sábado, 18 de maio de 2013

uns queimam as mãos, outros

é daquelas pessoas que não acreditam em abstrações,
e eu estava tentando resgatar o meu coração como o chiclete colado no asfalto quente se prendeu no meu tênis e não queria soltar
mas eu o tinha visto sentado do lado do haroldo de campos e ele esquentava um bule de água quente, estávamos num jardim japonês, fazia frio
ele esquentava a água, esquentava
pra fazer chá, eu pensava
até o momento que vertia fervente sobre uma das próprias mãos
não gemia, nem nada. não era pra ele que faltavam abstrações
eu já não me lembro bem.
lembro que naquele tempo eu esperava, esperava
nem sei pelo quê. por alguma coisa que atravessasse a minha vida
sentia medo de repentinamente me apaixonar
porque é justamente desse jeito que acontece.
eu estava toda retirada
e agora acreditava nas coisas que as plantas sentem.
acredito ainda. e uma hora eu fui no banheiro e os dois
os dois que já não eram os mesmos dois
que estavam ali acima, porque a vida é muito mais interessante do que eles
outros dois começaram a falar avidamente sobre a inquisição,
e eu senti que eles falavam sobre o peso de ter isso na memória, que a galera queimava
o vizinho. e os portugueses se sentem muito portugueses, então eu
pensei o peso que deve ser, mesmo, esse excesso de história da
maldade. porque, pelos vistos, isso é a história de todo povo, de toda
civilização, essas barbáries, mas um povo que já dura faz tanto tempo,
ah!, esse povo sanguinário deve ter que ter muita água, muita água
suficiente pra limpar as nódoas todas. é muita história.
sim, e eu.
eu estou escrevendo notas para um livro mudo.
um livro onde nada se repete e nada fica constrangido.
um livro que dança e um livro que corre.
depois apareceu uma outra solução, que era esquecer tudo isso.
embora martelasse meu pensamento a avidez do antes de dormir
maltratasse meu sono
eu me atirava! me atirava para o sono!
e o que eu pensava me tirava! me tirava o sono!
ah quantas noites iguais a de tantos.
como sempre me interessa o que está atrás
segui buscando a origem da insônia, não sei se para entendê-la
para desmitificá-la para respeitá-la curar não
mas de repente voltei a dormir
de repente voltei a comer
de repente voltei a amar
mas voltar pra quê?
foi o que eu disse num email pra maria hoje de manhã.
e depois me lembrei do álvaro de campos que tinha as botas mais gastas de portugal
botas tão gastas que eu tenho me lembrado muito dele nesses dias
quis até comprar uma outra edição, não a que eu tenho
mas ainda bem que não achei
porque eu não tenho dinheiro
e vou vivendo assim, gastando as botas
escrevendo torto torto torto gasto gasto gasto
nunca pensei que fosse dizer isso de alguém
mas não é de abstrações que lhe faltam coisas, não!
o que lhe falta é espírito. e quem disse isso foi machado assis.
não foi ninguém não.
foi machado de assis.
e fui eu.

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