foi meu pai quem me ensinou a escrever. não que tenha sido ele a me alfabetizar e ,embora tenha tentado me contar todas as histórias do mundo pra que eu dormisse, nem que ele tivesse esgotado de tanta criação o mundo, nem assim ele teria me ensinado a escrever. uma vez, devia ter uns 9 anos e eu não queria fazer uma redação pra escola porque "não conseguia escrever", foi que meu pai disse: "escreva sobre não conseguir escrever". estava ensinada a escrita.
não sei porque esqueço disso tantas vezes e caio num movimento reflexivo tão agudo e ensimesmado que é um redemoinho de silêncio. quando retorno a escrita é como sinto esse movimento aqui: truncado, gago, minuciosamente equivocado. pouco treinado.
hoje, quando saímos da praia e entramos na trilha, no meio do caminho estavam esses cavalos. ao vê-los, imediatamente pensei sem receio nem culpa, dádiva ou reclusão: talvez eu tenha deixado de escrever pra sempre. então lembrei dos livros que já tenho publicados (não é grande coisa) e "que engraçado. se eu deixasse de escrever hoje e fizesse outra coisa completamente diferente como dirigir um navio, se eu me tornasse xamã, alguma coisa que me consumisse e a qual eu me entregasse tanto que se eu nunca mais tivesse de escrever qualquer coisa que não fossem apontamentos meus e unicamente meus... eu não sentiria angústia, nem liberdade. simplesmente os rumos teriam mudado tanto que eu acolheria os rumos como eles me acolhem: sendo."
depois pensei no raduan nassar. meu analista dizia que achava que ele tinha parado de escrever pois sentia tanto ódio que o ódio o impossibilitava. e eu, se eu deixasse de escrever hoje, pelos grandes motivos da humanidade não seria, mas tão somente porque havia visto cavalos repentinos num caminho perto da praia, cavalos definitivos.
& os cavalos soltos do mundo! sejam. repentinamente me deu vontade de escrever sobre não escrever.
mas, pra pensar o que é não escrever, seria preciso entender o que é a escrita pra mim. pois eu ando por ali e escrevo uns emails onde podem nascer poemas, vou por lá e anoto uns posts no facebook, passo aqui nesse blogue menos do que me apraz, é verdade, verdade que aqui escrevo mais solto do que em qualquer outro lugar... mas, mesmo assim, não sinto que isto seja necessariamente "escrever" no que eu escrevo. são reflexos de segundo perto da formação de uma galáxia. então seria eu tão governada pelo mundo (capricorniano) do mérito, do esforço, que só me considero "escrevendo" quando estou num .doc Ou numa página de caderno que sei que vai virar um "livro", um "poema", um "ensaio"? certamente isso conta um pouco, mas em pequena parte só, pois não é só isso.
astronauta libertado cuja vida me ultrapassa em qualquer rota que eu faça / eu me sinto mesmo escrevendo quando estou escrevendo. falo tanto de cavalos, talvez, pois é o mesmo insondável que vejo nos cavalos e que não sei abarcar, o mesmo insondável que é matéria e órbita / da respiração, do futuro/ é certa atmosfera, certa atmosfera que combina prazer com controle, deslize com critério, ritmo com pensamento, que me faz "escreve"r. "escrever" seria, então, uma sensação?
cabe tanta coisa.
não sou concreta / não sou exata.
dito isso, "não escrever" é, por um lado, a falta de concentração em um trabalho que vai tomando forma de unidade acabada (poema, livro, etc) e, por outro, é a ausência de uma sensação atmosférica advinda do conjunto de Não Sei o Quê com impulsos mecânicos de digitação ou da textura da caneta sobre o papel.
e o que é que essa ausência causa tanto?
repentinamente me deu sono, e este que seria o começo de um texto sobre "o que vivo ao não escrever", que "sensação que não escrever me coloca?", "etc", repentinamente esse texto se tornou escrito e o toda a escrita de hoje. espero amanhã ou depois (os dias numa ilha são cheios de imprevistos), espero continuadamente voltar a escrever sobre não escrever.
evoé, meu pai! a benção, vovô.
Um comentário:
foi bom ler este texto aqui, hoje.
obrigada.
Postar um comentário