domingo, 19 de outubro de 2014

incorporando pessoa - parte 1

estudo astrologia faz uns 15 anos. só queria dizer que acabei de me confrontar com o fato de que o drummond e o belchior tem mapas astrais parecidos. acho que vou chamar o fernando pessoa pra conversar sobre esse assunto.
como seria a i no vo ca ção (a invocação cheia de novo, sem nostalgia) do poeta? se o próprio fernando se sentasse na cadeira ao meu lado, como se ela não fosse a sintética cadeira de madeira com desenho de violão cantando canção dos anos '60,  mas sim uma namoradeira de pedra de algum segundo andar da rua de são mamede e se de algum jeito o próprio fernando falasse comigo: olá, Júlia.  Fernando assinaria "com os melhores cumprimentos"? ou, faria assim lindo:
"Seu,
Pessoa."
nada disso, pois ele já está sentado ao meu lado. vejo uma cadeira vazia, não escuto a sua voz, nem ele está aqui mesmo de verdade... penso que estou frustrada. vou ter que chamá-lo novamente:
Seu Pessoa, 
por favor, venha até mim pra conversarmos sobre o mapa astral do Belchior e do Drummond. você não os conhece, mas eles o conheceram. diria mais: diria (por favor me dê o seu coração que pensa tanta quanto sente): eles passaram a vida a te amar. vamos ver os mapas deles juntos?
aguardo com carinho a sua mensagem. 
beijo!
júlia.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

paz




um beijo pro don octavio.
espero que ele me retribua. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

como calha

viver no lixo ou na cama
casar na cama ou na capela
putas vinho e cinderela
caça ao fim-de-semana
ganhar o pão de gravata
a chafurdar-me na lama
ficar para sempre com a manuela
ou não se ama como calha
por que é que não é tudo como calha
nem mesmo no acaso a culpa falha
bem que podia ser tudo como calha.
matar a velha das finanças
ou ser verde e amoroso no andanças
a encher as freaks todas de esperanças
e lembranças uma vida de caganças
juntar-me a um homem lindo
ou fingir que vou dormindo onde calha
por que é que não é tudo como calha
nem mesmo no acaso a culpa falha
bem que podia ser tudo como calha.
fica sempre tanta gente para trás
ou é para a frente nem me lembro
agora tanto faz
os ofícios as rotinas que escaparam rapaz
as mentiras as meninas que deixaste em paz
as leituras as viagens as carreiras
que deixaste em paz
já perdeste um companheiro
e 'tás inteiro sem os sonhos que deixaste em paz
a velha ganância a namorada de infância a casa no bairro o carro
e tudo o que não volta atrás
do karma que deixaste em paz
deixaste em paz


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

há um concerto tão lindo da mercedes sosa na suíça, em que ela cita o cesare pavese dizendo que os poetas são profetas. ontem de madrugada tentaram me enganar num daqueles telefonemas em que se fingem de algum conhecido teu dizendo que foi sequestrado (há tanta má farsa na realidade!), e eu depois de um pesadelo, e de dormir muito bem, passei o dia cantarolando pelas ruas daqui (e dali também) "quero ter olhos pra ver / a maldade desaparecer", e lembrando da mercedes fui esperando o ônibus dizendo o que o pavese diz entre os lábios (onde tantos versos perdi!), pensei que se os poetas são profetas, os sambistas são, então, a profecia.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

oficina de escritas


sábado, 4 de outubro de 2014

ontem à noite, pela primeira vez, li o poema do Leonardo Fróes que segue abaixo. é maravilhoso demais ter trinta anos e acontecer de novo de ser a primeira vez que leio algo que parece que sempre foi o sentido de tudo, de tudo, no caso, que penso sobre o poema:

O poema

Com esse modo agreste
de usar o vocabulário,
tentando tirar o mofo
do seu emprego diário,
tentando dar às palavras
um valor não-literário,
tentando extrair vida
de um velho dicionário,
aí vai o poema,
e vai sem destinatário,
assim como surgiu,
rangente, seco, dentário
capaz de ferir a pele
por baixo do vestuário,
capaz de fundir num todo
os sentimentos contrários.

Excesso de amor perdido
no território solitário
de um aprendiz comovido,
resto de gritos e urros
num cárcere voluntário
onde me sinto mais livre,
o poema, sendo vário,
é sempre uma coisa minha
de fundo comunitário,
é sempre o desenho breve
de um gesto visionário,
uma esperança constante
de, sempre, ser solidário.

Símbolo tenso e aéreo
de um ébrio noticiário,
rumo incerto construído
com materiais precários,
o poema é sobra e soma
de impasses humanitários,
é dúvida e febre, cerco,
memória de um ser primário,
é o lance mais gratuito
de um jogo desnecessário
que eu disputo com as trevas
por ímpeto hereditário.

Meu tédio, meu desalento,
meu triste dever diário,
as forças de além-do-tempo
sujeitas ao calendário,
minha sede, meu orgulho,
meu desgosto sedentário,
minha mão sempre apontando
para um mundo igualitário,
meus monstros gesticulando
no fundo de um relicário,
meus porres e meus pavores,
meus nervos incendiários,
vai tudo contido nele
em busca de itinerário.

E se acaso esse poema
no seu ritmo arbitrário
toma fôlego e se entranha
nos meandros planetários,
se chega, tal como a brisa
ou som de um campanário,
a pungir dentro do peito
de onde é originário,
se reproduz, como pode,
a forma de um estuário
por onde meus sonhos fluem,
eu, seu modesto operário
—que nunca de um talento
fui o feliz proprietário,
cuja ambição foi só
ser um fiel escriturário
de tudo o que vai passando
no mundo do imaginário—
eu me dou satisfeito
e, fato extraordinário,
me suplanto, me extasio,
me dissolvo libertário
e sou cada vez mais eu
sendo vosso — e ainda mais vário.


- -
do "Língua Franca", de Leonardo Fróes, livro publicado quando o poeta tinha 27 anos.
 

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