segunda-feira, 29 de agosto de 2011

amigos bíblicos

II

Eu a rosa negra da planície de Saron lírio de seis petálas no vale.
Como a rosa
entre os espinhos cardos assim a minha amiga está
entre as filhas.
Como a macieira entre as árvores no bosque o meu amado
é entre os filhos.
Sob a sua sombra desejei e estive e o seu fruto luz doce
na minha garganta.
Trouxe-me para a sua cave assinalou sobre mim o amor
o seu pendão.
Rodeai-me de taças de vidro fundamentos pomos que adoeço
de amor eu.
A sua esquerda sob a minha cabeça a sua direita que
me há de abraçar.

Vos rogo filhas de Jerusalém por gamo e por cervos do campo
que não desperteis
nem fareis desvelar amor na caça antes de que queira.

Voz do meu amado eis é o que vem atravessar os montes saltar
sobre as colinas.
Semelhante o amado a gamo ou a cria de cervo é este aqui está
além do muro
brota entre janelas o que assoma pelas gelosias.             Respondeu
o meu amado
disse-me levanta o teu corpo minha amiga
bela e caminha
porque o inverno foi o exílio a chuva passou caminhou
para além.
Saem da terra os rebentos eis o tempo da poda chegou
hora do cântico.
E a voz da rola nos campos terra nossa peregrina
que se ouve.
Na figueira brotam os figos e a vide o odor ergue-te
a ti mesma
amiga minha formosíssima e vem contio. Minha
pomba brava
nos recantos da escarpa oculta nas espirais descobre
a tua face Rosto
faz ouvir a tua voz e essa tua face
Rosto desejável.
Prendei-me as raposas novas que destroem vinhas nossas
que estão em flor.
O meu amado meu unido e eu para ele o que apascenta
entre as rosas lírios.
Antes de que sopre o dia e fujam as sombras na manhã na tarde
sê semelhante
meu amado a cabra ou a cria de cervo sobre as montanhas
de separação.



[a tradução é de Fiama Hasse Pais Brandão, do Cântico Maior (Atribuído A Salomão).]


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

sai do lugar onde não sei ficar. dei um salto, caí com os dois pés. estive toda a tarde pensando nisso. em pular, saltar, se toda a vida não é sempre perto, rápido demais. às vezes parece que vim viver em portugal pra atrasar 3/4 meu relógio de contar, puxar a marcha lenta vezes cem vezes também. eu coloquei um elástico na cintura, era de noite. então eu vou vou vou vou vou vou. o elástico comigo na barriga puxa puxa puxa puxa puxa. então gente alcança um lugar. quando chega lá minhas coxas não têm mais forma de resistir ou o elástico (mesmo) está ressacado e inconveniente - pra trás, pra trás, pra trás -. haja tanto salto. mais que legume alho picado em frigideira quente.
talvez o espaço
seja uma necessidade de cultivo - aprender a absolvição do sentido, entre hortaliças.
ou ficar tão mole, tão mole, de entregue de presa
você com tua garra de lagosta
a me incidir os pronomes - sem perceber, amor, que só o que se recolhe
no claro, é que alcança a sombra.

ou dizer assim: gosta de mim?
aposto que ele nunca me esqueceu. também você se adianta demais.
você encontrou uma escola, lembra?
estudou em três. isto além do jardim da infância e das duas - já - faculdades.

sempre sei o que vai durar mas o meteoro me enriquece
de fatos, feito um tecido conjuntivo, o acaso. é.
o acaso é feito um tecido conjuntivo.
eu sou os ossos. ele os músculos.
os órgãos? do mundo.

passa lá embaixo uma menina de camiseta de bolinha.
eu penso que enquanto não aparecer eu não paro de escrever aqui.
talvez pudesse até cantar adriana calcanhoto, marina lima.
mas nossa, bom mesmo é cazuza, ou imitar cachorro.

quanto mais vejo os cães, mais admiro os gatos.
as pessoas que se dividem nas que gostam de cães, nas que gostam de rabos.
eu gosto de tudo isto, gosto também de melancia.

às vezes tudo me enche o saco. meus inimigos estão no poder.
estou tão cansada às vezes não sei. vou conseguir? atravessar o areal, a desventura.
chega de desventura, meu deus, eu já paguei a conta do analista.
na verdade era vovó quem pagava. e eu quem vou mudar o mundo?
claro.

peguei umas pedrinhas no caminho, lampejos. depois que eu tiver escrito tudo, não apaga?
por favor, eu venho aqui e escrevo na lousa, no quadro, de giz ou caneta bastão. daí ninguém lê.
depois que ninguém lê ninguém vem aqui e apaga. assim continua a escrita dos dias.

acho importante.

(Que ninguém leia, não, não sei se me preocupo com isso. com os rascunhos. o resto é beleza, beleza tem que ser vista. tem? se uma árvore cai no meio do mato faz um barulho lindo, eu não sou a árvore, ninguém - o do bastão - está lá pra ver. esta árvore existe? - claro que sim. ninguém precisa de ninguém pra ler. mas poesia se escreve de pessoas pras pessoas. - - - embora existissem hipopótamos tão raros.)

será que o fim da tarde em Portugal é outro? não sei explicar.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

vou pular

um encontro marcado num barco. por atravessar
o Tejo.

e ele me entende.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

ai

enquanto eu vou fazendo 
enquanto eu vou fazer
as coisas da casa e um horóscopo antigo - meu mapa natal - diz que coloco força em tudo que desejo, e que talvez (talvez?) seja bom aprender a fazer mais menos logo. antes que seja tarde. me imagino muito velha e irritada porque minhas pernas não andam? mas a ternura do meu corpo por si mesmo, que é um encontro, eu cuidarei bem dele, como dessa casa. detesto sujeira, lembro do meu pai, que diz que detesta sujeira, e sinto tanto prazer, adrenalina (disse ez) pela faxina, fico falando disso muito tempo aqui, acho que falo muito aqui de faxina, de sonho, de amor, de liberdade. tenho pensado em tatuar uma nuvemzinha muito pequena. muito pequena nuvem sobre o pulmão. mas não nos seios, que seria o lugar mais bonito pra uma nuvem, mas é tão bonito que eu não consigo. tem que ser o pulmão pelas costas. tem que alcançar a nuvem do teu pulmão pelas costas. sempre chorei estrelas. o choro vem do pulmão, é o que eu acho. o peito cheio de nuvens. a vida que é uma flâmula que flama. 

quero mostrar-vos a foto de alguém que eu amo


admirável.
depois.
depois me lembro de entrar na barraca e terem 5 aranhas em cima da minha mala. eu matei elas todas, num ímpeto. pensei então que horror, matar a vida assim à toa. procurei o b e disse que eu queria ir embora. não aguentava mais aquela música trance tocando sem parar. pensava a toda hora "ana cristina césar não viu uma rave". pensava toda hora "herberto helder entendeu as montanhas e as raves e o fogo e os tecidos e a cordialidade de um coração e o silêncio e". agora penso será que tudo no herberto helder é esse múltiplo justaposto lado a lado coisa a coisa figura a figura. por que em ambos os dois aconteceram modos de perder a hierarquia? não. nela, sim. nele a oscilação de tom e grandeza, as coisas vão num crescente e nada, de repente. mas as aranhas todas mortas pela minha hierarquia, daí não da limpeza, mas da peçonha, não. então procuro pelo b fora da barraca, na tenda dele e digo se ele iria embora comigo naquele momento? eu já sabia que não iríamos, eu mesma era só angústia, não movência. ele me explicou as dificuldades com muito carinho. eu olhei pra ele e disse que sim, ele tinha razão, e falando das aranhas disse do horror, depois disse da morte, depois disse "mas os bichos não fazem nada" e comecei a chorar e disse "mas os bichos não fazem nada, meu pai sempre me disse isso quando eu digo que tenho medo de algum bicho ele me diz 'mas os bichos não fazem nada' ". ai que choro, ai que angústia pelos bichos que não fazem nada, ai que saudades do meu pai, ai meu ordenado, ai Portugal. e fiquei comendo biscoito de alfarroba e rindo "comes alfarroba, pequena", o b riu também, as aranhas riram na uma alma só que têm, como os peixes. mas não como aranha, não.

volto e minha mãe me pergunta se eu estou apaixonada. ai mamãe ai mamãe não sei dizer mas mamãe que me conhece mais que os estômagos de peixe e as aranhas que entram desavisadas na minha tenda e partem as patas sem vida.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

há mar

"o amor é das poucas coisas que tá aí pra todo mundo" - encosta em mim, logo gruda. tanta capacidade simples, ser cativo de si mesmo como uma salivação. haveria tão mais a dizer. até a mala é uma aposta no verão. e quinze dias são um milhão. meu coração não sabe mais, meu cabelo começou a prender. a incrível arte de escolher livros para o mar. 

minha nova câmera é igual a antiga. sobretudo uma velha praktica.

o b vai comigo. o b é pra sempre. comigo.

e meu mouse tá fazendo som de passarinho quando clica.

portugal é lindo, vou contar. lugar, passagem, estar. comer: hoje comemos milho cozido passado no azeite com flor de sal. portugal is burning nos seus acessórios. vou contar outra coisa: as estrelas estão sempre por aí. nós conseguimos dizer mais um pouco: os planetas a rodar nos signos sem parar. precaução não. nem me venha com nada que seja menos, ou segurar. bem comportada não vai dar em nada. te mando um beijo gostoso. e até já.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

tenho um velho amigo

*

aos vinte ou quarenta os poemas de amor têm uma força directa,
e alguém entre as obscuras hierarquias apodera-se dessa força,
mas aos setenta e sete é tudo obsceno,
não só amor, poema, desamor, mas setenta e sete em si mesmos
anos horrendos,
nudez horrenda,
vê-se o halo da aparecida, catorzinha, onda defronte, no soalho, para cima,
rebenta a mais que a nossa altura,
brilha com tudo o que é de fora:
quadris onde a luz é elástica ou se rasga,
luz que salta do cabelo,
joelhos, púbis, umbigo,
auréolas dos mamilos,
boca,
amo-te com dom e susto,
eles dizem que a beleza perdeu a aura, e eu não percebo, creio
que é um tema geral da crítica académica: dessacralização, etc., mas
tenho tão pouco tempo, eis o que penso:
décimo quarto piso da luz e, no tôpo, a, tècnicamente definida, lucarna, que é por onde se faz com que a luz se faça,
e a beleza é sim incompreensível,
é terrível, já se sabia pelo menos desde o Velho Testamento,
a beleza quando avança terrível como um exército,
e eu trabalho quanto possa pela sua violência,
e tu, catorze, floral, toda aberta e externa, arrebata-me nos meus setenta e sete vezes êrro
de sobre os teus soalhos até à eternidade,
com o apenas turvo e sôfrego
tempo onde muito aprendo que só me restam indecência, idade, desgovêrno,
e sim, pedofilia, crime gravíssimo
¿ mas como crime, pedofilia, se a beleza, essa, desencontrada
nas contas, é que é abusiva?
e se me é defesa, e terrível como um exército que avança, eu,
setenta e sete de morte e teoria:
o acesso à música, o rude júbilo, o poema destrutivo, amo-te
com assombro,
eu que nunca te falei da falta de sentido,
porque o único sentido, digo-te agora, é a beleza mesmo,
a tua, a proibida, entrar por mim adentro
e fazer uma grande luz agreste, de corpo e encontro, de ver a Deus se houvesse, luz terrestre, em mim, bicho vil e vicioso




[do "A faca não corta o fogo", Herberto Helder.]

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

agosto

sábado, 6 de agosto de 2011

estou com uma amiga andando atrás de um caixa eletrônico, estamos no brasil e talvez até na bahia. andamos por uma rua desconhecida, até que eu reconheço um ponto de ônibus com um cercado, bem brasileiro, pipoqueiro vendendo pipoca, baleiro vendendo bala, 30 pessoas esperando, tudo colorido e 4 placas enferrujadas da onde já se apagaram os destinos. no espacinho que dá pra passar eu passo, vem um desconhecido do outro lado e me agarra, eu gosto agarro ele também, mas dou uma bronca, e saio andando. 
depois estamos num grande saguão de posto de gasolina tipo graal, brasileiro, e há uma caixa eletrônico, finalmente, e é um multibanco português. eu preciso ir ao banheiro e vou, mas o banheiro é um estúdio, escritório enorme, que é da mãe da minha amiga e a mãe da minha amiga no sonho é a marília gabriela e tem um milhão de coisas de escritório em cima de uma mesa enorme, e a cadeira onde é finalmente a privada. então eu me sento e começo a fazer cocô e não tem papel, mas uns pedaços de pão que eu interpreto que são os higiênicos daquela mesa. terminado, só que ainda não levantada. daí as duas entram com fome e eu nem falo nada e começam a conversar comigo como se aquilo fosse uma sala de estar e eu não estivesse no banheiro. lembro dos clips coloridos em cima da mesa. e também das folhas de papel. e que havia sobrado um pedaço de pão. 

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

hoje

hoje 
fiz das coisas mais importantes da minha vida. o "ofício cantante", do herberto. tem algo que tem sido difícil de dizer, porque não é um derramamento e talvez os meus pés não estejam leves o suficiente - então me sentei. antes de me sentar no largo onde nasceu o fernando pessoa - largo de são carlos - no 4o andar - eu não sabia antes de sentar - eu voltei na livraria porque tinham me dado 5 euros a mais de troco. assírio e alvim. se fosse a fnac eu não voltava.

hoje
percebi que faz tempo já que sei que a intensidade não está no dizer tudo, mas no corte. coisa que como ninguém ana cristina césar soube fazer. e herberto helder. al berto não. 

hoje
me sentei com a obra completa do herberto helder no sol do largo de são carlos e vibrei como as folhas enquanto lia. todos os portugueses só queriam os bancos com sombra, eu justamente o do sol. li, não posso dizer que chorei, porque desde manhã chorei do mesmo jeito o dia todo. uma comoção pelo foco que as coisas tomaram nos últimos dias. uma comoção pelo fato da reincidência e de que hoje eu leio herberto helder porque numa aula vinte anos, não, seis anos atrás caiu na minha carteira um xerox e era como um corpo de deus misturado com muita aveia e gaze, todo enrolado. para ver sua face eu precisei tirar a aveia e a gaze com os dentes, comê-lo. então o deus ficou nú e me disse: sou tua vida. eu acho que meu primeiro princípio de amor coincidente com este caminho, vir morar aqui, foi. foi naquele lugar onde quero viver, onde o espaço se desloca no espaço. mas tudo isso sobreposto, meu peito como uma casca de noz de onde se tirou o fruto cedo, 

hoje

terça-feira, 2 de agosto de 2011

o importante é que emoções

desconfio que escrevi um poema violento

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

segunda-feira

três sonhos seguidos com intervalos, só me lembro de dois

o primeiro a casa em que cresci (como sonho com lá) estava sendo assaltada, "mais uma vez" - era o que eu pensava, e toda a fachada dela era de vidro, enquanto eu passava na frente de carro com alguém que não era da minha família -a família estava toda lá dentro - minha irmã me fazia um gesto claro que eu entendia como um "saiam daqui, estamos sendo assaltados" e eu ia com a pessoa do carro tomar um café no centrinho, enquanto esperava o assalto terminar, pensando que chamar a polícia seria pior e me angustiava mas sabia que só iam levar tudo e tudo mas que iam deixar todos vivos, com sorte

(país ridículo).

depois na mesma rua da minha casa eu estava com meu pai de carro e com um filhote de gato no colo. por algum motivo nós tínhamos que deixar a casa e parávamos em frente da escola que fica ali na rua e eu tentava colocar o gato branquinho dentro da caixa de correio azul da escola, ele cabia, eu fechava o lacre, meu coração doía muito, eu pegava o gato de volta e pensava "não, minha vó vai ter que aceitá-lo", e ficava fazendo nele muito carinho, toda preocupada. quando cheguei na casa da minha vó comprei areiazinha pro gato que logo fez xixi em cima. e apareceu minha tia e ficou me dando uma bronca de horas. -

minha vó detesta gatos.
 

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