terça-feira, 26 de setembro de 2017

acordei com dois pardais dentro do quarto
se debatiam procurando o que não fosse vidro
radical em ser transparente e firme

eu causava sustos ao me aproximar
abri a janela
é o certo a se fazer com o que não se deixa tocar

no quintal caracóis imensos disputam
os restos de mamão que deitei aos passarinhos
bem cedo enquanto pedia beleza

suplicava por favor eu quero escutar
não é a primeira vez que numa ilha
meus ouvidos entopem

meu bisavô sofria do mesmo
não sei se ele escrevia, se visitava as ilhas
se perdeu como se perdem na terra

os homens têm tal mística com o mar
ser instável na sua regularidade
marulho salsugem saudade

entre as palavras que eu sei lembrar.
começa assim: uma ilha: terra rodeada de mares — instáveis na habilidade de serem regulares.
continua assim: tudo em mim é herdado, mais de uma vez ouvi dizer
viemos do mar e oscilamos horizontais

pensei algumas vezes por procurar o silêncio

não é a primeira vez que meus ouvidos entopem quando estou numa terra rodeada por águas, como todas, esta com montanhas que eram vulcões, terras tão antigas quanto vulcões: ilhas.

meu bisavô tinha isto dos ouvidos entupirem — eu não o conheci, minha avó falava disso muitas vezes. que eu saiba ele não escrevia. no entanto eu li naquele que é dos que mais me ensinou que o escritor é quem teve os ouvidos feridos.

às vezes — como todos os que vivem — me sinto como Ulisses, mas reversivo: porque não posso escutar. ou seja, sou como todos os marinheiros que precisaram tapar os ouvidos para atravessarem as sereias.

no entanto o canto se desdobra no corpo, sensações mais nítidas que o azul, contornos sem luz — mas o que não se escuta e se sente, se recria imagem na mente.

poder dizer mais coisas detalhadamente, eu diria.
e me assustei ao ver que desde junho não postava nada aqui.
o futuro há de ser o que é: diferente.
 

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