hoje faz dez anos que minha avó se foi. percebi que não tenho nenhuma foto dela, o que, claro vai ter de ser conquistado. lembro que íamos visitá-la no interior de SP e a força que ela tinha me impressionava. soube por outros que ela dançava com aqueles saltos altos, dançava em salões, em gafieiras, dançava com paixão.
quando eu era bem pequena, lembro de estar no sofá com ela, que me cantava uma canção, até que ela parou e bem densamente me contou que um irmão, por cobiça, tinha destelhado a casa em que ela vivia com a mãe e as irmãs. todas tinham ficado noite e dia, sol e chuva, a viver sem telhado, durante um ano. aquilo me impressionou muitíssimo, pela crueldade e fatalidade. no carro, voltando pra SP, contei pro meu pai o que ela tinha me contado e ele respondeu "o nome disso, Júlia, o nome disso é Nonna Itália".
dia desses eu estava no metrô com o Marcos e o Luiz quando vi um casal abraçado, os dois já idosos. ela muito branca e mais velha do que ele, um homem com um rosto de índio mulato. foi aí que me lembrei do seu Jorge, o namorado da minha vó, que sempre estava lá quando íamos visitá-la. eles assistiam o programa do Raul Gil na televisão e ele era muito amoroso comigo, quase não falava, tinha enorme paciência, mãos de violeiro, que pousava na minha cabeça cheio de afeto. minha vó mandava nele o tempo todo, até que um dia o mandou embora.
me lembro que o banheiro tinha azulejos azuis e que o quarto dela parecia ter mil anos. às vezes me lembro do retrato de um homem na sala daquela casa, numa praça de alguma cidade, com um monte de pombos voando ao redor dele e eu olhava o retrato e pensava "como alguém pode ser tão sério e tão alegre ao mesmo tempo?". aquele retrato era pra mim um enigma. um dia perguntei "vó? quem é no retrato?", "como quem é? é o seu avô." foi aí que percebi que aquele homem era muito parecido com o meu pai.
a casa dela tinha também uma grande tapeçaria com um tapete onde havia uma esfinge. muito do que ela era para mim representava aquele tapete, uma esfinge insondável. o quarto dela não tinha mil anos porque parecesse velho, são coisas diferentes. quando me lembro de como ela me abraçava, sinto que tenho o mesmo esqueleto que ela tinha, a mesma formação entre os músculos.
a minha avó certamente nunca estudou música e tinha ouvido absoluto, qualquer melodia que se cantasse para ela, imediatamente ela reproduzia no violão ou no piano. como eu gostaria de ter herdado esse dom!
infelizmente também não tenho um dos seus sobrenomes, o Brancaglione, que ela se desfez quando se casou com meu avô. embora eu a tenha conhecido, sinto que foi pouco perto do que poderia ter sido. mas a vida inteira que poderia ter sido e que não foi, são uns versos de um poeta muito querido, mas que também não está mais entre nós.
quando eu era bem pequena, lembro de estar no sofá com ela, que me cantava uma canção, até que ela parou e bem densamente me contou que um irmão, por cobiça, tinha destelhado a casa em que ela vivia com a mãe e as irmãs. todas tinham ficado noite e dia, sol e chuva, a viver sem telhado, durante um ano. aquilo me impressionou muitíssimo, pela crueldade e fatalidade. no carro, voltando pra SP, contei pro meu pai o que ela tinha me contado e ele respondeu "o nome disso, Júlia, o nome disso é Nonna Itália".
dia desses eu estava no metrô com o Marcos e o Luiz quando vi um casal abraçado, os dois já idosos. ela muito branca e mais velha do que ele, um homem com um rosto de índio mulato. foi aí que me lembrei do seu Jorge, o namorado da minha vó, que sempre estava lá quando íamos visitá-la. eles assistiam o programa do Raul Gil na televisão e ele era muito amoroso comigo, quase não falava, tinha enorme paciência, mãos de violeiro, que pousava na minha cabeça cheio de afeto. minha vó mandava nele o tempo todo, até que um dia o mandou embora.
me lembro que o banheiro tinha azulejos azuis e que o quarto dela parecia ter mil anos. às vezes me lembro do retrato de um homem na sala daquela casa, numa praça de alguma cidade, com um monte de pombos voando ao redor dele e eu olhava o retrato e pensava "como alguém pode ser tão sério e tão alegre ao mesmo tempo?". aquele retrato era pra mim um enigma. um dia perguntei "vó? quem é no retrato?", "como quem é? é o seu avô." foi aí que percebi que aquele homem era muito parecido com o meu pai.
a casa dela tinha também uma grande tapeçaria com um tapete onde havia uma esfinge. muito do que ela era para mim representava aquele tapete, uma esfinge insondável. o quarto dela não tinha mil anos porque parecesse velho, são coisas diferentes. quando me lembro de como ela me abraçava, sinto que tenho o mesmo esqueleto que ela tinha, a mesma formação entre os músculos.
a minha avó certamente nunca estudou música e tinha ouvido absoluto, qualquer melodia que se cantasse para ela, imediatamente ela reproduzia no violão ou no piano. como eu gostaria de ter herdado esse dom!
infelizmente também não tenho um dos seus sobrenomes, o Brancaglione, que ela se desfez quando se casou com meu avô. embora eu a tenha conhecido, sinto que foi pouco perto do que poderia ter sido. mas a vida inteira que poderia ter sido e que não foi, são uns versos de um poeta muito querido, mas que também não está mais entre nós.
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