hoje meu avô, joão alfredo hansen, faria 104 anos se estivesse vivo. a
memória do meu pai o contou tantas vezes, que é sempre como se ele
estivesse. vejam, a memória que vocês espalham entre os seus, ela há de
vingar, é de se escolher.
meu avô é o homem de gravata na foto
dos meus jaguares abaixo, ao pé de uma gameleira, também pode-se ver meu
tio avô e o meu pai. o meu avô era mestre de fios na indústria têxtil
de americana, no interior do estado de são paulo.
não o conheci.
dizem que quando chegava dia 2 de fevereiro ele dizia: "ah! mas meu
aniversário é no dia 8". e quando chegava no dia 8, ele dizia: "ah! mas
foi dia 2!". e o interlocutor já sabia, era para rir, que naquele homem a
vida escapava na generosidade de fazer aniversário duas vezes. e nunca.
eu hoje conheço astrologia, e não tenho muitas dúvidas de que ele nasceu no dia 2. é o grande trígono das águas que me diz.
ele pescava, e caçava, passava semanas com um amigo, desaparecido no
pantanal, e trazia as pescas e caças, e distribuía entre os vizinhos.
ficava com muito pouco. vinha pra são paulo todos os meses só pra trocar
de carro e às vezes trazia meu pai junto e assim lhe deu para beber
refrigerante, pela primeira vez. diz meu pai que tinha gosto de
bicarbonato e coçava o nariz. outras vezes meu pai ficava em casa, e
nesses dias ganhava sempre um periquito vindo da capital.
já com
certa idade, meu avô que lia o mein kampf e detestava o catolicismo,
meu avô que tinha sido ateu, tornou-se bruxo, mateiro, pai-de-santo, um
xamã, sabe-se lá se eu sei o que foi, exatamente, o meu avô. que sabia
curar as pessoas com as plantas, e as curava. meu avô, que deve ter
matado gente na *revolução de 32.
um dia hei de escrever sua história como ela deve ser.
por enquanto só conto que na sua vida houve também um episódio daqueles
macarrônicos, quer dizer, uma paella não foi assada. conto com pausar:
meu avô, bem jovenzinho namorava uma espanhola em são paulo. ele mesmo
vivia em limeira, e vinha às vezes até são paulo vê-la. até que foi
obrigado, pelo pai da menina, a ficar noivo. que remédio além de o
fazer?
na festa de noivado, contava ele, foi se servir de uma
sopa de entrada, e percebeu que aquilo era um cozido de muitas carnes
gordurosas. sentiu-se enjoado só de olhar. pensou: imagina comer isso
durante décadas! argh, quase apagado de tontura, chegou até o alguém
mais próximo e disse "vou ali comprar cigarros". e foi! sim. um clichê
libertou o meu avô. você também, cuide bem dos clichês, quem sabe um dia
eles te libertam.
meu avô era livre.
são raríssimos, os livres.
são raríssimos, os livres.
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