domingo, 23 de novembro de 2014

sábado, 22 de novembro de 2014


Seu deu a fissura:se atrelou contra mim
através de uma ranhura.
Criou relevo:
decalquei o silêncio.
Que profundidade!

*

Depois da notícia da miss motosserra
ser ministra da agricultura
sonhei que a água acabou tanto
que fui morar com minha amiga
de tempos de juventude
dentro de uma caverna.
Ficava numa encosta de vale
rochoso de argila seca cor de rosa
e tinha o teto azul de cristal.
Era uma ironia melancólica
que o teto da nossa casa
parecesse água, sendo rocha.
E eu ficava olhando o teto
sempre embasbacada com a beleza
que nostalgia!

Tínhamos uma horta
e uma lata. Toda gota de água
que, eventualmente, caía na lata
era metade nossa
metade da horta
que plantávamos humildemente
dividindo as espécies vegetais
com restinhos de madeira vermelha.
E assim levamos a vida
em contar as gotas
fazer um pouco de fogo
e ver o teto brilhar
feito o fundo de uma piscina.


*

Ouvi muitas vezes na minha família que foi Brasília que matou o meu avô. Cresço considerando que o poder mata Brasília que mata as pessoas e assim, como um dominó, o país continua. 
sonhei que a seca havia chegado de maneira tão definitiva que houve um deserto em tudo. então eu morava numa caverna que tinha o teto azul, de cristais azuis. era bonito quando era noite e acendíamos o fogo. tentávamos cultivar uma horta.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

tem um recôndito do meu olho que está ardendo
ganas de viagens sempre.
escondo mais o jogo do que aquele que está vendo
é uma forma de viajar por dentro.
visito uma cidade só de estar nela & há gente q não sabe ler.
não sei imaginar o q seja isso, os símbolos não param de ganir.
estou com as energias baixas e não consigo desligar.
atravesso uma uma uma uma uma estou sempre sendo uma.
não me deram: a experiência de ser duas
nem a experiência de ser homem (ainda bem)
nem o movimento de ser nuvem (pena).
será q a nuvem tem um ser?
gostaria de q incentivassem o meu ser tecnológico a esse tipo de perguntas.
mas acho q vive bem assim quem não precisa de incentivo & ou amacia a carne do seu peixe.
meu peixe é um agulhão, um peixe-espada, rasgando a imensidão.
meu peixe não come anzol do tédio. meu peixe é meu peixinho querido.
agita ondas de um lado & de outro não engole o anzol.
flana pelo azul agitadinho, descobre fascínios
come só com a rebarba das barbatanas de cada namorado
q não tive nem me quis afinal só me interessa o q não é meu
dizia titio oswald. acho q eu devia ter nascido (homem?) andrade
e no começo do século passado. aí sim, ia rolar um lance
mais forte do q aquela batalha na mesa de ping-pong
12x25, você fazia sempre questão de narrar primeiro o valor mais baixo
coisa q sua capacidade de cálculo nunca notou.
é do meu mercúrio, hoje eu sei.
aliás há cada órbita no porvir! menina! é um fenômeno fundamental.
o q? o q o q? ah! o porvir é q é um fenômeno fundamental.
além do desfazamento do rigor q é uma elegância!
vão tentar te enganar com discursos: vai ser assim, vão te dizer
agora qualquer coisa ou finalmente começamos ou
a humanidade está começando a entender
ou
no princípio a humanidade sabia entender
ou
a humanidade não sabe entender ou
como era boa a minha humanidade ah

você só pode estar de brincadeira
é melhor dar banana pra humanidade
sair desse blablablablabla randômico
q já cansou minhas linearidades.
ah! minhas linearidades cansadas de tanto movimento
ah! meu inconsciente magnético e gasto de tanta informação
ah! meu unicórnio prateado vestido de david bowie
eu & você
vamos passear
com cornetas & cores.
ah q sono dessa chuva oblíqua desse pensamento.
GRITA GRITA pra nos salvar escrevi em 2009.
não vai resolver
a humanidade não vai ter tempo pra chegar.
os animais vão nos salvar.
vão trazer a água e as florestas.
vem sempre juntas uma com a outra.
estamos aqui, os sadios, fazendo uns ritos por um tempo de florestas.

sábado, 15 de novembro de 2014

ontem

5h da manhã subindo a Rebouças num taxi
numa rara conversa com o taxista

que me contou ser obreiro da palavra
ele falava de religião, eu de poesia
ele além de taxista, trabalhando contra a mentira, imaginem
dentro da igreja combatendo charlatões em busca do poder pelo poder & do dinheiro pelo poder & esses ciclos-vícios todos.
me falou da Bíblia sem querer me ensinar nada; me contou da irmã que se separou de um milionário austríaco e escolheu ficar sem nenhum
centavo do marido; falou do absurdo da falta de água em
sp ser programático pra gerar mais obras e mais desvios; falou q ficou tristíssimo na época das eleições, q abria o facebook e sentia náuseas.

a acelerada conversa cheia das pausas da madrugada
terminou com ele me dizendo
"essa história que você contou de que, a não ser q seja pra ferir, ao vermos uma parede é melhor descascar do que dar um murro, me lembrou aquela do beija-flor que está apagando um incêndio. daí chega um elefante meio cínico e diz assim pro beija-flor:
-e aí? acha mesmo que vai conseguir?!
e o beija-flor:
- não sei, mas pelo menos estou fazendo a minha parte".

abri o portão de casa acreditando no beija-flor.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

meu gato estava equilibrado no parapeito da janela daqui de casa, que vista na perspectiva desta madrugada tornou-se um oitavo andar, e então ele SALTOU, abriu as asas como um paraquedas de morcego, foi caindo entre flanando e se desgraçando, chegou lá embaixo e se espatifou. vi da lonjura que ele saiu andando e fui recuperá-lo. no caminho me aconteceram duas vezes outras coisas, até que diretamente o tive nos braços. as patinhas dele estavam mais estateladas do que nunca (ele tem mania de alongar o entre dedos até o estado de tensão absoluta das mãos) e, deitado no meu colo, quando ele parecia que iria ronronar, meu gato, o Capim, ele CANTOU. a queda (ou o vôo?) ensina a cantar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

espaço & tempo

vários tratam as palavras como admiráveis
indomáveis admiro também
às vezes até em letreiros
que me fascinam e movimentam
apiacás, sacomã, pompéia
praça ramos, socorro, lapa
tantas vezes esperei por ver vocês
oxalá apareçam sempre
e rápido e brilhantes de letras
inescapáveis.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014


autografia I
Sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
           existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
(antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa)
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico do Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente — tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris — já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião — não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais — também, já por cá passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
         passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnífica           irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
               escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha

E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascenção para ti O Magnífico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre
        lagos de incêndio e o teu retrato grande!

- -
Mário Cesariny

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Canto do guerreiro (primeira versão)

Sou o guerreiro. Ninguém me iguala.
Não foi em vão que me vesti de plumas amarelas:
graças a mim nasceu o sol.
Graças às plumas amarelas, o homem da região das nuvens teve um presságio funesto,
o homem da região do frio perdeu um pé.
Distribuem-se entre as gentes as plumas que o guerreiro colou ao corpo.
O nome do meu deus significa "aquele que vence as gentes".
O meu deus tornou-se num deus terrível.
O meu deus faz turbilhonar a poeira,
turbilhonar a poeira.
Oh, junta-te a mim,
junta-te a mim com as tuas plumas amarelas,
entre a poeira.

- -

poema asteca
de "poemas ameríndios"
mudado para o português por Herberto Helder
 

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