domingo, 30 de outubro de 2011

a linha rosa

dia de finados termina meu compromisso 
aquela mesa quadrada em que bolamos
saturno e eu - como num jogo de xadrez- 
como me fazer parar. um pouco antes de começar sou capaz de inventar pausas
que adiam um beijo, 
a massa de carne presa no prato pelo molho de tomate,

mas nunca é só uma pia de pratos
e ontem percebi que era possível trocar a palavra
"espécie" por "vida". quando noto uma coisa assim
tão fundamental, é um ponto pra baixo que escorre 
e arma um travessão: imagino um bastão de ferro
correndo uma corrosão, mancha firme que avança
sem nunca tocar na menina que está debaixo da mesa
assistindo tudo, em dúvida se está triste ou acuada
a menina não sou eu. é só alguém que eu vejo,
de roxo. lembro de quando eu era pequena e me sentava embaixo da mesa que era a máquina astral de viagem. era sempre pra saturno que eu ia. e mesmo agora, ele ainda me visita pela lateral. eu que abria portas de metal dos anos 80 para saturno, eu que colava chicletes roxos nos parafusos e hoje digo para os amigos "que vida mais profunda a da sua descoberta". ele chegará para mim, mais tarde.

de quanta delicadeza essa mulher é capaz?

caetano bobinho

She has given her soul to the devil but the devil gave his soul to God

deveria ser

She has given her soul to the devil but the devil gave *her* soul to God

versinhos ligeiros

pela janela do banheiro
o chuveiro ligado
não sei se chovia
fora ou dentro
mas o mundo todo
era meu apartamento


AGORA UM POEMA PARA O MEU PAI
para o meu pai

a poeta subiu o monte
olhou para os lados
e se viu rodeada
por capins.



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

vou até eles para que me digam o século
volto de olhos ardentes - são uma roda, sou uma frente.

sábado, 22 de outubro de 2011


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

gosto cada vez mais
tanta
fragmentação. se o destino é dispêndio, deflagração
como as coisas todas não se soltam umas das outras? e viajam, nulas, por aí?

se toda vez que eu me perco o sangue
envia de mim para outros restos
e o meu rosto por mais nítido alguém veja
se move na dimensão do teu esquecimento?

ou o motivo é sempre diverso do que concebo
e todo sentido é no futuro catacumba
como não perder a voz no teu silêncio.
ou não ligar. e te deixar dormir
do meu lado sempre e depois?



e se me odeiam, que que eu vou fazer?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

hoje acordei bem cedo e não me deixei acordar
resolvi deitar mais um pouco, e menos frouxo, o sono ficar
depois li camões, e tenho a impressão de que nenhuma poesia me toca
(hoje, também ontem, antes de ontem)
engraçado. porque o clima das árvores já começo a sentir, o vento
em mim, sem ser comigo
deixo ele ser estar, teu coração também, quando quiser se aproximar
é o meu

amor

vou citar Luís:

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mla, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e doi não sei porquê.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

em algum lugar do céu estou composta

- e me comovem as canções de falam de suicídio. afinal, elas são capazes, no recesso do ato, no seu fazer, no seu ouvir, capazes de na sua negação do ato, cometerem o ouvir do caminho

e essa brisa que nos faz
promessas frescas de viagem

meu corpo se expande tanto que há uma gotícula de dor em cada extremo
se sou um fluxo de músculos e órgãos sensóreos
quando o computador fica tanto tempo comigo
creio que posso dizer
mamãe, sou um nervo aberto
e imagino um dente todo gritante
disparatado

não houve mordida que não pudesse ser amarrada com prejuízo da mandíbula
às vezes me pergunto se viver é uma questão de poupar ou de gastar
e se há armadilha, saída,
ou se é tudo vertigem, olho no olho, imensidão

vejo assim




e alguém, não se sabe bem de onde, talvez alguém sem pátria
dizia: e a ti? te interessa? te interessa viver?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

don Octavio

Para los antiguos, el prestigio del pasado era el de la edad de oro, el edén nativo que un día abandonamos; para los modernos, el futuro fue el lugar de elección, la tierra prometida. (...) Creo que la nueva estrella -esa que aún no despunta em el horizonte histórico pero que se anuncia ya de muchas maneras indirectas - será del ahora. Los hombres tendrán muy pronto que edificar una Moral, una Política, una Erótica y una Poética del tiempo presente. El camino hacia el presente pasa por el cuerpo pero no debe ni puede confundirse con ele hedonismo mecánico y promiscuo de las sociedades modernas de Occidente. El presente es el fruto en el que la vida y la muerta se funden. 
(...)
Alguna vez llamé a la poesía de este tiempo que comienza: arte de la convergencia. Así la opuse a la tradicion de la ruptura: "Los poetas de la edad moderna buscaron el principio del cambio; los poetas de la edad que comienza buscamos ese principio invariante que es el fundamento de los cambios. Nos preguntamos si no hay algo de común entre la Odisea y À la recherche du temps perdu. La estética del cambio acentuó el carácter histórico del poema; ahora nos perguntamos, ¿no hay un punto en el que el principio del cambio se confunde con el de la permanencia?... La poesía que comienza en este fin de siglo - no comienza realmente ni tampoco vuelve al punto de partida: es un perpetuo recomienzo y un continuo regreso. La poesía que comienza ahora, sin comenzar, busca la interseción de los tiempos, el punto de convergencia. Dice que entre el pasado abigarrado y el futuro deshabitado, la poesía es el presente". Escribí estas frases hace quince años. Hoy añadiría: el presente se manifiesta en la presencia y la presencia es la reconciliación de los tres tiempos. Poesía de la reconciliación: la imaginación encarnada en un ahora sin fechas.
México, a 12 de agosto de 1986.
Octavio Paz, "Poesía y modernidad", In: La otra voz: Poesía y fin de siglo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

qualquer

sonhei que um grande catavento desses eólicos de criar energia com o girar do seu deslocamento cortava os galhos dos pinheiros em redor. eu via de dentro de uma casa, por uma grande janela de vidro.

havia algo de mais errado no gesto, e por dentro da casa alguém fazia sexo.

domingo, 9 de outubro de 2011

perdi o medo da chuva

hoje aqui chove sutilmente. e eu penso em ir à livraria. comprar uma revista com meu nome dentro. é curiosa a força que as coisas têm quando acontecem: parecem aparição visualizada pelos poros, isto é: realidade. portos atracando. potros ancorando nas hastes do lado do grande rio. 
me parece que li tanto ana neste último mês que estou precisando de um banho completo de ervas com sal, limão, virgem verso, vertigem. viva! o que em nós vigia saída. 
quero escrever um grande beijo para o meu namorado (viver), mas tenho aprendido com o tempo que amar é tempo. uma história bonita como outra qualquer. silêncio.
é um típico domingo paulistano, chove. são tantas as pessoas na cidade que eu não sei bem por onde começar. ou quando não sei se o que me atualiza melhor (é sempre uma necessidade da pureza, a atualização - ou que nos próximos 6 meses investir numa fábula com margens composta entre 80 e 120 páginas? -) é a solidão ou a companhia, estudo ou escrita.

sábado, 8 de outubro de 2011

meu amor

I knew I was in danger. let me love your books, again. my old dark blue book over my jeans. someone stole my jeans. I was in L.A. and it was time to give. you were there to wish a star. don't worry. há tantos modos de se tirar um 3/4. e mostro um  mesmo par de fotos como quem viu e encontrou. sempre o gigantismo do atlântico consolida-se nos meus gestos. fico sentindo a salsugem da poeira da estrada

a poeira da estrada que faz da salsugem seu souvenir
ashes for ashes, clothes for boys, devia ser hora de dormir, mas eu precisava escrever.
comprei um caderno com pauta. não usarei. infringi uma regra de ouro do meu conhecimento
pautas
achei engraçado, vir para o brasil com pautas.
2a feira já levo meu sobrinho no cinema. é a pauta mais importante, a da infância. vivê-la por todos os lados. imagino que você concorda com isto. e como não pude escrever no meu caderno porque ele agora tem pautas, vim falar alguma coisa por aqui

o que é sempre um perigo, porque me faz dizer menos, ou com menos palavras, ou com menos nomes, ou com os acontecimentos transformados em escrita mais distanciada ainda da vivência do que de uma tentativa de relato,

este blogue está se fazendo entre a experiência e a experiência da experiência. numa gaiola perto (sempre de portas abertas, a escrita). eu que descobri que escrever e ler não são a mesma coisa, não adianta. não adianta. 

agora digredi pensando
pensando que talvez a experiência da idade média, de uma cópia de manuscrito, como fala o zumthor
(então pensei umas quatro coisas que não tenho vontade de explicar, até mesmo porque teria que defini-las)
e comecei a escrever:

me joga para o presente.
me joga para o presente.
me joga para o presente.
me joga para o presente.

rapadura é doce mas não é mole

"Inscrever um texto, qualquer que seja, comporta duas operações: recolhê-lo sobre tabuinhas de cera (às vezes resumido, quando não em notas tironianas, taquigrafia de origem antiga); em seguida, passá-lo a limpo sobre o pergaminho. De vários letrados do século XII, como os teólogos Cîteaux ou Pedro, o Venerável, sabemos que compunham de memória suas obras e as ditavam a um secretário, o autor retomava e corrigia esse rascunho. Também ocorria fazer sozinho o primeiro trabalho e inscrever diretamente, pronunciando-o em voz alta, o texto sobre as tabuinhas. À mesma época, é provável que os escritores de língua vulgar, como por exemplo nossos primeiros romancistas, tenham usado esses procedimentos. Uma pintura do chansonnier N (da Pierpont Library, em Nova York), executada em meados do século XIV, representa um trovador anotando (com evidente dificuldade) sua canção sobre uma longa folha solta. Tais procedimentos, aliás, explicam a extrema raridade dos manuscritos autógrafos: nenhum em latim antes do século XI, nem em francês antes de meados do século XIV. O vocabulário que designa a operação de escrever provém, em vernáculo, diretamente do latim, o que parece mesmo implicar a identidade dos métodos: dictare, dictitare (até mesmo legere) de um lado, scribere de outro lado. Dictare refere-se ao que se percebe como a origem do texto; daí o substantivo dictamen,  designando a arte da composição; daí a metáfora do Deus Dictator, enunciador de sua Criação; daí o francês dictier, remetendo à obra poética acabada, e o alemão Dichtung, "poesia". Scribere exige um esforço muscular considerável: dos dedos, do punho, da vista, das costas; o corpo inteiro participa, até a língua, pois tudo parece pronunciar-se. No inverno, o frio imobiliza os dedos, e pode-se temer o congelamento da tinta. Orderic Vital prefere esperar a primavera para recopiar as tabuinhas apressadamente rabiscadas em dezembro. Escrever exige infinita paciência: o trabalho de cópia se estende por meses, por um, dois anos. Depois de ter traçado a última linha, muitas vezes o escriba dá largas a seu alívio e sua alegria: compara-se ao marinho que enfim volta ao porto; ou então exige vinho, uma jovem virgem, até uma "gorda puta"! Wattenbach, antigamente, coligiu tais confidências, às vezes rabiscadas nas margens. Ainda por volta de 1400, em todo o Ocidente, a prática da escritura continuava, apesar de algumas inovações (como o uso do papel), escrava de sua tecnicidade e de seu elitismo; era só debilmente capaz de influenciar de maneira direta o comportamento ou o pensamento dos poetas, e influenciava menos ainda a expectativa de seu público."

[Paul Zumthor, A letra e a voz: A "literatura" medieval, p.100-101].

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

gate 11

nem tanto ao mar nem tanto à terra
agora tanto na vinda como na volta
monstro atlântico, alegre
ai que minha simplicidade é uma multidão
lagriminhas no raio-x.
 

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