sexta-feira, 9 de novembro de 2018

existem pessoas que definitivamente não sabem terminar as coisas, não sou uma delas.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

MANIFESTO POPULISTA # 1
(1976)


Poetas, saiam dos vossos armários,
Abram as vossas janelas, abram as vossas portas,
Estiveram demasiado tempo enfiados
nos vossos mundos fechados.
Desçam, desçam
dos vossos Russian Hills e Telegraph Hills,
dos vossos Beacon Hills e dos vossos Chapel Hills,
dos vossos Montes Análogos e Montparnasses,
desçam dos nossos contrafortes e montanhas,
das vossas tendas e cúpulas.
As árvores continuam a cair
e nós deixaremos de ir aos bosques.
Não há tempo para subirmos às árvores
Enquanto o homem faz arder a sua própria casa
para assar o seu porco.
Deixaremos de cantar Hare Krishna
enquanto Roma arde.
São Francisco está a arder,
a Moscovo de Maiakovski faz arder
os combustíveis-fósseis da vida.
A Noite & o Cavalo aproximam-se
devorando luz, calor & poder,
e as nuvens têm calças.
Não há tempo para o artista se esconder
acima, além, atrás dos cenários,
indiferente, a cortar as unhas,
a refinar-se até deixar de existir.
Não há tempo para nossos joguinhos literários,
não há tempo para as nossas paranóias & hipocondrias,
não há tempo para amor e ódio,
apenas para luz & amor
Vimos os melhores espíritos da nossa geração
destruídos pelo tédio em leituras de poesia.
A poesia não é uma sociedade secreta,
Também não é um templo.
Palavras mágicas & cânticos já não funcionam.
Acabou a época do Om,
chegou o tempo dos lamentos,
o tempo de lamentar e celebrar
o fim próximo
da civilização industrial
que é má para a Terra & para o Homem.
O tempo de olhar para fora
em posição de lótus
com os olhos bem abertos,
O tempo de abrir a boca
com um discurso novo e aberto,
o tempo de comunicar com todos os seres sensíveis,
Todos vós, "Poetas das Cidades"
pendurados em museus, incluindo eu próprio,
Todos vós, poetas de poetas que escrevem poesia sobre a poesia,
Todos vós, poetas de língua morta e desconstrucionistas,
Todos vós, poetas das oficinas de poesia
no coração mais profundo da América,
Todos vós, Ezra Pounds amestrados,
Todos vós, poetas estranhos, excessivos e destroçados,
Todos vós, poetas do Concreto pré-esforçado,
Todos vós, poetas cunilinguais,
Todos vós, poetas de casas de banho públicas que se queixam com graffiti,
Todos vós, que se balançam de metro em metro mas nunca nos ramos de bétulas,
Todos vós, mestres do haiku da serração
nas Sibérias da América,
Todos vós, irrealistas cegos,
Todos vós, supersurrealistas auto-ocultantes,
Todos vós, poetas Groucho Marxistas
e camaradas da classe ociosa
que passam o dia inteiro deitados
e falam sobre o proletariado e a classe trabalhadora,
Todos vós, anarquistas católicos da poesia,
Todos vós, que nunca passaram da Black Mountain da poesia,
Todos vós, brâmanes de Boston e bucólicos de Bolinas,
todas vós, escoteiras-chefes da poesia,
Todos vós, monges zen da poesia,
Todos vós, amantes suicidas da poesia,
Todos vós, professores hirsutos da Poesia,
Todos vós, críticos de poesia,
que bebem o sangue do poeta,
Todos vós, Polícia da Poesia —
Onde estão os filhos selvagens de Whitman,
onde, as grandes vozes que se manifestam
com um sentimento de suavidade e sublimidade,
onde, a grande visão nova,
a grande perspectiva do mundo,
a sublime canção profética
da Terra imensa
e tudo o que nela canta
E a nossa relação com ela —
Poetas, desçam
às ruas do mundo uma vez mais
E abram os vossos espíritos e olhos
com o antigo prazer visual,
Limpem as gargantas e falem,
A poesia morreu, viva a poesia
com os seus olhos terríveis e a força de um búfalo.
Não esperem pela Revolução
ou ela acontecerá sem vós,
Parem de murmurar e manifestem-se
com uma nova poesia escancarada
com uma nova "superfície pública" de sensualidade comum
com outros níveis subjectivos
ou outros níveis subversivos,
um diapasão no ouvido interno
a percurtir sob a superfície.
Continuem a cantar o vosso próprio querido Eu
mas pronunciem "a palavra Massas" —
Poesia, a transportadora
que leva o público
para lugares mais elevados
do que aqueles a que outros veículos o podem transportar.
A poesia ainda cai dos céus
sobre as nossas ruas ainda abertas.
Não ergueram as barricadas, até agora,
nas ruas ainda povoadas de rostos,
homens & mulheres encantadores que ainda caminham aí,
ainda criaturas encantadoras por todo o lado,
nos olhos de todos o segredo de tudo
ainda enterrado aí,
filhos selvagens de Whitman que ainda dormem aí,
Despertem e cantem ao ar livre.



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de Lawrence Ferlinghetti, em tradução de Inês Dias.
do livro "A poesia como arte insurgente", Relógio D'Água.

domingo, 23 de setembro de 2018

depois de passar os últimos dias encaixotando coisas num lugar, movendo-as de um lugar pra outro numa mudança, com uma dor lombar que sempre me acompanha às mudanças e pensando o quanto elas – as mudanças – pra mim envolvem uma negociação interior entre uma vontade filha da puta de simplesmente deixar tudo pra trás e me sentir livre e leve pelo começo e uma negociação dolorida mistura de desapego com preguiça e inércia que é resolvida facilmente pelo gosto que tenho por materializar qualquer coisa que envolva planejamento, método, ação – desejo e movimento


depois destes dias passados e com tudo já mudado e esperando por desencaixotar (o quanto fazer caixas de mudança ou malas de viagem é uma espécie de correio em que destinatário e remetente são 1 mesma coisa-pessoa atravessada pela diferença do tempo-espaço) sonhei esta madrugada que eu entrava numa loja de tintas pra comprar uma tinta pra repintar uma "parede interior".


então a tinta tinha saído de linha, não era mais fabricada. a vendedora da loja não entendia a minha pequena frustração e eu procurava me adaptar a ideia de ter de buscar no catálogo disponível uma nova cor, até que a mulher de trás do balcão me dizia "mas é que a cor da sua alma mudou, ela agora está nesta página aqui" e apontava um azul tão profundo quanto elétrico. eu olhava pra ela e dizia "eu?". e com a tal indagação acordei às 5h40 da manhã deste domingo e não dormi mais.


*


isto tudo ou simplesmente: + 1 pequeno relato de Urano rx nos 2 primeiros graus de Touro.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

romã_ pequeno poemário analógico-digital

ontem peguei um ciclo de poemas uma parte de dentro do meu novo livro inédito e fiz um livrinho
em PDF  _ _ _ no link: romã —de júlia de carvalho hansen

https://goo.gl/qw82tV



sábado, 8 de setembro de 2018

muitas vezes me lembro da professora que me alfabetizou, e como ela mostrava que as letras já podiam nascer juntas, porque ela me ensinou palavras inteiras — ou foi assim que minha memória juntou — e depois dela me ensinar a escrever "júlia" ela me perguntou: "que palavras você quer escrever agora?". eu logo quis escrever "abelha" e a segunda palavra que eu quis foi "saturno".


*


muitas vezes me pego pensando que o futuro é que determina o passado e não o contrário. afinal o futuro de toda repetição é ser presente quando acontece. traços na areia, na madeira, no fogo, o corpo todo marcado como uma nave vai se gastando pelo tempo do que atravessa.


*


mais que afeto, eu sentia devoção por essa professora que me mostrou que os sons, ou que os traços podiam juntar com outros traços que transmitiam as coisas que as pessoas diziam umas pras outras e lembro da minha satisfação de sentir o giz nos meus dedinhos grafando na lousa abelha saturno e desenhar em cima uma abelinha e um saturninho com seus anéis maravilhosos que me encantam até o último fio de cabelo. depois ficava com aflição do pó de giz e ia enfiar a mão na terra.


*


é curioso conseguir encontrar exatamente no meu corpo onde mora essa sensação de lembrar que aos meus 4 anos de idade poucas coisas me deixavam mais segura do que a professora que me alfabetizou & ter a memória totalmente visual de ler na lousa escrito por mim ABELHA SATURNO — essa sensação mora no meu tórax, como um colete quente apoiado bem no meio do esterno, pegando as omoplatas e sutilmente a nuca, esta região do respirar. deve ser por isso que escrever sempre teve a ver, pra mim, com um liberar de ombros.

*


era uma escola hippie graças às graças tinha horta cara de fazenda e nos incentivavam a caçar tigres imaginários por horas e horas. da mesma época eu também me lembro do primeiro menino por quem eu me interessei com olhos específicos e ele tinha a doce habilidade de subir no alto de um pé de manga e ficar lá em cima no último galho que era altíssimo e ninguém na escola era capaz de subir lá além dele. criança eu admirava o nenhum medo dele de cair lá de cima. hoje reflito mesmo o incômodo que ele devia sentir lá embaixo pra ter que tantas vezes se isolar no galho mais alto da mangueira. e o que me impressiona mesmo é que isto, ainda hoje, teria o poder de me encantar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

o poder do símbolo

não faz muito tempo ele me contou que escolheu me pedir em casamento quando me viu atirando gérberas cor de laranja pela janela do carro em que atravessávamos o Gerês. a proposta de casamento veio semanas depois do acontecido e as gérberas eram para o túmulo do António Variações — eu nunca levei flores pra nenhum outro morto nem parente meu na minha vida — e tinham sido muito difíceis de achar. o amor às vezes também é um troço complicado, tínhamos andado a discutir feito loucos por dias e na busca daquelas gérberas por aldeias várias não foi diferente. quando finalmente achamos uma floricultura era o único buquê que havia disponível e com ele nas mãos eu entrei pra fazer xixi no mosteiro em frente, um daqueles de séculos onde um casamento vulgar de tão luxuoso acontecia e pensei eu hein casar que coisa horrível nunca na minha vida etc etc enfim com os gerânios nas minhas mãos e ele dirigindo nos perdemos muito muitíssimo as placas da estrada e o mapa que tínhamos não coincidiam e as estradas por ali são uma espécie de superfaturação em cadeia de rotundas — a cada três ruas há uma rotunda — ou rotatória como ser diz dos lados deste atlântico. deixando o atlântico de lado e voltando as gérberas eu fiquei tão putíssima da vida de irritada que abri a janela e comecei dramática e friamente lançar flor a flor pela janela. uma a uma, mas não todas, afinal o António não podia ficar sem — e depois disto lá nos perdemos mais um pouco pelas rotundas mas levamos as flores amansados e em paz como convém aos cemitérios. anos depois eu soube que na hora que eu atirava flores pela janela ele pensou "sou um idiota. como fui capaz de fazê-la jogar pela janela as flores que ela mais quis encontrar?".

sábado, 23 de junho de 2018

vejo no outro hemisfério meus amigos saindo de férias e aspiro todos os insetos que morreram com o extermínio desejo conseguir trazer meus gatos e daria muito mas não meu aspirador por uma barra de chocolate necessário seria só atravessar a rua para conquistá-la e muitas vezes nas redes sociais eu aperto enter entre uma frase e outra só para entenderem que se trata de um texto de ficção ou de uma liberdade artificial para falar uma coisa ou outra afirmar frases sem sentido como porém o pior é o melhor em mim mas cheias de sentido pra cabeças literais cartesianas hegelianas blablabla se assustam

domingo, 17 de junho de 2018

afundar
ir um pouco mais
centrar um foco
fui me colocar no canal
o canal era forte demais
agora vai com o lamaçal sem sem fundo sem fim eu penso
não quero estar assim quando ele vier quando ele vier estarei por cima do poço
tapando ele lá embaixo sufocado de tanto sentir vontade de abrir a tampa o meu carinho
vai dizer em forma de escárnio
não recusou o éden? então toma o iceberg
e no fundo dizer as coisas assim é voltar a menina de 20 anos que escrevia em blogues
numa forma encarecida de conseguir dizer alguma coisa mesmo que a cifrasse tanto
não por verso ou ritmo mas pelo segredo pela necessidade de tornar de levar pela sombra
de empurrar
qualquer coisa de não dito por cima duma camada de açúcar chocolate cianureto e naftalina

o quê?

todas as luzes em mim multiplicam quando eu fui perceber que no meu primeiro e no meu segundo havia uma preocupação central com o "eu" que ela desapareceu no terceiro e no quarto virou um "tu". é quase sempre bom ter um "tu" no quarto até que é insuportável porque o destino da independência é perder-se em comemorações que se esvaziam — tão facilmente — de sentido. fazia tempo eu sei que não havia uma liberação dessas de sentido, que um deus dará facilmente agente de tudo recorrente e ente fundamental da aristotélica condição perdigueira da experiência.

como eu espero que não me tomem à sério e ao mesmo tempo que delicadeza maior as coisas poderiam oferecer além de um ou outro um ou outro um ou outro desaparecimento ausência intervalo silêncio degredo exílio distância etc etc etc topos contínuos das cordilherias deste bairro onde venta todos os dias muito e eu não vejo a hora de mudar de casa.

como se fizesse os dons os tons sobrecargas 

eu olho as coisas todas como algo mais a resolver pra lidar que dê trabalho e acho que isso é algo de rins cansados e vontade de passar o inverno todo hibernando uma solidão complexa de explicar porque talvez seja a primeira vez na minha vida que tenho tão absolutamente alguém em mim mesma e finalmente ainda bem ainda bem fazer alguma coisa sem nenhum propósito penso é isso que preciso fazer coisas sem nenhum propósito e fazer nada também sem isto ser chegar ao grau menos zero do sujeito individual esse apagado aceso apagado aceso apagado aceso

porque há algo nisso que é mesmo assim na minha consciência: que só se ascende / acende quando está apagado algum nível de atenção interpretação não sei se com tanta clareza eu conseguiria lidar com as coisas mais profundamente profundas mas assim eu não quero chegar a gerir a gerar uma outra hidrelétrica de potência que vou fazer de tudo pra que tenha júpiter em sagitário

júpiter em sagitário <3 em="" j="" nbsp="" p="" piter="" rio="" sagit="">

o que isto significa? que você tem que estudar. depois de passado tempo demasiado achando que já estudou bastante esqueça tudo que estudou e perceba o que você entendeu a partir do que você entendeu desfaça o que você estudou e refaça através da prática. pronto, aí sim,

quinta-feira, 7 de junho de 2018

os seios da face

descoberto o rumor dos dias
sim eu cheguei demorou
mas posso sentir
o outono nos ossos
o vento estampa
os seios da minha face


sólido é o vento que leva as coisas embora

nesta época dos 28 dias
a minha pélvis é o epicentro do mundo
eu sinto todos os meus músculos
no esforço de subir a rua
os pulmões expandem
tanto que eu tusso

sólido é o vento que leva as coisas embora

metade desse ano já passou
rostos amarelados
fria luz de mercúrio
as roupas são todas cinzas, marrom
o cinza se espraia no vento
e afia a face das pessoas
que vem na rua
que vem na minha direção

sólido é o vento que leva as coisas embora

você sumiu tanto
em cada rosto
que cruza comigo
há uma face cinza
que tem o seu rosto.

na tua grande face

descoberto o rumor dos dias sim
eu cheguei demorou mas
posso sentir o outono
nos ossos dos seios da minha face
o vento estampa

nesta época dos 28 dias 
a minha pélvis é o epicentro do mundo
eu sinto todos os meus músculos
no esforço de subir a rua
os pulmões expandem
tanto que eu tusso

rostos amarelados
fria luz de mercúrio
as roupas são todas cinzas, marrom
o cinza se espraia
pinta cada uma das faces das pessoas
que vem na rua
que vem na minha direção

você sumiu tanto
que cada rosto
que cruza comigo
do outro lado da rua
é cinza
e tem o seu rosto.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

fogo cruzado

Queria escrever com ódio o teu desaparecimento
erguer fúrias e avanços como fazem
a lava, os tsunamis e os delirantes.
No entanto mandei outro e-mail
falando do vermelho dos pássaros do Índico
como no jazz o drible da constância é a própria duração
de umas gotas de chuva na nuca
região fadada à incorporação de entidades
às tensões musculares, aos arrepios
à necessidade da cabeça se curvar
coisas talvez que te lembrem na vida
do que gostas é tudo movimento
e é importante que tu não desapareças de vez.
Ter um anzol, um ponto de regresso, farol
esquecer que, no fundo, os suicidas têm sempre razão.
Quando você foi visto há 150 quilômetros de casa
rumo à Moldávia, Botswana, Brasil
ou qualquer um desses lugares que só existem nas aventuras
dos teus livros lidos desde menino
percorrendo a eletricidade do teu corpo
— disseram os que te viram —
cacos de vidro, arames retorcidos no lugar das ideias
uma grande incapacidade de ser insensível
somada ao egoísmo que todos temos
que tornou argamassa o horizonte?
Antolhos é o nome do acessório de tapar a visão
dos animais a carregar fardos maiores do que eles.
Ou qualquer coisa assim na tua face
os 150 corpos mutilados
mortos estampados nas capas dos jornais
eu espero que você não tenha visto
no longo caminho pra longe de si
as notícias dos últimos dias.
tem me acontecido o que vi acontecer
escrever cada vez menos 
até me esqueci que poderia — e deveria, quiçá, até —
recorrer a esse blogue meu primeiro finalmente terminal
local de exercício vital
aqui eu posso respirar como se ninguém
estivesse vendo
posso driblar o verso posso aquecer meus dedos
na digitação sinuosa
tremiliquenta

quem sabe depois de uma duas ou três
quatro cinco frases demoradamente
tentadas um verso apareça
num tentáculo me afague e esmagando
a jugular para cima da clavícula
arranque um tanto esse sufoco
serviremos ao jantar um arenque ao molho de silêncio

como sempre tenho pensado em pessoas mortas
o espelho é um latifúndio de dúvidas
voltei a procurar alguém com quem não falo
hoje faz anos a primeira amiga com quem rompi

sinto saudades
não daqueles com quem rompi
— do rompimento talvez a única memória que me falte é a do útero —
falta mesmo de escrever daquele modo que sei
está acontecendo está perdidamente certo
fazê-lo

estou desconfigurada como quem tivesse acelerado
até outra galáxia e lá chegada
não era uma galáxia
mas algo antes da galáxia

mesmo isto, mesmo aqui
onde só fui livre e intranquila
conforme desejasse
ou mesmo simulasse
talvez até recriasse

tenho mais dúvidas que opiniões
nunca estive tão próxima da verdade
eu nunca te disse, mas agora saiba
a verdade nunca permanece
assim como as galáxias
as canções e as palavras


sábado, 27 de janeiro de 2018

essa noite eu tive um pesadelo bizarro e tão a cara da afasia que ando sentindo nesse momento brasil.

sonhei que as esquerdas faziam um movimento pra que o enorme monumento às bandeiras (o “deixa que eu empurro”) que fica na frente do ibirapuera fosse retirado dali.

eu ajudava a fazer um cartaz enorme com a frase tão culta de WB que “todo monumento de cultura é um monumento de barbárie”. ficava orgulhosa, me sentia completa de sentido, finalmente. conforme o tempo passava um clima de exorcismo começava a pairar no ar. eu me preocupava, mas já não havia como sair da engrenagem daquilo tudo.

de repente uma grande festa: havíamos vencido, podíamos fazer o que quiséssemos com o monumento às bandeiras.

quando finalmente conseguiam retirar o monumento ele era levado pra costa litorânea por um caminhão gigantesco e acompanhado por milhares de pessoas descendo a serra a pé. os ânimos se animavam e as fúrias também. algumas pessoas se metamorfoseavam em cavalos, a noite caía e alguns cavalos eram incendiados pra fazer luz no caminho.

eu lia num cartaz: “sem barbárie não chegaremos lá”. não sabia se era o caso de concordar ou não. ao chegar na beira da praia eu percebia nas expectativas das pessoas que queriam fazer da estátua de pedra um navio navegável. achava aquilo completamente sem sentido, mas já só podia, mesmo, observar.

começava a ver cartazes dizendo “deixa que eu empurro vai nos levar por mar”. eu pensava “mas levar onde?”. e alguém gritava “morte! morte! quando matarmos todos os fascistas e seus ícones vamos chegar no futuro”. futuro?

finalmente um guindaste gigantesco colocava o monumento às bandeiras em cima do oceano. quando o trambolho de pedra afundava as milhares de pessoas choravam convulsivamente, surpresas que a pedra afundasse quando colocada em cima da água. agora que afundou, alguém me dizia: “temos que escolher novos inimigos”, tirava uma espada da cintura e cortava a cabeça da pessoa ao lado.

depois eu via na televisão que a prefeitura tinha colocado o Borba Gato no lugar do deixa-que-eu-empurro.

*

noves fora, que asfixia, gente.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

acho algo invejável cada vez que eu mesma venho escrever nesse blogue, é algo que eu deveria tanto conseguir fazer que invejo a mim mesma — e também o tempo em que havia tempo e ímpeto e espaço pra escrever qualquer coisa que me faça pensar e perceber o que estou a pensar e me livrar como um sonho acelerado de mim mesma da espécie toda que eu me identifico reconheço & que em breve vou deixar de ser.

*

é claro que invejar-me a mim mesma é uma piada dos quarenta planetas em escorpião na minha revolução solar desse ano. faço 34 anos depois de amanhã, com mais cabelos brancos do que eu supunha possíveis, me tornei uma dessas pessoas que têm mais de 100 mensagens não lidas no gmail, 

*

eu entrei aqui pra escrever um poema e fiz outra coisa.
 

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