fazia anos que eu não acordava e assistia um filme, um filme preferido. eu recorro a três filmes quando estou com um buraco no lugar de mim e um deles é o Fritzcarraldo. só neste momento percebi que os outros dois também têm nomes com encontros consonantais imprevistos. seria melhor que eu explicasse isso mais demoradamente?
um filme que me mostra quanta honra é possível ter no dramático, quanta coragem no impossível da afirmação. sou tão estupidamente otimista que, embora tenha que nadar de quando em quando nas marés do ódio e do ressentimento, que eu acabo convivendo com um tal treino das emoções como se me preparasse para uma olimpíada.
num primeiro momento é preciso conhecê-las, reconhecê-las, e depois disto tratá-las com uma firme mão de linho, uma pinça precisa bisturi nas mãos dum ninja, ah a navalha amaciada e morna do coração, que se acessa também com a respiração. pensamento é respiração, respiração é pensamento. mas a maior parte do tempo eu passo a reconhecê-las: "isto que passou como um raio me levantou até os céus e de quando em quando desaparece? euforia"; "essa substância oleosa que me contrai os músculos e chega a doer a cabeça que a controla? o ódio"; "o azul em que tudo está que varia do de fundo a suave nuvem? tristeza" & por aí vão os caminhos do reconhecer. escrever ajuda muito.
sou uma pessoa da música. a maior parte da minha pessoa encontra vida emocional na música. do mesmo modo que uma pintura me mostra como ver a paisagem, o que eu sinto me ensina a sentir. é preciso muito respeito para manejar uma emoção. as realidades esmagam, foi Eliot quem disse que o gênero humano não é capaz de suportar muita realidade e disse isso soltando um pássaro: go! go! disse o pássaro que não é de Eliot e nem mora neste poema e no entanto nele voa. o gesto mágico do que voa num poema.
eu mesma me enovelo muito me desaprendendo hábitos emocionais. eu digo pra eles: saltem, eles não saltam; eu digo pra eles: fiquem, eles saem correndo. treinar as mãos no desastre: este poderia ser um dos meus nomes, dizendo sempre adiante, por que não ultrapassar uma montanha com um barco em cima? pelo menos poderemos sorrir do absurdo tanto que nos reconheceremos nele e por inteiro.
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