dia de finados termina meu compromisso
aquela mesa quadrada em que bolamos
saturno e eu - como num jogo de xadrez-
como me fazer parar. um pouco antes de começar sou capaz de inventar pausas
que adiam um beijo,
a massa de carne presa no prato pelo molho de tomate,
mas nunca é só uma pia de pratos
e ontem percebi que era possível trocar a palavra
"espécie" por "vida". quando noto uma coisa assim
tão fundamental, é um ponto pra baixo que escorre
e arma um travessão: imagino um bastão de ferro
correndo uma corrosão, mancha firme que avança
sem nunca tocar na menina que está debaixo da mesa
assistindo tudo, em dúvida se está triste ou acuada
a menina não sou eu. é só alguém que eu vejo,
de roxo. lembro de quando eu era pequena e me sentava embaixo da mesa que era a máquina astral de viagem. era sempre pra saturno que eu ia. e mesmo agora, ele ainda me visita pela lateral. eu que abria portas de metal dos anos 80 para saturno, eu que colava chicletes roxos nos parafusos e hoje digo para os amigos "que vida mais profunda a da sua descoberta". ele chegará para mim, mais tarde.
de quanta delicadeza essa mulher é capaz?