Não foi a única vez que vi algo como o nazismo sob o efeito do chá. Houve uma vez ainda antes, que eu estava sozinha na parte de trás do salão, estava sentada muito perto da terra escura e se de olhos abertos eu via as plantas na minha frente, de olhos fechados eu via a guerra. Meu corpo estava muito inclinado para frente, pressionado, para não dizer destruído e incapaz de manter-se ereto no próprio eixo. Até que a guerra tomou conta de tudo, mesmo de olhos abertos eu via milhares de anos de guerras passando em segundos na minha frente. Homens se matando com lanças, mulheres sendo atiradas em fogueiras, pelotões de fuzilamento, corpos estirados em trincheiras, torturas, bombas. A destruição é indiscriminadamente ampla. Sem vitimas, sem heróis. Se olharmos a humanidade sobre um só ponto de vista, quem não veria a história da humanidade como a história da guerra? São complicadas as coisas que pensamos quando estamos muito próximos da destruição. A humanidade naquele momento era uma imensidão de cinzas. O solo da minha visão era cinzento e lodoso, como um charco que estivesse se tornando deserto e não havia preservação ou continuidade de vida. Restos de pessoas sendo arrastados por pessoas em restos. Fome dentro das carnes e troncos de árvores queimados. Havia chegado o dia de depois da guerra. De repente, vi a face do poeta, vi o rosto de Carlos Drummond de Andrade olhando aquilo tudo e pensei “ele, não eu, ele teve mãos para cantar isso”. E senti a dor que o poeta sentia, a dor que ele era capaz de sentir. E eu? “O poeta é isso”, pensei, “ele avisa as pessoas de que não é por aí, mas ninguém o ouve, e ele sabe que mesmo assim ele deve dizer”. Então pensei “deixa, Júlia, a humanidade correr na arena da história” e uma capa vermelha atravessou a minha visão, percebi a manada dos homens e mulheres através dos séculos, desembestada. E que segue. Não sou eu quem vai lhe dizer que fique. E se olhasse nos olhos de si mesma como quando olham os poetas, se veria mais animalesca do que qualquer animal. Livre de todo fardo de ter de avisar alguém resolvi caminhar. Tendo já caminhado um bocado, estando na frente de um barranco e atrás de mim uma luz de estrada, vi a minha sombra refletida na terra vermelha. Como eu tinha um cobertor nas costas, na sombra parecia a capa do pequeno príncipe. “Príncipe? Se sou um príncipe já sei quem sou! Só posso ser Hölderlin! Quando estiver na Europa novamente e falarem em Hölderlin? Hei de responder, Tá falando com ele.”. E fiquei rindo sendo Hölderlin com a minha capa vermelha, mas só na sombra do barranco. E na Europa, claro.
quarta-feira, 25 de junho de 2014
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Um comentário:
parabéns, Julinha, pela sua ESCRITA
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