terça-feira, 31 de julho de 2012

miolo de pão

os três livros ao meu redor
são quatro, na verdade
têm a mesma cor de capa entre si
cor de vinho quando entorpece.
é das minhas cores favoritas.
mas, problema! problema!
há tanta severidade, atenção!
entre as minhas costelas
que o linho da camisa pinica
e os três (quatro) livros?
intoleráveis!

mas hoje de manhã quando acordei
fiquei deitada no sofá e escolhi
acender aquele de ontem, aquele.
nem café ainda, eu tinha
mas já no copo de manhã
quando peguei no lume,
e tchibum, tchalá
lá e dois goles de café
para cada título empilhado
um formigamento diferente.

nesta manhã me prometi
que não ia
escrever sobre livros.
mas já estou aqui
tentando descrever
o que foi olhá-los
hoje de manhã
e que eles me convidaram
um a um, para lembrar
das festas, as roçadas,
obscuros fins de tarde
tivemos juntos.

porque muita gente escreve sobre livros.
muita gente demais escreve sobre livros.
eu sou uma delas. eu stalactite.
estela, by a starlight.
mais do que o teu sonho, a galáxia
eles transmitem.


- - - - - - - vou aprender a esparramar geléia no corpo intenso - - - - - - - - - - -

domingo, 29 de julho de 2012

pra quem me gosta sem conhecer

ando com tanta boa vontade com as pessoas que quando ouvi uma moto acelerando lá embaixo pensei que fosse uma britadeira sendo usada em horário inadequado por algum vizinho, domingo. ou seja, falei a frase em cima disso: "estão serrando uma pessoa ali embaixo, com uma lixa.".

então veio a noite de todos os destinos, e descortinou-se.

num determinado dia

Quando alguém vem de dentro de uma coisa cultural e certamente não se é européia, nem índia, mas o que se é por toda parte, e se depara com Artaud oscilando pelas experiências com o Peyotl e os Tarahumaras, no reconhecimento desta proximidade: tanto de Artaud, o alucinado sofredor da coragem que nunca vou ser, só se por admiração ou vício, sente-se, senti-me de certa forma estúpida por ainda nunca ter simplesmente escrito do chá, embora muitas vezes já tenha escrito com ele ou usando da força que a combinação fervida de um cipó com uma folha (amazônicos, ambos) por horas de preparo, pode suscitar em um corpo humano, neste caso de mulher, eu. Para além da narrativa se produzir enquanto relato, eu um filtro do contar (fingir que dizer não significa, é um ato), certas coisas me inquietam e certamente são, como todas as coisas que me inquietam verdadeiramente, da ordem das semelhanças. Das semelhanças entre os homens. Por que onde começa e onde termina a natureza? Química, biologia, de nada disso posso dizer. Não tenho ciência. E sei que a poesia nem sempre me visita. Suave implacável mariposa. Divina espécie, este corpo do qual faço parte.

mas o espírito de tudo quando ainda não havia

Um corpo de medo ultrapassado. O mato gordo e mais virgem que uma puta, mato daquele verde retinto e gordo, que tão bem se acopla em si mesmo, quanto mais perto do barro vermelho. Aquele verde carnudo feito um olho. Que explode feito olho mordido. Mas, de seiva branca que deitará, ninguém morde. A não ser quando no corpo invade a cobra. Mas eu estava voltada para a pessoa que vive em mim. Estava feliz por ser eu mesma, com as plantas ao redor e uma estrada embaixo dos pés. Eu era incapaz de ser incapaz, naquele instante. Com os passos que eu estava dando, toda a fúria do frio tornava-se liquida pelos tendões, se aquecendo em sangue. Eu era o próprio arame da cobra que tinha comido a seiva branca, eu tinha coragem. E nenhum veneno.

sábado, 28 de julho de 2012

nem gente, nem parafuso

A origem de tudo o que eu conheço é um carrossel. Quando nós começamos era o coração da minha mãe. Eu estava fora do salão e tocava Mozart lá dentro. Eu ouvia, debruçada em mim mesma, como se o queixo abraçasse meu esterno, o pescoço curvado, a testa em direção ao estômago. Enrolada no meu edredom cor de rosa como em um longo xale que, vindo pelos ombros e cobrindo todas as costas, alcançasse até minhas pernas também, toda embrulhada. Ao que nunca soube se a cor de carne que tantas vezes acabo por ver deriva do meu próprio sangue ou de uma espécie de cortina, seja ele do meu respeitável aquecedor em tecido que outras vezes me fez o audaz super-herói da capa vermelha, ou das minhas próprias pálpebras. Os acordes, talvez, a combinação dos violinos mais propriamente a agora a recordação do meu amigo, minha primeira paixão, o homem com quem perdi a virgindade dizer anos antes “o som dos violinos é tão natural” e a de anos depois do meu professor “a língua da poesia é a língua materna”, a música compunha dentro do meu peito um carrossel de vidro e carne, dentro de um cristal giravam cavalos pequeninos brancos, delicadamente, e num mesmo ritmo sem nunca oscilarem, a pequena pedra era um salão austríaco onde dançavam e era sobretudo o amor que a minha mãe sente por mim. Pude descansar como se respirasse cem vezes em uma só e o corpo absolutamente oxigenado recomeçasse leve, sutil, encarnado. E de tão íntegro só pudesse confiar nos seres de presente absoluto.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

momento sabedoria

as épocas de concretização são épocas de gênese, na verdade.

a constância também não é um equívoco.

tinha mais uma, mas eu tenho que ir beber sakê.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

coisas que faltam

eu tinha uma moto tipo scooter, preta. e andava com ela quilómetros numa estrada de muitos pinheiros, era de noite. chegava lá no fim da estrada tinha um posto de saúde, que era onde eu estava indo, fazer uns exames. mas chego lá e meus documentos não são exatamente os que eu preciso pra'quela situação. aparece a virgínia, eu prometo que dou carona pra ela de volta. então outra funcionária surge e resolve minha falta de documentos com um sorriso. vou ver não sei o quê na scooter e noto que o pneu traseiro estava furado. muito furado. chego no posto de gasolina da cidade (que eu imaginava até então que não existia) e o cara diz que consegue consertar meu pneu. e eu fico olhando. pergunto pra ele se tem problema dirigir sem capacete, ele me diz que não, que ali não é regra, nem lei. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

aterrisei assim

aterrisei assim
deixei meus pais no aeroporto
almocei caril de camarão
(indeed caril de gambas)
fui na praia com o daniel
tomei rajada de vento
água fria
gelado
magnum
comboio
participei de uma filmagem
meus poemas pisaram em mim com os dois pés
sábado todo sem sair de casa
chorei por uma frase
domingo guacamole
espirro
o melhor sexo de todos os tempos
dor de garganta
fico menstruada
termino um capítulo
o tempo e o octavio
vão bem
copio palavras de outros até meu ombro doer
tenho cólicas
não salto no abismo antes de terminar.

me sabe a europa



‎"Much of it is expensively copied and decorated, but it has a rich and complex history: additions, resequencing, later annotations, and much else make its origins and changes hard to trace."

estão falando no trecho acima sobre a tal música européia de muitos séculos atrás. 
o que me impressiona é como com pequenas modificações poderia ser um texto sobre a cultura da miscigenação no brasil. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

as abelhas que salvaram da encosta

começa assim. uma história. começa assim. alguém entre as árvores, salta. alguém que nunca tinha saído de uma ilha. este alguém vê uma abelha. não sei se o pensamento deste alguém sentiu primeiro que corria o risco de ser picado ou se lembrou que as abelhas dão doce mel. mas este alguém não era alérgico, e eu nem sei exatamente se as abelhas dão mel, feito as flores, ou se o fazem; e algum de nós se mete a tirar delas, tudo o que tiver para lambuzar
eu quero. esta história que estou lendo é dos tempos que eu gostava de lápis de cor. mas naquele tempo ainda não sabia sus-ter a respiração de modo a animar, acalmar o corpo, através, talvez, dos batimentos do meu coração. que não se confunde com o coração do nosso herói, que certamente é escrito pelo ritmo deles. sobretudo da expiração.
ontem escrevi. 
o nosso herói sobreviveu a um grande ser, que arrancou as encostas de uma montanha feito essas pontas de lápis que arrasto sobre a mesa, e atirou sobre o nosso herói. que por não ter feito nada com as abelhas do início da nossa história, salvaram-no. 

sábado, 21 de julho de 2012

Antes de ontem sonhei com a m. Ela me explicava uma meia dúzia de coisas dentro da própria casa dos meus pais. Lembro que os sofás eram de veludo e as luzes baixas. Os móveis escuros, castanhos, vinhos. Eu sentia e sentia e consentia. Havia algo entre ela e o julgamento do meu pai que se distanciava. Mas meus pais não estavam mais, ou não tinham chegado. Então ela me dizia que faltava o coração, que eu tinha que ir pro coração das coisas. 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

a câmara clara

-alô
-ei
-e aí?
-tá sussa.
-fazendo?
-texto.
-hm. tb.
-...
-...
-loucura, né?
-é. puxa.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

se um vaso na testa quebrasse

o bom das cidades é que elas não são de ninguém. mas há os comerciantes do bairro, as velhotas falando dos vasos das outras, existem os prefeitos e os presidentes das câmaras e os políciais que batem nas pessoas e as pessoas que ajudam outras a atravessar a rua. o bom das cidades é que elas não são de ninguém e se abre um fosso, um esguicho nos dias de calor, ou a impossibilidade de dois guarda-chuvas atravessarem um mesmo espaço. o bom das cidades é que elas não são de ninguém e você pode escarrar na boca-do-lobo e latir au au au pro cão dos outros. o bom das cidades é que elas têm na loja ao lado couscous do marrocos, bacalhau da noruega, mandiocas da paraíba e frangos no isopor. ultracorega. o bom das cidades é que elas não sendo de ninguém, atravessam o espaço, tomam a lua e arquitetam a órbita do universo. enquanto a sirene passa lá embaixo.   

da voz que faz o dia renascer

sexta-feira, 13 de julho de 2012

verão

essa noite, não foi sonho não, eu levantei e era quase de manhã. no caminho de volta do banheiro, vi a cama, azul. e me lembrei que virá o frio e será muito difícil. dormi. dormi triste.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

descansa,

E fica o nada e o vazio que a clareira do bosque dá como resposta àquilo que se procura. Mas se nada se procura, a oferenda será imprevisível, ilimitada. Já que parece que o nada e o vazio - ou o nada ou o vazio- têm de estar presentes ou latentes continuamente na vida humana. E para não se ser devorado pelo nada ou pelo vazio há que fazê-los cada homem em si, há pelo menos que deter-se, ficar em suspenso, no negativo do êxtase. Suspender a pergunta que cremos constitutiva do humano. A maléfica pergunta ao guia, à presença que se desvanece se for acossada, à própria alma asfixiada pelo perguntar da consciência revolta, à própria mente a que não se consente tréguas para conceber em silêncio, obscuramente também, sem que a pergunta interruptora a faça desaparecer na mudez da escrava. E o temor do êxtase que perante a claridade vivente acomete obriga a fugir da clareira do bosque o seu visitante, que assim se torna intruso. E se entra como intruso, escuta a voz do pássaro como reprovação e como troça: "buscavas-me e agora, quando te sou enfim propício, voltas para esse lugar onde respirar não podes", ou algo semelhante soa no seu canto desigual. E um certo sossego pode procurar essa reprovação e essa troça. Na cena das bodas, único momento em que Dante encontra Beatriz frente a frente, ele vê-a troçar, como uma dama vulgar com as suas amigas, da perturbação que o enamorado sem par sente ao vê-la tão perto e ao poder servi-la inesperadamente. E foge para o aposento vizinho, e o amigo apresentador - guia - pergunta-lhe qual a causa de tanta perturbação. Io tenni li piedi en quella parte de la vita di là quale nom si puote ire più per intendimento di ritornare*.



* Eu tinha meus pés naquela parte da vida à qual não se pode ir com intenção de regressar. María Zambrano refere-se a um trecho da Vita Nuova, de Dante. (N. do T.)
[do "Clareiras do Bosque", María Zambrano. Tradução de José Bento]

o mundo é feito de possíveis

lembrei ontem o que eu quero ser na vida: uma pré-escola.

armadura

eu estava chegando em casa. na farmácia que fica aqui embaixo e onde só comprei uma pomada contra assaduras e uns remédios pra dor de cabeça uma vez, tinha um cartaz colado na vitrine em que a cara do homem da propaganda tinha sido substituída por um buraco onde uma xícara de café despejava. assustei como criança, filme de terror, não sei. tenho visto setas, flechas atravessando o céu do quarto, quando acordo. se eu tivesse um trapézio talvez os ombros mais leves. mas sou de prata. eu sou a própria luminância por cima.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

achei a salvação pública


vamos chamar o vento

curioso, os sonhos com azul. e também a auto-salvação, de percebida que foi a falta de auto-contato. não sei bem onde isto vai dar. sei que tenho que escrever uma dissertação, mas preferia olhar o guindaste ali em frente trabalhando. talvez ele falasse mais de tradição do que eu, ou concebesse do tempo a estrutura vital. rasgando o céu, 

vamos pensar
em público. o pensamento público. o caminho do pensamento,

o leitor do tempo
constelação do
homem constelação

ensinou-me uma espécie de rito, do respeito.
averigua-se uma vontade pronominal de encaixe
anca com anca
língua com língua
meus países
bela vista.

visitas em monumentos históricos. castelos, ruínas. gosto de ambos. e os turistas de meias brancas. e os turistas vestindo muito cáqui. e os turistas. o nietzsche tinha tanta razão, em nós sermos (notados desde quando não sei, mas do seu termômetro-escrita) a cultura do excesso de cultura histórica. 

que mundo é este onde as pessoas não têm mais tanto só "a roupa de domingo", separada dos outros dias da semana. mas seriamente desconfiada - ando- de que existam roupas de turistas. lojas de roupas de turistas, onde eles passam antes de visitar as (nossas) disneylândias históricas e escolhem as melhores meias mais brancas, e todas as roupas cáquis do mundo, 

in the sky, by my dream.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

trilogia da incomunicabilidade

tríade de quadrúpedes saltavam num campo de crateras
cada patada abria um buraco maior na esfera
e de cada salto se fazia uma estrela, um dom, uma luva.

luva esta que permitia a entrada nas tripas
nas tripas da luz de uma estrela
anti-queimaduras, vertigem em chamas

meu livro está tão quase pronto
tão quase pronto
que nem mexo nele, que é pra não acabar.

dia desses vou tê-lo. entre os dedos
das pernas, o novelo. o que cair no chão
risca a cisma, invade o ringue, fura a bóia
de língua no salão: salteia, rodopia
feito alho na frigideira quente
quando esparrama, mata bactérias
meu coração fungicida
ontem soube que o lorca
que a tradição do lorca
falava em duendes, depois
ny o deixou doente
não foi suficiente
para a poesia moderna
nascer & nem morrer
tantas coisas suficientes
mas ali dela, nem isto.
eu continuo, prefiro
perder o risco
sou tão domada
arisco é o ceú
nesse quente-esfria
entre todas as probabilidades
não sou de mais ninguém
escolho o queixo
tudo teu. meu. e teu
de novo.

a incrível saga del rei


minha mão esquerda tem seis anos

acordei disposta a pensar num gato ou a pensar numa flecha. fazia muito tempo que antes de dormir eu não cerzia tudo. é como se um corte tivesse fechado, e eu dormi num playground de travesseiros, macios.
mas tive um sonho de ciúmes, transgrediram tuas mãos. em um comboio, o vagão, a carruagem da alimentação. meu coração é uma vagem, teus olhos as ervilhas, etc.
 

Free Blog Counter