domingo, 10 de janeiro de 2016

capricórnio



ontem na minha festa de aniversário me perguntaram quando eu escreveria aqui sobre o signo onde o Sol astrologicamente se encontra em todas as transições de ano do calendário gregoriano: Capricórnio. para alguém de outro signo, talvez, esse pedido soasse como uma cobrança fora de ocasião; mas pra mim, que sou de Capricórnio, essa lembrança soa como uma confirmação: trabalho, por prazer & firmeza, este meu lugar no mundo e sou o que faço em qualquer momento da minha existência. que eu escreva, então, de ressaca ainda, enquanto a Lua nova se encontra em Capricórnio e eu ainda não fiz realmente aniversário.

dia desses eu conversava com meu sobrinho de 11 anos, que nasceu na véspera do Natal e que anda interessado em saber mais sobre o nosso signo. ele perguntou: "o que nos define?". eu respondi, na lata: "que nascemos velhos e vamos, aos poucos, descobrindo a alegria disso". ele ficou muito incomodado: "mas que graça tem isso?" e eu respondi "quando me disseram isso eu era mais nova do que você e também detestei. mas com o tempo você vai descobrir". e o lembrei do mesmo menino que ele foi, com 4 anos de idade, me dizendo que andava muito interessado em calendários.

o tempo é aliado dos capricornianos e é por isso que dizem que gostamos de agendas, calendários, compromissos porque, de muitas maneiras, Capricórnio tem a ambição de obrar todo o fazer (im)possível para possuir o seu poder. e o poder da Cabra-Peixe é dominar esse tambor de todos os ritmos, senhor das rodas que nos esmagam e nos constroem: o tempo.

mas o que é o tempo? a melhor definição por milênios é a de Santo Agostinho: que diz algo como: se não me indagam o que é o tempo, eu sei dizer; mas se me perguntam já não sei responder. como o tempo é muito maior do que um indivíduo, amadurecendo Capricórnio aprende que sendo o tempo um aliado, não se pode deixar que ele facilmente se torne um inimigo. não vai dar tempo de fazer tudo que a ambição deste signo quer colocar no mundo e, se não aprender a delegar e a conviver com os outros & os outrem (coisas nas quais Aquário e Peixes serão os mestres) Capricórnio arrebenta. e assim, Capricórnio aprende o que não desejaria: que, como todos, não nasceu pronto para nada. e aí, Capricórnio se torna.

isto porque Capricórnio facilmente vira um servo do tempo: como associa viver com sua imensa capacidade de fazer, Capricórnio pode se desgastar pelo tanto tempo que utiliza fazendo. Capricórnio também tem de aprender que embora o planejamento, a capacidade de antecipação e previsão sejam excelentes instrumentos, elas também não dão conta do imponderável que é viver. e aí Capricórnio nota que tem um rabo de peixe, quando percebe que o imponderável vai sempre mostrar que há uma grande ingenuidade em qualquer tentativa de controle. Capricórnio descobre assim carregar nas suas ambições a ingênua criança no seio da velhice, onde velhos e crianças são manifestações simultâneas da mesma natureza em seus ciclos.

os raríssimos capricornianos humildes que conheci não se vergam a nada nem a ninguém, mas com respeito se curvam ao imponderável dos acontecimentos, aprendem a se reposicionar conforme as coisas acontecem & reconhecem que dentro de todo velho vive uma criança que nada entende. a ingenuidade! fecunda mundos. e ensina o velho a rir de si mesmo. assim, os capricornianos são, antes de tudo, os alegres melancólicos do zodíaco. porque já viram, ouviram, reconheceram de tudo e, embora ainda queiram mais, sabem que sem podar, sem ceifar, sem limitar não há o que cresça, sem tijolos e pedras não há o que se faça para se construir uma fortaleza.

mas Capricórnio tem de aprender também que se preocupar, quer dizer, se ocupar com antecedência, não vai trazer um controle mais garantido pras coisas, pelo contrário, vai dificultar o rebolar do esqueleto da rígida estrutura em que Capricórnio se preveniu de tudo. diferentemente do seu primo mais novo, o cardinal Áries, Capricórnio tem que aprender a dizer sim ao que não imaginou como possível. dizer "não" é o caminho mais fácil para Capricórnio e, por isso mesmo, o mais rígido e sem experiências também.

Capricórnio também é a sociedade, o entendimento das regras sociais, das normas que regem a vida entre as pessoas. é claro que isto faz de alguns capricornianos regrados, medrosos, convencionais e também os maiores caga-regras que existem (sorry aos outros signos, mas esse troféu, esse topo também é nosso). mas também é evidente que o entendimento sistêmico das realidades sociais pode ser uma libertação: por reger a moral social, Capricórnio pode perceber que a variabilidade da vida é tamanha, tão ampla, que assim faça cada um o que quiser, a responsabilidade é de quem a tem, pois embora não seja tudo lei, todo ato e gesto lhe será cobrado/recompensado por Saturno, este nosso mestre-regente.

além disso, conhecer as normas e as regras com inteligência pode significar perceber, justamente, o que é preciso ser desmontado pra que a gente chegue na estrutura das coisas. pra citar, rapidamente, três capricornianos que fizeram disso as suas obras: David Bowie, Simone de Beauvoir, Gilles Deleuze. usando esses três casos de exemplo, outros podem dizer que Capricórnio está na frente do seu tempo, mas eu digo outra coisa: Capricórnio está tão fincado no seu próprio tempo, que suas raízes se aprofundam com firmeza na Terra.

por reger as estruturas, tendo a ver Capricórnio como uma alta árvore no alto do cume e, lá de cima, a velha árvore vai muito alto porque está muito ligada a profundidade das coisas. e aí, minha gente, as árvores sabem bem envergar com o vento, já a Cabra-Peixe tem que aprender a ter o que não tem: jogo de cintura.

Capricórnio é o ancião que se retira do mundo para entender o mundo. com sua metade cabra Capricórnio escala todas as montanhas, com seu rabo de peixe Capricórnio mergulha nos mais escuros dos oceanos. se é regida por Escorpião, a ancestralidade também é de Capricórnio, pois é este signo que conhece a tradição na sua estrutura, de tanto a trazer em si. e reconhecer o dom e o peso que isto é, é árdua e doce tarefa capricorniana.

gosto também de lembrar do capricorniano que foi Oswald de Andrade, que na sua autobiografia conta a chegada de um circo na cidade, no final do século XIX, com uma grande máquina de fazer gelo. o antropófago nos conta que todas as pessoas estavam em êxtase, impressionadas com aquela novidade, mas que ele, poeta de nem 10 anos, olhou o que nunca tinha visto (o gelo) e disse assim "mas eles estão impressionados com isto? mas é só isto?".

por ser o mestre da realidade, o problema da realidade para Capricórnio é que ela nunca será suficiente e, por isso, Capricórnio se coloca a obrar as coisas que não foram feitas, ou que não foram feitas suficientemente bem, quer dizer, as coisas que não são estáveis e nem duráveis. aí também o rabo de peixe do símbolo vem mostrar a natureza deste signo: ser híbrido, místico. místico? sim. é curioso que a astrologia moderna das revistas de comportamento tenha praticamente esquecido a ligação deste signo com a magia, dando muito privilégio a ambição capricorniana de possuir dinheiro. certamente o dinheiro interessa aos capricornianos, afinal o que é o dinheiro além do poder simbólico por excelência, de transformar um símbolo em matéria? e o que deseja a magia e a construção, o projeto e a bruxaria, além de transformar a realidade simbólica em obra?

construtor de pontes, sistemas de pensamento, castelos & masmorras, Capricórnio é o signo cardinal de Terra e vem utilizar aquilo que Touro gerou com sua fertilidade e Virgem selecionou com seu crivo. entendo que Touro é a matéria, Virgem a transforma em matéria-prima e Capricórnio a utiliza para fazer a obra-prima. de modo que seu espírito ganhe um brilho definido.

dizem de Capricórnio que, no limite, somos frios. certamente temos muito a aprender com a ternura do nosso oposto complementar que é Câncer. e eu acho que sim, somos frios porque somos práticos, e somos práticos por quê? oras, porque assim ganhamos o tempo. se haverá esforço? rigidez? bem, o que usaremos pra isto, fica guardado em sigilo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

das situações mais exóticas que já vivi foi na Bahia. estávamos na praia com o Veneno, um cão que eu gostaria que fosse meu, ou espero um dia ter um cachorro tão fiel e inteligente como aquele.

nos aproximávamos dos corais e eu vi, lá longe, uma menina com alguma coisa amarrada num anzol, colocando essa coisa indiscernível no meio das pedras marítimas. percebi no veneno uma flexão de narinas peculiar e quando pensei "hora de colocar a coleira nele", ele já havia disparado e ia correndo em direção da menina.


chamei, gritei, nada, o Veneno foi no seu alvo: a menina não, embora ela tenha entrado em pânico pela fama de ser malvado que aquele cão tem naquela ilha. mas era nada, Veneno era antes de tudo um revirador de latas de lixo na madrugada, e foi direto na isca que ela pendurava com um fiozinho de nylon amarrado numa varetinha e engoliu.

eu corri na direção deles, então a menina saiu correndo em direção da mãe e dizia "ele comeu!!! não vamos ter o que comer!!!". eu não sabia com o que entrava mais em pânico e perguntei "tinha anzol na isca?" e ela com a mão "DEEEESSSSE TAMANHO", e o anzol tinha o tamanho de um polegar e estava na isca que o Veneno tinha engolido e que o fio de nylon não permitia que fosse parar muito longe.

então o cachorro começou a chorar. a menina também, começou a chorar. eu, como não choro nessas situações, abri a boca do Veneno e meu marido enfiou a mão na boca dele e começou a puxar o que estava lá dentro pra fora.

"é frango", disse a mãe da menina. e o Veneno gania de dor. eu já imaginava o anzol cortando a garganta do Veneno, ou a língua caso a gente conseguisse arrancar, me imaginava numa lancha a caminho do hospital veterinário mais próximo, e tendo que, ao mesmo tempo, arranjar alguma coisa pra que a menina comesse, quando entre puxão e tossida, o cão regurgitou aquilo que tinha engolido numa só vez. o anzol, graças as graças, estava completamente escondido dentro da carne do frango.

um cão é um animal forte: engole um anzol dentro de um pedação de frango com osso e tudo numa bocanhada só e depois o vomita e está tudo bem. a menina ficou felicíssima de que o frango tinha voltado a ser a isca pra ela.

nunca consegui imaginar o que é que aquela menina pescava num coral com um pedaço de frango daquele tamanho, sendo que ela poderia comer o frango, ou seja, devia ser algo mais substancioso. ou especial. não sei.

só sei que tenho feito tanta coisa na vida que eu não esperava nunca ter de fazer, que às vezes só posso entender que a realidade é um anzol num pedaço de carne dentro da garganta de um cão chamado Veneno.

domingo, 3 de janeiro de 2016

é uma sensação de esgotamento, é um exagero, é próximo da morte. já é a terceira vez que sinto isso assim. não é que seja de repente, pelo contrário, é uma morte construída dia a dia, mesmo quando esquecido o objetivo, tem uma coisa se tecendo. um tecido de fundo. esquecimento e trabalho. espera e recusa.

desde que fiz um livro quero sempre estar a fazer um livro, quero estar na duração do durante. a Clarice dizia que quando não escrevia, estava morta. eu hoje soube que tinha encontrado, depois de meses procurando, a forma final, a ordem entre os poema, eu soube porque senti primeiro uma trava, um amargor, onde buscar o ar? cansei. já sei, fui expulsa. acabou.


eu não soube porque sou uma pessoa inteligente que verifica cada encaixe. não escolhi os temas. não apontei os objetos com os dedos. no entanto eles estão todos lá. é alguma espécie de caos, há quem vá chamar de bagunça, outros de intuição. eu diria: ter uma luz que ilumina: porque há ligação, alguma coisa invisível que traz fluência, certa luminosidade e sombra, há umidade e secura, algum equilíbrio, respeito. ao mesmo tempo que os poemas ficam lá todos, ficam sozinhos disputando. são uns gladiadores. e às vezes uns travesseiros.

amanhã o livro vai para a editora. daqui uns dias para o revisor. em 15 dias vai estar nas mãos do paginador. tantos amigos.

o esgotamento é resultado de uma dedicação. todos usam palavras, embora eu use as mesmas, e tanto as usem comigo, sou por elas usada enquanto vivo. quando já não tenho mais nada a dedicar para aquilo, quer dizer, quando já não precisa de mim, me manda embora. eu acato, sem resignação. é um pouco triste esse adeus. penso e dou um sorriso. deve haver quem sente êxtase numa hora dessas. mas escrever um livro não é, exatamente, uma glória. isso é mistificação. e, como a literatura vive de mistificação "Seiva, veneno ou fruto", é o nome do místico que não é homem nem mulher, criança nem bicho, planta nem vento, água nem olhos. embora seja tudo isso.

não tarda, provavelmente em março, o místico sairá com quem o quiser.
e eu? vou dormir.
 

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