quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
rojões & heranças
acordei com um sicrano soltando rojões pelo bairro & me lembrei de que, algumas vezes, quando criança no fim da noite de natal eu chorava. chorava de frustração. sentia um aperto crescente, uma expectativa que não se completava nem com os melhores presentes do mundo. ainda deitada, desejei que o sicrano explodidor de foguetes terminasse a noite como essa criança que fui.
então me lembrei de que este ano eu e meu pai estávamos no trânsito dos arredores da rodovia Raposo Tavares, indo ao cartório eleitoral da cidade de Cotia, quando eu fiz pra ele uma pergunta fulminante, pra ver se ele parava de reclamar dos estúpidos que não sabem pegar a rotatória da maneira certa, ou que correm mais do que Hermes pisando em fogo, ou que deixam buracos na estrada, ou que...
não sou batizada em nenhuma religião, não tenho crenças e mesmo a fé às vezes me falta mais do que eu gostaria. cresci ouvindo meu pai dizer que meu avô caçador-curandeiro-bon-vivant foi até a escola do meu pai brigar com um professor. o motivo? por conta do pecado: meu pai era criança e o professor tinha lhe dito que ele não poderia fazer alguma coisa porque era pecado. meu pai chegou em casa e perguntou pro meu avô: "pai, o que é pecado?" e o meu avô, iradíssimo, respondeu: "pecado é comer palha!". e foi até a escola e disse para o professor que se ele metesse novamente aquelas ideias na cabeça do meu pai ele faria o próprio professor comer palha.
quando estudei nas Letras da USP ouvia uns boatos de que meu pai sabe o que sabe sobre o século XVII porque teria sido seminarista! e lembro dos risos que dávamos disso falando dessas histórias do vovô. cresci, portanto, ouvindo meu pai dizer que meu avô não gostava de nada que passasse perto do cristianismo e tomei isso com uma crença fulcral na herança da minha família paterna.
então estávamos em Cotia, tentando achar uma via para subir para o centro, meu pai dirigindo e sendo fechado por outros carros, aquela aridez de beira de estrada, ele mesmo disse "São Paulo é toda linda, toda linda nessa perspectiva Waste Land" e quando cometeu impropérios sobre os transeuntes, eu fiz o que às vezes faço, uma pergunta lançada do nada ao sábio: "papai, o que você acha de Jesus Cristo?".
ele respirou fundo, começou com um "bem" e me respondeu "ele era um cara legal, tinha uma mensagem excelente, que ninguém ouviu direito. se tivessem ouvido, toda a história seria outra. por exemplo, 'amai-vos uns aos outros como a si mesmos', seria maravilhoso, não seria?... mas na prática! é impraticável... olha o que esse imbecil está fazendo!" e apontou para um motoqueiro avançando em cima da faixa de pedestres. respondi: "nossa, nunca imaginei isso, achava que você não simpatizava com a figura". e ele "não é uma questão de simpatia, é uma questão de vida: ele dizia: 'atire a primeira pedra quem nunca pecou', isso é uma liberdade, ficar cagando regra na vida dos outros é uma mensagem não-cristã, os caras não entendem nada... não entendem nada nem de liberdade, nem de perdão".
lembrando de tudo isso, me levantei da cama, não sem antes ouvir mais um rojão do vizinho a quem eu deveria amar como a mim mesma, como ao meu sono, o sonho de todos, o pai. o meu, aliás, vai passar os próximos dias dizendo
NATAL É FATAL
é assim, viva e deixe viver.
então me lembrei de que este ano eu e meu pai estávamos no trânsito dos arredores da rodovia Raposo Tavares, indo ao cartório eleitoral da cidade de Cotia, quando eu fiz pra ele uma pergunta fulminante, pra ver se ele parava de reclamar dos estúpidos que não sabem pegar a rotatória da maneira certa, ou que correm mais do que Hermes pisando em fogo, ou que deixam buracos na estrada, ou que...
não sou batizada em nenhuma religião, não tenho crenças e mesmo a fé às vezes me falta mais do que eu gostaria. cresci ouvindo meu pai dizer que meu avô caçador-curandeiro-bon-vivant foi até a escola do meu pai brigar com um professor. o motivo? por conta do pecado: meu pai era criança e o professor tinha lhe dito que ele não poderia fazer alguma coisa porque era pecado. meu pai chegou em casa e perguntou pro meu avô: "pai, o que é pecado?" e o meu avô, iradíssimo, respondeu: "pecado é comer palha!". e foi até a escola e disse para o professor que se ele metesse novamente aquelas ideias na cabeça do meu pai ele faria o próprio professor comer palha.
quando estudei nas Letras da USP ouvia uns boatos de que meu pai sabe o que sabe sobre o século XVII porque teria sido seminarista! e lembro dos risos que dávamos disso falando dessas histórias do vovô. cresci, portanto, ouvindo meu pai dizer que meu avô não gostava de nada que passasse perto do cristianismo e tomei isso com uma crença fulcral na herança da minha família paterna.
então estávamos em Cotia, tentando achar uma via para subir para o centro, meu pai dirigindo e sendo fechado por outros carros, aquela aridez de beira de estrada, ele mesmo disse "São Paulo é toda linda, toda linda nessa perspectiva Waste Land" e quando cometeu impropérios sobre os transeuntes, eu fiz o que às vezes faço, uma pergunta lançada do nada ao sábio: "papai, o que você acha de Jesus Cristo?".
ele respirou fundo, começou com um "bem" e me respondeu "ele era um cara legal, tinha uma mensagem excelente, que ninguém ouviu direito. se tivessem ouvido, toda a história seria outra. por exemplo, 'amai-vos uns aos outros como a si mesmos', seria maravilhoso, não seria?... mas na prática! é impraticável... olha o que esse imbecil está fazendo!" e apontou para um motoqueiro avançando em cima da faixa de pedestres. respondi: "nossa, nunca imaginei isso, achava que você não simpatizava com a figura". e ele "não é uma questão de simpatia, é uma questão de vida: ele dizia: 'atire a primeira pedra quem nunca pecou', isso é uma liberdade, ficar cagando regra na vida dos outros é uma mensagem não-cristã, os caras não entendem nada... não entendem nada nem de liberdade, nem de perdão".
lembrando de tudo isso, me levantei da cama, não sem antes ouvir mais um rojão do vizinho a quem eu deveria amar como a mim mesma, como ao meu sono, o sonho de todos, o pai. o meu, aliás, vai passar os próximos dias dizendo
NATAL É FATAL
é assim, viva e deixe viver.
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agora que sou sincera
domingo, 21 de dezembro de 2014
reza
entre os finais de ano: o verão.
ressuscitar como o menino que vão comemorar
esquecidos do menino que foi.
o poeta alberto caeiro tinha uma flor entre os dentes e disse algumas coisas a esse respeito.
numa luz eu (também) vi a virgem: mas tive medo.
sua luz era intensíssima, brilhante navegava
o azul e o céu. o azul e o céu são de quem?
do condor, do avião, do contorno dos teus olhos.
ouvi um homem dizer na rua na frente de casa mesmo atravessando no nosso portão
o homem disse ao telefone: "é a época do ano, má, é pesado".
desconfio que "má" do outro lado era marília
marília que não conheço
que o apelidava de olhos fechados: poeta.
era quase natal e dirceu,
com seu cotovelo levantado a segurar,
o celular no ouvido dirceu lembrava
com a ajuda desse gesto de cotovelo que ajuda a lembrar
que todo mundo sofre
que a família sempre tem excessiva memória
que o natal nos lembra do que não temos
que estão todos ausentes mesmo presentes
que estão todos presentes mesmo os ausentes
faz senhor deste repetir uma oração
que estão ausentes todos os presentes
que é porque ficam tão presentes no presente
no presente dos seus passados
(em comprar presentes nem se fale da
falta/ do excesso/ da escassez / do retrocesso)
que é porque todos os seus antepassados
viajam para ocupar os corpos vivos
(é este o primordial motivo para que no hemisfério norte se comece o inverno
e no sul o verão, assim, ao mesmo tempo e cruzado, pois nesta noite os mortos abrem uma fenda no vácuo das galáxias e a terra desloca-se)
e é por isso que as pessoas bebem tanto,
comem tanto, brigam tanto
no dia da natal.
é tudo corpo velho em gesto antigo rebocado no futuro deste agora:
dá um tranco: os antepassados precisam se alimentar.
"não é nada a ver não, má",
disse o dirceu
que vai dar de presente pra marília
nenhuma maldade
vai dar um danado
amor. pra durar no dia mais longo do ano
ouvindo aquele sempre do bem, o bom, o baden.
ressuscitar como o menino que vão comemorar
esquecidos do menino que foi.
o poeta alberto caeiro tinha uma flor entre os dentes e disse algumas coisas a esse respeito.
numa luz eu (também) vi a virgem: mas tive medo.
sua luz era intensíssima, brilhante navegava
o azul e o céu. o azul e o céu são de quem?
do condor, do avião, do contorno dos teus olhos.
ouvi um homem dizer na rua na frente de casa mesmo atravessando no nosso portão
o homem disse ao telefone: "é a época do ano, má, é pesado".
desconfio que "má" do outro lado era marília
marília que não conheço
que o apelidava de olhos fechados: poeta.
era quase natal e dirceu,
com seu cotovelo levantado a segurar,
o celular no ouvido dirceu lembrava
com a ajuda desse gesto de cotovelo que ajuda a lembrar
que todo mundo sofre
que a família sempre tem excessiva memória
que o natal nos lembra do que não temos
que estão todos ausentes mesmo presentes
que estão todos presentes mesmo os ausentes
faz senhor deste repetir uma oração
que estão ausentes todos os presentes
que é porque ficam tão presentes no presente
no presente dos seus passados
(em comprar presentes nem se fale da
falta/ do excesso/ da escassez / do retrocesso)
que é porque todos os seus antepassados
viajam para ocupar os corpos vivos
(é este o primordial motivo para que no hemisfério norte se comece o inverno
e no sul o verão, assim, ao mesmo tempo e cruzado, pois nesta noite os mortos abrem uma fenda no vácuo das galáxias e a terra desloca-se)
e é por isso que as pessoas bebem tanto,
comem tanto, brigam tanto
no dia da natal.
é tudo corpo velho em gesto antigo rebocado no futuro deste agora:
dá um tranco: os antepassados precisam se alimentar.
"não é nada a ver não, má",
disse o dirceu
que vai dar de presente pra marília
nenhuma maldade
vai dar um danado
amor. pra durar no dia mais longo do ano
ouvindo aquele sempre do bem, o bom, o baden.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
7
não sei, mas acho que foi quando eu tinha 7 anos, que me levaram num médico porque eu não conseguia dormir e sentia uma imensa pontada no coração. de vez em quando. o médico me ensinou a tomar banho antes de dormir, e leite quente. e descobriram que meu coração estava bem, mas que eu (carnívora que sempre fui) deveria comer mais proteína.
eu tinha 7 anos também quando entrei na 1a série e ainda não sabia escrever nem ler em letra cursiva. todos sabiam. a lousa parecia tecida de hieróglifos, é assim que hoje vejo outras dimensões. não sei se com o tempo saberei ler tudo o que vejo, mas como não sei entender tudo que leio, acho que não, que o desconhecido vai vencendo em toda parte do mundo. amém.
eu tinha 7 anos quando saí pela primeira vez do Brasil, fomos até Portugal e Espanha. ainda não existia a comunidade européia (q dentro em pouco talvez também volte à ruína) e quando entramos no metro, na primeira carruagem descemos no Rossio, cheios de malas, e minha mãe ainda dentro do vagão descobriu q tínhamos sido assaltados. lembro do trem atravessando fronteiras. contam que passamos alguma fome, já que o dinheiro tinha sido quase todo levado ao chegarmos para a viagem. meus ouvidos doíam muito. atravessamos a fronteira para a Espanha de madrugada, não carimbaram nossos passaportes. ganhei um coelho de pelúcia branco numa grande praça em Madrid, cuja etiqueta nomeava a fábrica: Alegria. meus pais brigavam enquanto me deram o coelho. essa talvez seja uma das imagens mais fortes da minha memória.
meus ouvidos doíam quando eu tinha 7 anos. fiquei surda durante uns dias. doíam muito.
meus ouvidos doíam quando eu tinha 7 anos. fiquei surda durante uns dias. doíam muito.
eu tinha um moleton roxinho do fim dos anos 80 que eu achava uma gracinha. não deixava que ninguém me penteasse, a não ser minha irmã, que eu via poucas vezes por mês. meu irmão dizia que meu cabelo parecia a orelha da setter que tínhamos, a Bela.
acho que ganhei a Bela quando fiz 7 anos. dei o nome para ela, que era frágil e foi pegada de noite numa casa na cidade de SP.
eu não cresci na cidade de SP.
e acho que, finalmente, aprendo a gostar dela.
acho que ganhei a Bela quando fiz 7 anos. dei o nome para ela, que era frágil e foi pegada de noite numa casa na cidade de SP.
eu não cresci na cidade de SP.
e acho que, finalmente, aprendo a gostar dela.
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