sábado, 26 de abril de 2014

imenso canal

a senha é cordial, de cordis: do atrito entre o músculo e as cavidades, faz-se uma respiração.
a senha é: seja cordial com seus antepassados, e os convença a fazer uma revolução tão profunda em si mesmos que vai ser mais do que a novidade, vai ser o mesmo virando outro. a própria vida.

não sei muito bem como escrever o que eu tenho vivido, além de dizer que eu dividia o mundo em duas metades, uma era imaginação e a outra era matéria. isso foi uma coisa que eu conquistei na análise, que foi configurar uma *boa comunicação entre imaginário e matéria. considerei tanto isso por ter começado da mistura pura entre ambas. durante muitos anos eu não sabia a diferença,

depois criei muita diferença e comecei a alimentar um lado com o outro: escrever. isto. porém considerado,

é claro que nada nunca vai ficar como está, será que vai ficar como é? 


- - 

ele achava q ser poeta era se aproximar ao máximo de alguma coisa que vibrasse e quando estava quase encaixando ele desviava e ia fazer outra coisa, dizendo que não era com ele.

ele = alguns entre os inteligentes, é o pior.

- -

então o que eu estava chamando de mudança não é um desvio, estou cada vez mais 
essencial
dizendo coisas básicas sobre a matéria
E SOBRETUDO OPERANDO COM CATEGORIAS TABU 

por exemplo, botei stricnina pra minar a falta de coração, então o coração todo drogado saiu pulando de cordialidade, disse bom dia pros peixes, os peixes chamaram os cavalos, eu já estava em outro país. Quando os peixes chamaram os cavalos eu já estava em outro país, rodeada por novos tabus, 

embora deus, embora a essência embora a natureza embora / coisas assim ninguém se arrisca a falar sem parecer um imbecil. Eu tenho medo do caminho místico que se abre entre os corvos / quando eles voam

deixam traços repentinos que são lidos por intérpretes que têm a pele muito irrigada 
os olhos vistosos. nesses intérpretes eu acredito. nesses que atravessam a rua, 
que estão muito vivos e às vezes nem precisam ouvir o Transa pra isso

quantas vezes você teve de ouvir o Transa pra ficar bem lúcido?

tô precisando escrever mais assim / que é só pra me atualizar em mim.

é que estou recebendo um outro particípio do mundo, que espero que me faça perceber que nem terços, nem metades, fazem do mundo o mundo, girando.



poética



Escolhi te escrever nestes dias de Netuno. Há brisa, neblina em outros campos, ventos repentinos turvos, tempestades e reina tão grande a nítida beleza de tudo que me sinto alguém de outro século. Mas, se fosse alheia a este tempo, como pensaria: a cada dia mais incorporo essa certeza: nada comunica mais sem ter o que dizer do que a beleza. É por isso que falo tanto do mar e dos cavalos, é porque estou interessada na comunicação da beleza, no nada que estão dizendo o tempo todo. E é por isso que estou a cada dia mais com as plantas. É certo que tudo tem a sua linguagem, mas é muito improvável que seja possível traduzir o que uma planta pensa, talvez porque quando ela resolva pensar, ela demora mil anos. No entanto, um chá ou algumas cápsulas de alguma erva são capazes de amenizar a dor de estômago da minha convivência. No Brasil eu tenho que estar com as plantas para adquirir um estado de contemplação que na cidade de Lisboa eu vivia só de atravessar uma rua. Ver o Tejo. Sempre isto, a beleza, o que me seduz, também na cidade em que vivi. E como a beleza é uma magia, uma velha encenação, fui enganada. Nos meus últimos dias como habitante da cidade que mais amei, eu pensava: “enganada! Como uma poeta não morreria pela boca?”.

terça-feira, 15 de abril de 2014

*

Isso também
me conta mais
a respeito daquela técnica
de prever o futuro.
O futuro? Tem orelhas,
mas é surdo. E é manco
se arrasta sem espanto
mais alheio do que lúcido
com o nosso despreparo.

Se fosse um deus amava o humano, mas como não existe
o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles,
as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército
de cronogramas, nem de antecipações. 

Tem firmeza de flor, e é invisível
reconhecido em seus efeitos 
brisa, furacão.

Nunca adiado. E se ama os despreparados
lhe sabem tanto os que fazem quanto os que esperam.   
Os otimistas valem mais
valem quanto? Cem bifurcações,
sucessivas gerações
de bem aventurados
que topam em pedras,
cicatrizam e correm
bem alimentados
com fome de mais
alimento. 

São seus sinais
os imprevistos, os cavalos
os pontos cardeais 
os sete sentidos e os setes buracos da cabeça.

Virá. E nunca.
 

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