ontem na minha festa de aniversário me perguntaram quando eu escreveria aqui sobre o signo onde o Sol astrologicamente se encontra em todas as transições de ano do calendário gregoriano: Capricórnio. para alguém de outro signo, talvez, esse pedido soasse como uma cobrança fora de ocasião; mas pra mim, que sou de Capricórnio, essa lembrança soa como uma confirmação: trabalho, por prazer & firmeza, este meu lugar no mundo e sou o que faço em qualquer momento da minha existência. que eu escreva, então, de ressaca ainda, enquanto a Lua nova se encontra em Capricórnio e eu ainda não fiz realmente aniversário.
dia desses eu conversava com meu sobrinho de 11 anos, que nasceu na véspera do Natal e que anda interessado em saber mais sobre o nosso signo. ele perguntou: "o que nos define?". eu respondi, na lata: "que nascemos velhos e vamos, aos poucos, descobrindo a alegria disso". ele ficou muito incomodado: "mas que graça tem isso?" e eu respondi "quando me disseram isso eu era mais nova do que você e também detestei. mas com o tempo você vai descobrir". e o lembrei do mesmo menino que ele foi, com 4 anos de idade, me dizendo que andava muito interessado em calendários.
o tempo é aliado dos capricornianos e é por isso que dizem que gostamos de agendas, calendários, compromissos porque, de muitas maneiras, Capricórnio tem a ambição de obrar todo o fazer (im)possível para possuir o seu poder. e o poder da Cabra-Peixe é dominar esse tambor de todos os ritmos, senhor das rodas que nos esmagam e nos constroem: o tempo.
mas o que é o tempo? a melhor definição por milênios é a de Santo Agostinho: que diz algo como: se não me indagam o que é o tempo, eu sei dizer; mas se me perguntam já não sei responder. como o tempo é muito maior do que um indivíduo, amadurecendo Capricórnio aprende que sendo o tempo um aliado, não se pode deixar que ele facilmente se torne um inimigo. não vai dar tempo de fazer tudo que a ambição deste signo quer colocar no mundo e, se não aprender a delegar e a conviver com os outros & os outrem (coisas nas quais Aquário e Peixes serão os mestres) Capricórnio arrebenta. e assim, Capricórnio aprende o que não desejaria: que, como todos, não nasceu pronto para nada. e aí, Capricórnio se torna.
isto porque Capricórnio facilmente vira um servo do tempo: como associa viver com sua imensa capacidade de fazer, Capricórnio pode se desgastar pelo tanto tempo que utiliza fazendo. Capricórnio também tem de aprender que embora o planejamento, a capacidade de antecipação e previsão sejam excelentes instrumentos, elas também não dão conta do imponderável que é viver. e aí Capricórnio nota que tem um rabo de peixe, quando percebe que o imponderável vai sempre mostrar que há uma grande ingenuidade em qualquer tentativa de controle. Capricórnio descobre assim carregar nas suas ambições a ingênua criança no seio da velhice, onde velhos e crianças são manifestações simultâneas da mesma natureza em seus ciclos.
os raríssimos capricornianos humildes que conheci não se vergam a nada nem a ninguém, mas com respeito se curvam ao imponderável dos acontecimentos, aprendem a se reposicionar conforme as coisas acontecem & reconhecem que dentro de todo velho vive uma criança que nada entende. a ingenuidade! fecunda mundos. e ensina o velho a rir de si mesmo. assim, os capricornianos são, antes de tudo, os alegres melancólicos do zodíaco. porque já viram, ouviram, reconheceram de tudo e, embora ainda queiram mais, sabem que sem podar, sem ceifar, sem limitar não há o que cresça, sem tijolos e pedras não há o que se faça para se construir uma fortaleza.
mas Capricórnio tem de aprender também que se preocupar, quer dizer, se ocupar com antecedência, não vai trazer um controle mais garantido pras coisas, pelo contrário, vai dificultar o rebolar do esqueleto da rígida estrutura em que Capricórnio se preveniu de tudo. diferentemente do seu primo mais novo, o cardinal Áries, Capricórnio tem que aprender a dizer sim ao que não imaginou como possível. dizer "não" é o caminho mais fácil para Capricórnio e, por isso mesmo, o mais rígido e sem experiências também.
Capricórnio também é a sociedade, o entendimento das regras sociais, das normas que regem a vida entre as pessoas. é claro que isto faz de alguns capricornianos regrados, medrosos, convencionais e também os maiores caga-regras que existem (sorry aos outros signos, mas esse troféu, esse topo também é nosso). mas também é evidente que o entendimento sistêmico das realidades sociais pode ser uma libertação: por reger a moral social, Capricórnio pode perceber que a variabilidade da vida é tamanha, tão ampla, que assim faça cada um o que quiser, a responsabilidade é de quem a tem, pois embora não seja tudo lei, todo ato e gesto lhe será cobrado/recompensado por Saturno, este nosso mestre-regente.
além disso, conhecer as normas e as regras com inteligência pode significar perceber, justamente, o que é preciso ser desmontado pra que a gente chegue na estrutura das coisas. pra citar, rapidamente, três capricornianos que fizeram disso as suas obras: David Bowie, Simone de Beauvoir, Gilles Deleuze. usando esses três casos de exemplo, outros podem dizer que Capricórnio está na frente do seu tempo, mas eu digo outra coisa: Capricórnio está tão fincado no seu próprio tempo, que suas raízes se aprofundam com firmeza na Terra.
por reger as estruturas, tendo a ver Capricórnio como uma alta árvore no alto do cume e, lá de cima, a velha árvore vai muito alto porque está muito ligada a profundidade das coisas. e aí, minha gente, as árvores sabem bem envergar com o vento, já a Cabra-Peixe tem que aprender a ter o que não tem: jogo de cintura.
Capricórnio é o ancião que se retira do mundo para entender o mundo. com sua metade cabra Capricórnio escala todas as montanhas, com seu rabo de peixe Capricórnio mergulha nos mais escuros dos oceanos. se é regida por Escorpião, a ancestralidade também é de Capricórnio, pois é este signo que conhece a tradição na sua estrutura, de tanto a trazer em si. e reconhecer o dom e o peso que isto é, é árdua e doce tarefa capricorniana.
gosto também de lembrar do capricorniano que foi Oswald de Andrade, que na sua autobiografia conta a chegada de um circo na cidade, no final do século XIX, com uma grande máquina de fazer gelo. o antropófago nos conta que todas as pessoas estavam em êxtase, impressionadas com aquela novidade, mas que ele, poeta de nem 10 anos, olhou o que nunca tinha visto (o gelo) e disse assim "mas eles estão impressionados com isto? mas é só isto?".
por ser o mestre da realidade, o problema da realidade para Capricórnio é que ela nunca será suficiente e, por isso, Capricórnio se coloca a obrar as coisas que não foram feitas, ou que não foram feitas suficientemente bem, quer dizer, as coisas que não são estáveis e nem duráveis. aí também o rabo de peixe do símbolo vem mostrar a natureza deste signo: ser híbrido, místico. místico? sim. é curioso que a astrologia moderna das revistas de comportamento tenha praticamente esquecido a ligação deste signo com a magia, dando muito privilégio a ambição capricorniana de possuir dinheiro. certamente o dinheiro interessa aos capricornianos, afinal o que é o dinheiro além do poder simbólico por excelência, de transformar um símbolo em matéria? e o que deseja a magia e a construção, o projeto e a bruxaria, além de transformar a realidade simbólica em obra?
construtor de pontes, sistemas de pensamento, castelos & masmorras, Capricórnio é o signo cardinal de Terra e vem utilizar aquilo que Touro gerou com sua fertilidade e Virgem selecionou com seu crivo. entendo que Touro é a matéria, Virgem a transforma em matéria-prima e Capricórnio a utiliza para fazer a obra-prima. de modo que seu espírito ganhe um brilho definido.
dizem de Capricórnio que, no limite, somos frios. certamente temos muito a aprender com a ternura do nosso oposto complementar que é Câncer. e eu acho que sim, somos frios porque somos práticos, e somos práticos por quê? oras, porque assim ganhamos o tempo. se haverá esforço? rigidez? bem, o que usaremos pra isto, fica guardado em sigilo.