sábado, 28 de julho de 2012

nem gente, nem parafuso

A origem de tudo o que eu conheço é um carrossel. Quando nós começamos era o coração da minha mãe. Eu estava fora do salão e tocava Mozart lá dentro. Eu ouvia, debruçada em mim mesma, como se o queixo abraçasse meu esterno, o pescoço curvado, a testa em direção ao estômago. Enrolada no meu edredom cor de rosa como em um longo xale que, vindo pelos ombros e cobrindo todas as costas, alcançasse até minhas pernas também, toda embrulhada. Ao que nunca soube se a cor de carne que tantas vezes acabo por ver deriva do meu próprio sangue ou de uma espécie de cortina, seja ele do meu respeitável aquecedor em tecido que outras vezes me fez o audaz super-herói da capa vermelha, ou das minhas próprias pálpebras. Os acordes, talvez, a combinação dos violinos mais propriamente a agora a recordação do meu amigo, minha primeira paixão, o homem com quem perdi a virgindade dizer anos antes “o som dos violinos é tão natural” e a de anos depois do meu professor “a língua da poesia é a língua materna”, a música compunha dentro do meu peito um carrossel de vidro e carne, dentro de um cristal giravam cavalos pequeninos brancos, delicadamente, e num mesmo ritmo sem nunca oscilarem, a pequena pedra era um salão austríaco onde dançavam e era sobretudo o amor que a minha mãe sente por mim. Pude descansar como se respirasse cem vezes em uma só e o corpo absolutamente oxigenado recomeçasse leve, sutil, encarnado. E de tão íntegro só pudesse confiar nos seres de presente absoluto.

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