domingo, 29 de janeiro de 2017

Posso te esperar a tarde inteira
atravessar você — o precipício
ou te chamar de canyon
e colocar uns pássaros voando nele.

Posso te mostrar a parte de dentro
das coisas, da carne — posso me rechear
inteira de cuidados, lanças e perfumes
e desmontar à tarde todas as coisas.

Posso inventar-nos um desfecho
te chamar de ilha, charco, travessia
esquecer eu não posso — posso
dizer que eu irei me lembrar.

Posso perguntar pelo tempo
e assim conversaremos sobre o breu
normativo & inconstitucional desses dias
e de como não seremos derrotados.

Um pelo outro, talvez, não.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

aquário

me surpreenderam algumas mensagens que recebi pedindo pra que eu escrevesse sobre o signo de Aquário. quiçá esperasse isso dos primos leoninos, ou dos irmãos librianos, mas um aquariano pedindo pra ler sobre si? é quase uma contradição em termos, dadas as populações inteiras que vivem num só indivíduo deste signo.

entendo Aquário como o signo dos muitos povos que nos habitam e que coexistem em simultaneidade. dos muitos povos por vir. vejo como se Aquário pegasse a raiz da ancestralidade escorpiana, transformada em tradição por capricórnio e, virando-a de ponta cabeça, noves fora o futuro a transformasse numa antena. o que deve ser transmitido é transbordante pelo ar: o que no pensamento é suficientemente coletivo pra que seja nítido entre todos.

também associo Aquário a um fio de nylon. pra além da tecnologia envolvida, o nome "ny-lon" é uma aglutinação das iniciais das capitais de New York and London. Aquário é a força de um fio que pode ser estendido da Inglaterra aos Estados Unidos e não arrebentar. e toda a ideia é tecida no invisível, afinal Aquário não é bem um fio de nylon: Aquário é onde já não é preciso a matéria de um fio. pra que situar-se na matéria se com ela Capricórnio já envelheceu tudo com suas normas? no pensamento e nas consciências não existem fronteiras, e Aquário são consciências juntas sintonizando utopia e liberdade.

capazes de aglutinar as mais diversas facetas numa só personalidade, um só aquariano seria capaz de ser caçador de capivaras mas só comer alimentos veganos, ouvir black metal e ser Ogan iniciado filho de santo, um curioso colecionador de borboletas e alfinetes. Aquário é um signo que dá tanto em místicos objetivos como em físicos esquecidos, podendo ser ambos ao mesmo tempo. estes seres melancólicos e bem humorados, radicais e controladores, misturas que Saturno e Urano, que Aquário tem por regentes, compõem.

sendo um signo altamente mental, Aquário tende a certa aridez afetiva na compreensão das emoções. o espaço mental de um aquariano é amplo como um deserto, os lúcidos são luminosos, sempre cristalizando o conhecimento de algo. fortes presenças de Aquário podem se esquecer das tripas que também somos, como se pudessem se ausentar do coração amplo que reina em Leão, do intenso baixo ventre de Escorpião e da voz na garganta do desejo de Touro e partirem pra cima consolidando com conceitos do que é o livre, do que é o novo, aquarianos são teóricos. passam por questões dos signos fixos, certamente, que têm aprendizados nas diferenças entre a teimosia e a obstinação, a duração e a solidez, a conquista e a imposição.

Aquário vem antes da liberação total e compassiva pisciana, muitos aquarianos são controladores que deixam os outros fazerem o que quiser. agora, quando mais que isto, quando permitem a si mesmos, quando Aquário dá pra aceitar o ser único que é, é cada vida que daria um romance! e como se divertem mais em viver quando ligam nas suas tecnologias um botão de não-estou-nem-aí pra isso de ser ou não ser único. aí Aquário pode se desvencilhar do narcisismo do eixo que forma com Leão e de brinde ainda ganha por escapar deixar de se sentir incomodado na sua insegurança.

Aquário é onde o Sol tem seu exílio. conversando com pessoas com fortes presenças aquarianas sempre sinto que há algum lugar naquela pessoa que é de vidro. quebram-se muito mais facilmente do que deixam transparecer e suas elegâncias e levezas podem ocultar mais nervosismo do que aparentam. quando deixam autoritarismos e autoridades de lado, são sensibilíssimos em suas compreensões e leituras do mundo, articulam capitais imaginárias entre todos os povos, são requintados nas artes de nos relacionarmos uns com os outros.

costumo brincar com meus amigos aquarianos dizendo que Aquário é o único signo do qual eu não entendo e que eles são os únicos do zodíaco que ao ouvirem um comentário como este podem se sentir contentes, elogiados, bem interpretados.



sábado, 21 de janeiro de 2017

pequena iluminação budista

Anos atrás o rapaz com quem
deixamos de ser virgens juntos
propôs que um dos primeiros exercícios
que faríamos juntos
seria nos colocarmos
um no lugar do outro.
Sem muito suor
isto criou um impasse
ilusionista como são todos
os impasses do desejo:
como iríamos juntos
parar um dentro do outro?
Se estávamos, se nascemos
e continuaremos separados?
E nos desdobramos tanto
em pensares, sem fazeres
que chegamos ao possível
colocar-se no lugar do outro
pela consciência
de se meditar
num outro
eu ele
sendo o mesmo
ponto.
Então nos perdemos.
Por que se eu me colocar
no lugar do outro
onde terei colocado o outro?
O outro é aquele o outro
que só se move
por si só.
 
ontem passei a noite com a ana cristina cesar, e o sparkling passado no céu da boca que ela me traz, passado tanto tempo, hoje em dia até eu já bebo a água com gás que antes achava amarga. tem alguns autores dos quais tenho receio de falar aqui no facebook porque sinto atmosferas de divinização do impacto que seus poemas causam que deixa as gentes meio paralisadas em frente deles. são mestres do efeito, é natural, mas eu, que certamente sou devota de ana cristina, não quero cair nessa.
voltei a pensar na ana cristina depois de uns dias vivendo em inglês em outubro passado, é curioso que certa dicção da justaposição (que banho delicioso de juntar tudo e mais um pouco que ela faz, sem nunca perder o charme da delicadeza) tenha voltado depois em meio da gagueira mental que sempre acontece quando começo a pensar em outra língua. foi assim, ouvindo outra língua que, depois de quase um ano sem, voltei a escrever.

*

só tenho conseguido ler à noite, no silêncio da madrugada. e tenho dormido quase todas as noites cedo, porque tenho trabalhado cedo, mas quando acontece um espaço, como hoje, passo a madrugada em silêncio com algum livro de poesia. ontem foi a ana cristina, hoje é a hilda hilst. uma semana atrás foi o cummings.

isto porque eu tenho procurado posturas gestuais, gestos rasantes e precisos, em poemas que eu já li algumas vezes, e que de repente me lembro deles e vou lá reler doze, quinze, dezoito, quarenta vezes, em voz alta baixa, de trás pra frente e pra trás. pulando voltando arfando gaguejando é sexo, a poesia. é sexo.

e o que é lindíssimo no que eu tenho encontrado é que os poemas me fazem sorrir pelos elegantes traços que ligam, pelos gestos da linguagem dançando, no maior espectro de emoções possíveis, como disse eliot falando de dante.

mas tudo é mais simples, o que eu quero dizer é que encontro nos poemas de amor o que se encontra de melhor, é que eles fazem sorrir mesmo a fingir que é dor, a dor que deveras sente.
como não estou escrevendo um livro de poemas de amor, é evidente que vou pesquisar o amor, e ao final do livro (que não estou escrevendo) terei relido todos os poemas de amor que eu puder lembrar que eles têm algo a me ensinar.

isto sem fazer pacote dos antepassados. a gente faz pacote demais pra poesia dos poetas que vieram antes. e tem muita gente que nem abre o pacote. e quem sabe sabe que já aprendemos com todas as últimas bolachas do pacote que o lance está em arrebentar todos os pacotes e comer misturadas todas as bolachas e ainda por cima não passar mal, e saber digeri-las.
ay bem haja a água com gás!

*

para ser culto um poeta não precisa comer todas as bolachas do pacote, e se pode nunca sequer ter visto um pacote e ser poeta, poetas do deserto, poetas da cidade, poetas afogados, haja pacote, haja poeta. e eu já estou ficando cansada disso tudo e vou pensar em outras coisas.

digamos que vou pensar na mulher de certa idade que me disse esta semana que morrer deve ser uma libertação, vou pensar em tudo o que ainda não sei o que significa a palavra transcendência, na navegação de todas as possibilidades impossíveis de amar, ouvirei os ruídos de uma lâmpada, e lembrarei das viagens que eu fiz e das que nunca fiz. isto, no poema. 

que é uma fornalha voraz que respira e não entende e pesquisa o mundo em tudo procura quais madeiras, papéis, gasolinas, queimam, não sei se mais rápido, nem mais forte, nem menos ou mais poderoso, gente: isto não interessa. o que interessa é o fogo, que alguém aprendeu a fazer, roubou dos deuses, sei e não sei, mas é o fogo o que o poema transmite.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

quase sempre é madrugada quando me lembro
desta arte de substratos que é a noite
e me lembro que a poesia é a arte de lidar com a solidão do indivíduo na linguagem em que se comunicam
os seres todos são passíveis de virarem e serem poemas
tal é o dom da metamorfose
do vice-versa
do troca-troca
do roça-roça
de uns versos com quem
lá lê ou é lido,
certamente, recebido
pelo texto em seu corpo
como alguém entra numa piscina
às vezes numa pirâmide às vezes num empecilho num pote de gelatina
mas é preciso ter onde entrar
no poema
ter por onde estar
e lá dentro abrir
como uma garganta
a voz de outro
que é você
sozinho neste mundo tão povoado
lendo este poema
amparado.

há este risco do silêncio, de não saber o que fazer com ele. e este coração imenso irradiante de ligações. talvez pelo buraquinho e sentou na minha mão. invadiu tomou pulsante e todo um silêncio, um ao redor onde não vai haver ninguém quando o dia acaba embora exista quem. o oceânico, não imaginava que netuno podia ser tão literal. e toda uma espera um mistério um voltar-se para si uma espessura e uma casca grossa de que ficou tudo lindo é preciso ter fé e ilustração. um amigo me chamou de idealista como o meu avô, então veja bem, eu encontrei o que era preciso para ser o entusiasmo. o entusiasmo da minha solidão? estar o dia todo no íntimo no mais íntimo dos mais íntimos e voltar da travessia para o meu deserto interior. fui adiante demais nos limites do prazer e encontrei esvaziado o lugar onde tudo é novelo e tenho aprendido a puxar a linha que engloba o novelo e não permite o nascimento do novilho. um carneiro me dando chifradas todos os dias quando passo em frente do seu estabelecimento. e eu passo todos os dias. e todos os dias eu tenho vontade novamente. acordo de manhã e quando coloco os pés na rua eu digo: olá rua, olá vida, vamos lá novamente. estou intacta. como nada fazer para o que é se aproximar como é? a generosidade que as coisas têm comigo de acontecerem.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

quadrilha

dois homens já atravessaram o atlântico
me tendo entre seus argumentos
eu mesma atravessei por outro
e nenhum de nós era o mesmo 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

"você me recebe sempre com mais alegria do que eu mereço", ouvi ao abrir a porta. já um outro amigo, astrólogo, me disse: "cuidado que este ano você tem uma tendência aos excessos", enquanto eu pensava "quando não?". acho que meu antigo psicanalista diria que tudo não passa de uma crise narcísica. eu tenho comprado lírios algumas vezes, narcisos não. criado diariamente hierarquias entre incêndios. dentro de algumas décadas tudo isto estará morto. os incêndios continuam. mas nada morre de fato, diz o meu faro que isto tudo continua sendo incompreensível e os enigmas são a cada dia mais claros. o enigma do carbono quando tão finamente se insinua em diamante.

tea for two

Tanto faz parte do destino
das mesas estarem entre nós
que sem fazer alarde
uma agulha enovela
zonzos de calor
a ternura e o risco
de uma criança que enfia o dedo no bolo
como você encaixa o dedo
no anel da xícara
enquanto retiro lentamente
do seu papel
um canudinho pra sugar a vida
este saquinho
de açúcar
pesando na mão
rasgo com os dentes
pondero, mas não sei calcular
nem ponho no suco demais
pois pode explodir
um coração
estou evitando
mas agora consigo ouvir
meu corpo
é capaz de quebrar
um copo atrás do balcão
farejar o gás vazando
abrir a porta e sair correndo
pelo tempo que nunca houve
mandar, quem sabe?, pedir
evacuar a área planetária
uma brecha na agenda
o gás alcança onde o ar atinge
se propaga a população mundial
nos níveis em que andam
as chuvas é um perigo
os postes as árvores caindo
as luzes todas piscando
que sorte com os ventos ter
esta conexão sem fios
atravessando os dias
crescendo como morangos
de sobremesa
que eu peço mas não sei se
tão doces como comer
com garfo ou colher
eu sou cheia de dedos.
às vezes tenho vontade de gritar PAREM DE ME DAR TRABALHO QUE EU GOSTO TANTO de você que poderia passar a tarde falando baixinho coisas que não interessariam a mais ninguém além das minhas bobagens eu gosto quando podemos nos distanciar e cada um num ponto do mapa perder-se até não o esquecimento mas o reencontro. o poderoso. o que sempre traz enigmas: os encontros. no último retiro que fiz eu quis trabalhar relacionamentos. enquanto conceitos, eu nem sabia, abri mais os canais. hoje encontrei alguém com quem passei o dia a falar da transcendência como modo de lidar com o controle. antes eu tinha conversado sobre capacidade analítica. outro dia falamos sobre medo de morrer. realmente, o trabalho que eu tenho é o mais interessante do mundo. nada me assusta você me assusta.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

leão

 
 
o homem que (talvez) mais tenha me amado na vida era do signo de Leão. só quem já foi amado por um leonino saberá o que quero dizer com isso. leonino quando ama, não tem o mistério dos seus primos escorpiões ou a necessidade de toca dos caranguejos. Leão? ama.

afinal Leão é regido pelo coração, eu sempre que leio o mapa de um leonino atravesso a metáfora do coração, quer dizer, bato palmas, batuco na mesa ou no peito, para lembrar: o teu estímulo vem do plexo solar. são luminosos, radiantes. nobres. e acreditam nisso.
 
entendo que Leão é sim, o canal em que a luz atravessa o mundo, e alguns leoninos confiam tanto em si mesmos que a ingenuidade os circunda, afinal Leão que quer buscar a luz do mundo pra ser só sua, morre ao vento, mas façam o que quiserem, pois são animais livres para exercerem o seu reinado. mas alguns, de tão fixados em si mesmos, quando bate um vento de mudança, tem leonino que morre engasgado pela própria juba. alguns os vão chamar de metidos, mas até disso, na imagem que fazem disso, um bom Leão há de se orgulhar. do olho misterioso, da boca que ruge grave.

dos fogos o fogo de Leão é a chama, incessante, ardendo, ardendo e ardendo. a arder. Leão é a força de vontade que sabe se concentrar sendo também instinto. certamente, pela roda do aprendizado que estabelece com Áries, o mais novo e Sagitário, o mais velho, Leão, signo fixo em seu meio, é o estabelecimento de uma estação. Leão é o centro do verão no hemisfério norte.

tem Leão que sobe caminho, faz da luz o que luz é: criação. afinal é o signo da criatividade, Leão veio ao mundo criar a partir do seu próprio peito coisas que carreguem a luz que leva no coração, coisas que importem na sua continuidade, de modo a irradiar da vida o que só a vida tem. leão não gosta da morte. Leão quer aumentar tanto a prole que conquista as felinas e felinos ao redor, mas se pular a cerca, fará convicto de que isto é a sua verdade, a sua natureza, de um modo semelhante a aquário que se conecta captando teorias que estão no ar, Leão descobre a verdade sintonizando com o próprio peito.

luz, verdade de Leão, é se estabelecer naquilo que faz seu coração bater como um tambor. prezam a honra, a lealdade, a confiança. alguns podem aparentar excesso de confiança justamente porque não a tem. afinal, nada é mais difícil do que ser si mesmo, e Leão, vivendo bem consigo, o consegue, pois o é.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

nosso amor talvez se debruce
n'algum ponto equidistante
entre o atlântico e o pacífico
encontre-se radialmente exposto
nas redes interestelares do porvir
esquecido dele mesmo e por isso
reiterado, maiúsculo & minúsculo
ritmado pelo coração e o conflito
das pequenas coisas que não sabemos
porquê.
nós, que nos atracamos todos os dias
segurando garfos e por baixo de telhas
comemos e envelhecemos e disputamos
todos os dias a imensa vaga de absurdo
que faz as ilhas flutuarem
existirem cataratas e caveiras
densas matas grossos muros
cataventos e edifícios
que você constrói
e eu escrevo
pois tudo o que o tempo rói
não será inaudível
não será mistério
nem será ruído
pois tudo que nos envolve
é um breve
tão simples
e contínuo
dizer que sim.
 

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