sábado, 17 de novembro de 2012

VII

E eu assentei praça num mundo onde o teu gesto e a tua palavra
eram imperativos. O mimetismo, a imitação
passavam por lealdade. Tornei-me mestre na arte
de me confundir com a paisagem, com os móveis ou as cortinas
(com o tempo, invadiu o meu guarda-roupa).
A boca deixa escapar, no decurso de uma conversa,
a primeira pessoa do plural
e nos dedos despertou a sensibilidade do espinho da sebe.
Deixei também de olhar por cima do ombro. Se ouço passos
atrás de mim, já não me sobressalto. Dantes sentia um calafrio
nas omoplatas, mas hoje sei que nas minhas costas
se estende a rua ajoujada de colunatas,
e também que onde acaba brilham as ondas turquesa
do Adriático. As ondas e as colunatas são, claramente,
um presente teu, Vertumno. Trocos, se quiseres, umas moedas
de prata com que, de vez em quando, a generosa eternidade
inunda o efémero. Em parte por superstição,
em parte, talvez, porque só ele,
o efémero, é capaz de sentir, de ser feliz.



de "Vertumno" in: Paisagem com inundação.
Iosif Brodskii em tradução de Carlos Leite.
 

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