segunda-feira, 29 de abril de 2013

febre fria

meia madrugada e eu nos lençóis muito brancos, toda molhada de suor, os sinos da face entupidos e doendo, minha cara enterrada no chão de um cemitério na terra úmida da noite. todo meu corpo vivo, mas o meu rosto já não tem pele, é só a caveira do meu esqueleto,  de face enterrada na terra. e por cima dos ossos duros, como é grande ter um maxilar que lateja, não sou um monstro, só só os meus ossos apodrecendo, mas há vida que renasce onde cresce o musgo. ele é quem formiga, é dele a plantação. tive meu rosto enterrado no chão, meia madrugada, com o musgo. o frio do musgo. a proliferação do musgo. o sufocamento de ter musgos nas vias respiratórias. 
e embora eu soubesse o delírio 
(aquele que tantas vezes procuro), 
quando a morte é certa como é sempre, 
que medo terrífico. 
consegui finalmente me levantar e fui tomar banho, cinco da manhã, 6 graus na primavera, 20 minutos debaixo de água, algo assim. lembro que cantei e senti falta dos meus pais. puro desamparo, certeza da morte. a água foi amansando. vim pra sala e só quando amanheceu é que voltei pro quarto, acalmada, fora da cova. dormi finalmente.

sábado, 27 de abril de 2013


quarta-feira, 24 de abril de 2013

really want to see you lord




quero passar o dia
sozinha, na companhia
dessa dor de cabeça
por conta de algo estragado
que comi ontem
outros diriam podre
penso eu
quanto hoje
basta pra que ontem
seja o mais fundamental
quero passar o dia
com essa dor na canela
que tive cãibra
enquanto dormia
já era hoje
não, não é repetição
é só o que vinga
solta a roda vira
vou me doar
ao animal do estômago
e, quem sabe?
dar aos músculos
um cacho de bananas.

terça-feira, 23 de abril de 2013

também sou da sua companhia

não estou entendendo quase nada, e nem tenho feito esforço pra isso, nem pelo contrário. não estou entendendo nada e é como se eu aceitasse a lucidez de uma jaboticaba, aquela seiva que explode inesperada, como quem tem a primavera nos dentes, nos bolsos, nos extremos de extrema sensibilidade. abrir a palma da mão na terra que já secou, e é ainda aquela que explode mês a mês, ruiva e carnívora. pouca inteligência não. inteligência é pouco, isto se chama ritmo. e fé.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O amor gasta

nesta ante-véspera, possivelmente o primeiro dia da primavera, soltei um grito e tanto que virei uma andorinha. ou muitas. o poema número X fala do amor, e eu o escrevi para o meu

terça-feira, 9 de abril de 2013

véspera I

inicio este blogue pensando se terei que criar outro quando isto terminar. olho no relógio e é exatamente 00:00. de quarta-feira, 10 de abril de 2013. e vim aqui escrever para dizer que o descontrole é que atravessa 60 segundos até às 00:01. não é o desespero. é a regra de medir a medida. a cada dia que saturno se aproxima o descontrole pra mim é medir a medida. 

na verdade, amanhã (que é hoje) é o dia que chega o livro que passei três anos trabalhando nele, falando dele aqui. foi por isso que vim escrever alguma coisa. não é bem um relato isso, é uma transmissão de tensão. a carolina sonhou que as capas chegavam corrigidas pela gráfica, que assim tinham estragado tudo. e depois eu tive meu telemóvel roubado, mas ele estava dentro do bolso do meu casaco de couro vermelho que comprei na c&a de paris e está escrito cindy crawford na etiqueta dentro dele.

tudo isso me faz retornar ao livro. que não é o primeiro nem o último livro do mundo (nem o meu). passei algum tempo pensando que meu segundo livro teria a capa branca, e não é que ele quase-tem? e eu não calculei isso, era o papel que a gráfica tinha. também sabia que iria publicar meu segundo livro em Portugal, mas não imaginava que a situação econômica, emocional e política desse país fosse estar em um momento tão calamitoso como está. 

muita gente já viveu esse momento, de esperar pelo próprio livro no dia seguinte. não me lembro de como foi que esperei o "cantos de estima", nem onde eu estava quando ele chegou. acho que meu pai foi pegar na gráfica em Moema, que eu estava montando a exposição dos 12 exemplares. e ah! eu tenho medo de dirigir. e mais dificuldade em digerir alimentos do que remorsos. ou não, depende.

sei que naquele tempo eu já gostava de escrever assim, de ímpeto. e que o treino vai criando ritmo ao ímpeto. é como voltar e encontrar a casa aberta cheia de velas acesas velando só a noite do coração quente. isso como se existisse uma lareira em toda casa em que eu viver. a sorte da minha editora ser minha melhor amiga. e vice-versa. 

entre o primeiro poema que escrevi para este novo livro e a invenção de seu título passaram seis meses. mas foi o contrário: primeiro eu tive o título: "poemas do destino do mar". lembro que eu ainda vivia na travessa de santa quitéria, onde hoje mora a érica, e na valentine vermelha mais vermelha do que a bandeira chinesa, e num papel de seda branco escrevi um poema que falava da limpeza, dos restos, do estômago. era um poema que não valia nada. n a d a. mas na última linha dele escrevi em caixa-alta POEMAS DO DESTINO DO MAR. 

então percebi que ali o futuro havia falado por mim no papel. no papel dele mesmo, futuro, estrelando o sempre presente. e peguei o rabo do cometa, pensei: é o título do meu livro. então se passaram meses que foram a morte da minha chegada, quer dizer, foram a morte dos motivos pelos quais eu sonhava em vir pra cá: a mesma língua em estrangeira, uma paixão motriz e galopante e distante, recuar são paulo, a família, a exorbitante convivência entre os entes. e tive que ir morrendo aos poucos até ser o dia de escrever o poema I, que como me prometi desde aquele momento: que eu nunca o reproduziria em qualquer outro sítio que não fosse o primeiro poema dos "poemas do destino do mar". então, se tá afim, so sorry, arranja um livro dos que chega amanhã e lê.

mas ei ei ei isso faz muito tempo! foi como se uma retroescavadeira abrisse um canyon de células no meu corpo. está tudo tão diferente que eu só posso dizer: que terminei o livro, que o livro chega amanhã, que sábado é o lançamento, e que meus pais vão estar presentes, e que tenho muita gratidão a eles, aos meus amigos, aos meus bichos, às plantas,... espero também ter a cada dia mais dedicação também. não só ao meu trabalho (que é uma forma íntima de me dedicar aos outros), mas a eles mesmo. sou tão bruta. nem sei porque estou falando disso, já que a ideia era escrever sobre o livro e até mesmo AH ATÉ MESMO pensar em falar mal dos currículos eu já pensei.

tipo eu quero que se foda. o que eu quero é o amor. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

let's play that

firmando ponto final e abrindo parágrafo vem o vídeo de Daniel Ribão, lá na tipografia d'O Homem do Saco, onde o Luís Henriques compôs e imprimiu as 590 capas de "alforria blues ou Poemas do Destino do Mar", que sábado em Lisboa é lançado pelas Edições Chão da Feira.

domingo, 7 de abril de 2013

Saber das coisas não sei

e da flor nasceu maria archer arco e rama, abre o raio e reparte o fruto, diz o poema XVIII dos poemas do destino do mar,

terça-feira, 2 de abril de 2013

substância

diferença rigorosa dos níveis. pedi pra que ele abrisse as pálpebras o suficiente. suficiente para ver a morte. ele me respondeu que não existem pálpebras suficientes. e dobrou os olhos como uma folha de papel, vincando. os cílios quase juntos da testa.

abri cirurgicamente a cabeça dele. perguntei se as descargas elétricas tinham substância de ressuscitação. ele disse: "sim, está bem, agora sim é o suficiente". e vimos, juntos, um clarão. mas eu não tinha apertado os botões. 

e o canavial se abriu em dois.
e deram açúcar para os deuses.
e nós nunca mais tivemos cáries.
e a cruz caiu no chão.
e ficaram todos livres.
e as rodas rodaram rodando como rodavam
já. e tudo seguiu mundo. 

Sou apenas um cavalo

cátia sá pereira, rugido da enseada, ou as madressilvas que nascem por ali,
leu a assumição do cavalo, o poema VII

 
sou apenas um cavalo from C. Sá on Vimeo.
 

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