não faz muito tempo ele me contou que escolheu me pedir em casamento quando me viu atirando gérberas cor de laranja pela janela do carro em que atravessávamos o Gerês. a proposta de casamento veio semanas depois do acontecido e as gérberas eram para o túmulo do António Variações — eu nunca levei flores pra nenhum outro morto nem parente meu na minha vida — e tinham sido muito difíceis de achar. o amor às vezes também é um troço complicado, tínhamos andado a discutir feito loucos por dias e na busca daquelas gérberas por aldeias várias não foi diferente. quando finalmente achamos uma floricultura era o único buquê que havia disponível e com ele nas mãos eu entrei pra fazer xixi no mosteiro em frente, um daqueles de séculos onde um casamento vulgar de tão luxuoso acontecia e pensei eu hein casar que coisa horrível nunca na minha vida etc etc enfim com os gerânios nas minhas mãos e ele dirigindo nos perdemos muito muitíssimo as placas da estrada e o mapa que tínhamos não coincidiam e as estradas por ali são uma espécie de superfaturação em cadeia de rotundas — a cada três ruas há uma rotunda — ou rotatória como ser diz dos lados deste atlântico. deixando o atlântico de lado e voltando as gérberas eu fiquei tão putíssima da vida de irritada que abri a janela e comecei dramática e friamente lançar flor a flor pela janela. uma a uma, mas não todas, afinal o António não podia ficar sem — e depois disto lá nos perdemos mais um pouco pelas rotundas mas levamos as flores amansados e em paz como convém aos cemitérios. anos depois eu soube que na hora que eu atirava flores pela janela ele pensou "sou um idiota. como fui capaz de fazê-la jogar pela janela as flores que ela mais quis encontrar?".
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário