segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

e sim coberta de nuvens

sinto entre os pés,
por baixo deles,
ou nos olhos da minha pele
quando troco ou presto atenção devida
que é
um continente antigo
o outro cansado.

o sol me guia

o cotovelo coça
atrás da perna também
três pingos caem de três em três mais três e de vez em quando um cacau bate com tudo caído no teto.
minha sobrinha colhe idéias com as mãos no ar, leva-as até a boca e mastiga
repete meu nome sem parar. ela vai parar primeiro no colo dele do que no meu, e depois comemos mangas colhidas no fundo do terreno que chega na praia. ele fica com a barba toda babada e amarela e todo rindo e todo lindo. a volúpia do que não desaparece. esse prazer.
o pleno é o mais raro de tudo, e o pleno, e a menininha na beira da água levanta o bracinho e diz AAAAAAI BAHIIIIA e ri. e ri. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

os ombros estremecem-me com a inesperada onda


Elegia múltipla 

VII

Os ombros estremecem-me com a inesperada onda dos meus
vinte e nove anos. Devo despedir-me de ti,
amanhã morrerei.
Talvez eu comece a morrer na tua mão direita,
alterosa e quente na minha mão
sufocada. Aqui mesmo na europa
começa a vagarosa iluminação das giestas. É a minha vida
percorrida por um álcool penetrante, é a imediata
atenção ao misterioso trabalho da idade.

Vinte e nove anos agora, na europa, sobre os canais
sombrios da carne, sobre um vasto segredo.
Será apenas isso, um ponto móvel
de eternidade, isto – a sufocação veloz e profunda
da vida inteira na minha garganta? E depois
o acender das luzes, bruxelas como uma câmara
de archotes e ao alto as ameias
enevoadas dos astros? Devo olhar com uma grande
memória aquilo que acaba na violência triste
do poema.

Estamos nos quartos, há flores nas mesas. De babilónia
partem rios. Por detrás das cortinas,
despeço-me. Amanhã vou morrer. Tenho
vinte e nove bocas urdindo
a falsa doçura da confusão. Os países constroem
a torre sombria do amor. Dá-me a tua mão
pensativa e antiga, deixa que se queime ainda um instante
a loucura masculina
da minha vida. Pensa um pouco na beleza
ignota das coisas: peixes, flores, o sono terrível
das pessoas ou o seu respirar
que arde e brilha e se apaga à superfície
das lágrimas ocultas. Pensa um pouco no sorriso
rapidíssimo
que jamais desaparece do silêncio, na candeia
que cobre com agulhas de ouro os escombros
dos lírios. E por cima de tudo estende
a tua pequena mão eterna. Cai
tu própria na treva quente da minha
cega mão masculina de vinte
e nove
anos. Tenho vinte e nove anos ou uma onda
inesperada que me estremece a carne ou a minha garganta
cheia de sangue actual – amanhã morrerei.

Vi um dia alguém tomar nas mãos, entre faúlhas
velozes, pedras que pareciam
imortais. Eram casas que se levantavam
sobre o meu coração. Vi que tomavam
animais feridos, flores imaturas, objectos
breves, imagens instantâneas e perdidas. Faziam
alguma coisa eterna. Era gente
de vinte e nove anos que se despedia dolorosa
pormenorizada
violentamente de uma parte de sua carne, a parte
mais iluminada de sua
carne de vinte e nove anos. Amanhã
morrerei.


Herberto Helder, de "A colher na boca".

sábado, 5 de janeiro de 2013

onda feita pro teu pé

mas este apreço
pelo peso não combina exatamente comigo. então fico duas vezes sem combinar
a primeira se estabelece na diferença; a segunda na constatação da diferença. estou longe demais para as cartas que me tentam alcançar.

normalmente nesse momento de empecilho e destroço eu me derreto até ficar só a casquinha.
mas o gosto de framboesa é o gosto de deus.

no cde meu cazuza no pdddm meu variações. USA UMA LUZ COM QUE ILUMINA
                                               A TRAVESSA DAS ALMAS MANCAS

eu sou da deriva, meu bem. isso ainda é muito útil.

         tenho escrito e sonhado com lugares, com coisas que falam de lugares. tenho que me desabitar mais vezes. me tornar a lua, como se dois copos de poeira dois copos de dust misturados com água morna resultassem numa lua plena, plenilúnio. mas a grávida está cortando cebolas, a fase é minguante. cantam os grilos que não cantam. e as seivas correm para baixo.

eu tenho que ser como o dom que guia pela rédea do cavalo em direção ao pasto. viver o dom sem dono o dom do som. mas nem nada. eu levei o pasto para o abismo do pântano e agora tenho que pentear os capins com água fresca desembaraçante.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

o fantasma ergue a saia

sou aquilo que se pode chamar de pessoa estimulada.
só que o que está rolando agora é que eu ando farta de estimular. que viagem. com isso não tenho muitos impulsos a seguir.
sinto que não estou à altura de mim mesma, e o que estava à altura de mim mesma tem que cair pro lugar onde estou.
 

Free Blog Counter