sábado, 19 de dezembro de 2015





costumo escrever sobre os anos só no último dia deles, como precaução talvez. 2015 passou tão rápido que acelerei também e resolvi escrever já porque não se engane, estarei pra sempre acelerando as eras; quer dizer, as eras aceleram tanto neste pulmão que, não se engane, há coisas que só a literatura pode lidar. e mais uma vez é fim de ano e estou doente, precisando descansar.

foi pensando nisso que fui pra estante pensando em que título de algum livro clássico, um clássico que ainda não li? em que título 2015 se resumiria? tão evidente: "o som e a fúria", achei 2015 na estante. quando encontrei, abri, no fôlego de quem sabe que está entrando num mundo completamente desconhecido, no mundo do mergulho chamado: literatura. logo na primeira página encontrei o recado de mim mesma para mim mesma. e quando essas coisas acontecem são placas tectônicas que deslizam na minha reação de escrever.

o que eu me lembro de 2005? que foi dos anos mais difíceis da minha vida, nunca estive tão apaixonada e fodida com isso. mas 2004 tinha sido um ano tão ruim (o pior, ainda hoje — Saturno em câncer oposto ao meu Sol), mas tão ruim, que 2005 embora eu estivesse lambendo a sarjeta dos destruídos pelo amor, isso ainda era melhor do que ter tido pneumonia e a casa assaltada com uma arma na cabeça de cada um. mas, é evidente, que não tenho a menor ideia do que foi novembro de 2005, muito menos do que estava me acontecendo no momento de escrever na contracapa do livro. e eu já sabia que toda aquela presença seria ausência ao reencontrar "o som e a fúria". todo ano tem muita coisa que parece presente, mas que se a gente apertar os olhos (um pouquinho que seja) desaparece. faz um esforço aí, gente, digere.

2015 foi o ano em que fiz mais coisas em toda a minha vida. nunca trabalhei tanto como em 2015. é até difícil nomear. dei aulas, depois desisti delas, li mapas astrais, primeiro aos poucos, e a coisa reverberou por si própria tanto que eles invadiram o meu cotidiano. publiquei poemas em lugares diversos, terminei meu livro que sai em 2016. "seiva, veneno ou fruto", sai como um cristal. em 2015 entre fevereiro e abril participei do baldio, 1 anti-jornal processo coletivo que ainda está por ser digerido pela galáxia; já pela chão da feira fizemos alguns livros, entre eles o "sibilitz", do único poeta vivo na nossa língua a quem eu chamo de "mestre"; editamos também o volume 2 da revista gratuita, em dois tomos, sólido sobre o qual ouvi comentários diversos, entre eles... taí, em 2005 eu contaria, mas em 2015 me vale mais ter algumas coisas entre os dentes, docinhos.

em 2016 continuarei fazendo digressões mais do que o comum entre tantos pensamentos estáveis dessa geração e agradeço que as rotas diversas não entrem na minha esfera de colisão, porque sei que vou estar fervendo.

em 2005 eu tinha uma espécie de ritual de travessia do ano, que eu escolhia algum livro muito poderoso pra atravessar os anos lendo. li muito beckett nessa altura do ano. a época de natal e ano-novo é sempre tão pesada que até os abstêmios se entopem e os esquecidos da própria sensibilidade choram. vou atravessar o ano lendo "o som e a fúria", 2015 foi um ano que chorei, chorei, chorei. e quando já não era mais possível chorar, chorei mais e chorei também. pela primeira vez na vida tive um motivo absolutamente real pra chorar tanto. foi a morte, o absolutamente real do real, que pela primeira vez eu vi e toquei e soube e conheci o momento exato em que minha avó se foi, num raio, pra dentro da nuvem do desconhecido. saber de mãos e pulmão e olhos. e adeus. foi mesmo uma eletricidade o tornar-se carne e é também por isso que fiquei tão reconhecida quando soube, também em 2015, a evidência de que sou filha de Iansã. e que amo os meus ancestrais.

nisso de limpar os mundos estou por absoluto, poucas palavras são tão difíceis de preencher em 2015 como "medicina", estão tantos furiosos, tantos furiosos. a maior parte dos meus amigos continua se tornando artista ou xamã, escritor ou desenhista, massagista ou terapeuta, yogue ou cantor & eu estou feliz porque também sou da sua companhia. é perceptível que um dia todos vamos concordar com o índio que disse que não tarda nada pra sabermos que não havia mais nada além de medicina. enquanto isso desconfio pacas do uso indiscriminado dessa palavra & de todas as palavras que se usam sem afinco. como poeta, como editora, como a astróloga que 2015 afirmou que sou na centena de leituras de mapas que fiz, procuro mostrar o eixo invisível em que cada um enverga ou se parte. firme. enquanto a morte não nos leva a todos, que tal cuidarmos das coisas? a saúde da carnespírito, essa coisa tão emocional que respira.

em 2015 eu agradeço pela confiança que alguns tiveram no que eu disse.
de 2016 espero voltar a escrever. afinal é o que eu espero de todos os anos.
e sempre com a música, afinal confesso que escrevi esse texto ouvindo "emoções", do roberto carlos, que era das músicas preferidas da minha avó e abre a playlist que montei quando ela se foi & escuto sempre quando a quero lembrar.

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