocupados em organizar o pensamento, a consciência, primeiramente de si mesmos e dos que estão ao redor. Virgem é cheio de concatenações. de métodos que vão apurar os gestos e de gestos que vão apurar os métodos.

Virgem é uma ponte entre 5 os primeiros signos do zodíaco em que as questões são mais primárias, corpóreas: nascer, comer, falar; e os outros 6 signos que lidam com questões abstratas, conceituais. dizem que é por isso que Virgem cuida da saúde, do corpo físico, do cotidiano, porque só com muito trabalho e cuidado é possível perceber o que é importante no corpo a ponto de tornar-se espírito.

trabalhador, trabalhador e trabalhador, Virgem numa fábula como a da cigarra e da formiga provavelmente seria a cigarra e também a formiga, porque sabe que todas as formas de trabalho produzem resultados úteis. se é produtor de instrumentos, Virgem é em si uma caixa de ferramentas, onde se encontram as funções de chave de fenda, pinça, peneira, escada, martelo, bandeja, tapete. e se é necessário para Virgem servir, ser útil, funcional, Virgem que cuida de si tem que prestar atenção a servir e ser só os instrumentos que realmente desejar. alô, Virgem! cuidado com quem te vampiriza.

desde pequena tenho sempre um ou mais virginianos ao meu redor, e é por isso que brinco dizendo: "tá em dúvida? consulte sempre o seu virginiano favorito". mas cuidado, tenha respeito com seu Virgem amado, porque eles podem resolver tudo por você, sobrecarregando-os ao ponto deles se sentirem tão úteis quanto usados.

se a palavra chave de Virgem é crivo, a pessoa de Virgem que não cuida de optar pela delicadeza nos seus critérios e pela despoluição da sua imensa capacidade mental, torna-se o vulgar "cricri", intolerante, arrogante com seu saber precavido. o problema aí não é nem só a fama de chato com o pessoal ao redor, mas é que a medida cuidadosa que Virgem tanto procura, torna-se desmedida e aí Virgem perde-se naquilo que mais teme: a indiferenciação, o indistinto, o pouco preciso.

dos signos de Terra, Virgem é aquele que vem entender e mostrar que rosas são diferentes de samambaias, que são diferentes de coqueiros e estes não dão amoras. tudo que tem substância pode ter utilidade, e Virgem parece às vezes um botânico coletor de amostras da vida para seus cadernos. tive um grande amigo de Virgem que na adolescência listou todas as catástrofes naturais que tinha conhecimento. um tsunami é diferente de um terremoto, e conhecer a vida é organizar a sua reverberação. Virgens são abençoados pela existência da multiplicidade. tem tanta coisa no mundo e Virgem é quem conhece todas. e como seu intelecto é também sensóreo, Virgem entende.

no entendimento, Virgem divide com Peixes o eixo da medicina, o que o torna responsável pela limpeza, pela higiene e acima de tudo, Virgem é o signo da purificação. muitos astrólogos o associam à figura da Virgem, Maria. e já cantava a canção que "da flor nasceu Maria e de Maria o salvador".

humana e divina, a associação com a Virgem traz também a marca de Virgem ser o signo da bondade. os virginianos que encontram a natural bondade que há em si, a carregam como um amuleto e parecem irradiar uma luz diferente, luz que purifica.

sábado, 17 de setembro de 2016

não sei usar pronomes nem conjunções não conheço as regras sintáticas eu me confundo-me na própria língua e isto é, é isto a minha língua 

própria como o esquecimento / esquecimento é uma palavra que utilizo demasiadamente, e é porque tenho memória 
esse espaço de trilhos trilhas rascunhos nós pedras prisões encanto liberdade lonjura encostada 
e sem definição  
uma tentativa comum de amaciar o amor sempre só na nitidez da sua purificação reunida em luz que entreteria para sempre ou quase o rigor o feixe a faixa que limita ao lado de lá ou quase quase talvez seja a minha nova palavra favorita, uma em mim improvável estética do quase que deslumbra os menos frustrados e assusta os que estão completamente de acordo com o dia a dia ou ser capaz de enfiar um garfo no olho de um sujeito que vem dizer alguma coisa para fora ou por dentro sem esquecimento é um é este alguém 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

sonhei que estávamos em guerra. um departamento de literatura de uma universidade em que estudei havia se transformado num hospício para receber aqueles que tinham enlouquecido com o som das bombas. eu tinha um envelope nas mãos, sabia que ele estava vazio, mas os loucos, misturados entre os professores, e os professores que tinham enlouquecido, e os médicos que cuidavam dos loucos mas que também me pareciam loucos, imaginavam que aquela correspondência continha um segredo de sabedoria. eu tentava não chamar atenção. alguém colocava uma antiga vitrola pra tocar uma espécie de valsa e dizia que as músicas mais recentes tinham se perdido em meio ao conflito. os loucos e os médicos dançavam, dançavam. um homem muito inteligente me tirava para dançar, ele tinha as mãos imensas e eu dizia que não, que não queria dançar. eu estava tímida. assustada com a loucura, também. ele insistia: "por que você não quer dançar?", e eu: "porque preciso voltar a escrever", disse apontando para o elevador no qual entrei para voltar a escrever.  e que estava tomado de camas para os doentes que não estavam loucos. 
 
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terei 3 falas em público em universidade em 3 meses.  
 
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é a junção do pensamento com a medicina, a necessidade de reaproximar certos pedaços de conhecimento. é bem mais que isso também. mas deixo para as entrelinhas. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

maravilhoso é dizer porém não consigo ainda quebrar o ritmo no que escuto embora já esteja quebrado se levo à sério isto que está acontecendo agora preciso ficar sem fazer porque se encho essas linhas de um sentido para além delas mesmas sinto que ainda não é o momento de escrever mas já não aguento mais ficar assim nessa convicção deglutida eu que fiz um retiro nele aprendi como respirar bem fundo alterar o diafragma e interromper uns soluços que estavam encalacrados desde muito tempo mas que agora não me permitiam dormir com os pulmões completos completa estou eu de líquidos que poderiam simplesmente irromper mas estão em dúvida se já é o momento ou se é uma completa necessidade de completar-se completamente completamente sem transbordar e assim
é uma certa convicção, não sei se fria, ou pelo menos estimulada por um fio narrativo pouco acentuado recriado nesta necessidade de dizer qualquer coisa, não por um antecedente anterior ao ímpeto, mas só pelo ímpeto de escoar mesmo. esta incontinência, a virtualidade do fazer, do como fazer, e um incômodo praticamente total ao redor de tudo, uma aura de insatisfação, também chamado e conhecido como um ancestral que invade a glote e estilhaça uma falta total, falta intransitiva, não é nem "de" alguma coisa, um acúmulo de líquidos, uma espada de cristal azul enterrada na nuca mas não não não mais. um anjo arcanjo da mesma cor da espada, talvez um serafim, eu que não conheço a hierarquia dos anjos, nem retiro deles o significado de serem simplesmente o sentido ascendente da luz, a quem eu peço, ensina-me o teu sim. já dizia a outra que tudo começou com um sim e um outro que se é ele o portador do grande coração temei não partam dele as grandes negações, este ir perdendo vestes na certeza de que não há sentinela que resista à umidade da noite a não ser que se consolide um treinamento pacífico não é por medo não que alguém permanece acordado e no compromisso 

e no compromisso.

domingo, 11 de setembro de 2016

quando já não sei mais o que fazer, assustada com ser flecha e espada, toda a violência, me abraço os próprios joelhos e me torno rocha. torço torço torço pra ser pedra de nascente, menos que cume, pois eu sou a descida pelo ventre, situada pela espuma, cantante meu gato tenta chamar a minha atenção, quem sabe eu deixe assim, de fato, de situar-me tanto em quem sou e possa, quiçá e oxalá!, transformar-me. 
é confuso, dilacerador, estar num lugar em que ouço rojões ao fundo do horizonte e tenho certeza que são bombas de gás, mesmo que não sejam. e mais confuso é o som misturado das risadas no salão de festas dos vizinhos, as risadas, o bater de copos, misturado em cima de estrondos que tenho certeza que são, mesmo que não sejam, bombas de gás. as camadas do tempo, o vento. o som e a fúria.
dizer 
a vida 
decifra-se 
reparte-se
como um bolo uma torta uma bacia 
esse posicionar-se vertiginoso 
sobre um garfo 
levando até a boca 
o ritmo da mandíbula 
o mudo 
dizer de quem mastiga 

eu só queria jantar em paz 
uma guerra se deflagrou 
ruídos rajadas eu ouvi
bombas 
de gás 
na linha do horizonte 
tanta gente só queria 
ver o barco correr 

eu acho assustador 
ouvir os vizinhos rindo no salão de festas 
na linha do horizonte as bombas de gás 
me dizendo que não vai mais falar comigo 
que é menos confuso 
estar sem confusão 

eu volto, não sei se aos poucos, de perto ou de supetão, a escrever 

tenho a impressão de que você vai 
não quero 
dizer 

ser diferente
de si
a si
sendo
transformada
 

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