PASSAMANARAGEM
O passado — que não existe — é talvez
minha única invenção gloriosa. Por ele eu crio algumas linhas
que me iludem na dissolução
da hora presente sem finalidade.
Por não lembrar de mais nada, exatamente como foi,
eu falsifico uma pessoa
que tende a ser melhor do que eu sou
e a agir brilhantemente
em qualquer aperto.
Minha idéia de mim é como a história
de um país que se idolatra em seus mortos
enforcados ilustres.
Afirmo ter estado nas paisagens do armário
que sonhei ou são
mas não encontro jamais uma das caras possíveis
por essa peregrinação da cabeça
em minhas sendas.
Só a hora presente é o meu país sem progresso
e sem grandeza.
Só as aves entendem
o que estou olhando ao longe
sem pensar mas sentindo
minha insignificância perfeita.
- - -
Leonardo Fróes, em Sibilitz.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
sábado, 27 de setembro de 2014
britannica
deve fazer uma semana, um pouco menos, que o Gustavo me mostrou num site português uma enciclopédia inglesa à venda, inteira, por 15 euros "negociáveis".
fiquei um pouco deprimida com isso, ou despencada como numa forca do nosso tempo, desviando do que já passou e pensando quanto vale o google. será que um dia o google também vai
fiquei um pouco deprimida com isso, ou despencada como numa forca do nosso tempo, desviando do que já passou e pensando quanto vale o google. será que um dia o google também vai
despencar de preço?
mas ninguém vende o google de porta em porta para quem quiser comprar
decorar a estante
complementar os estudos das crianças.
mas ninguém vende o google de porta em porta para quem quiser comprar
decorar a estante
complementar os estudos das crianças.
estava pensando nessas coisas quando perguntei
"mas é a Britannica?"
"não, não é. é a _____"
"ah (...)"
e fiquei entre mim mesma
mais doce do que desanimada de lembrar
que no escritório do meu pai / grande de muitas paredes com estantes, onde às vezes, por medo de ficar sozinha, eu dormia no sofá com a manta xadrez vermelha e verde dos cobertores parahyba, que não era suficiente pro frio úmido da madrugada. mas eu lá ficava com a ponta do nariz meio gelada.
mais doce do que desanimada de lembrar
que no escritório do meu pai / grande de muitas paredes com estantes, onde às vezes, por medo de ficar sozinha, eu dormia no sofá com a manta xadrez vermelha e verde dos cobertores parahyba, que não era suficiente pro frio úmido da madrugada. mas eu lá ficava com a ponta do nariz meio gelada.
era bem em cima do sofá que nesse escritório do meu pai tinha a Britannica
muitos volumes com a capa perolada
e eu tinha dificuldade em segurar o peso inteiro de um daqueles volumes
que embora contivessem o mundo inteiro, eu lá me interessava?
pegava sempre o volume com a letra D
depois de um tempo já sabia até onde abrir pra encontrar
muitos volumes com a capa perolada
e eu tinha dificuldade em segurar o peso inteiro de um daqueles volumes
que embora contivessem o mundo inteiro, eu lá me interessava?
pegava sempre o volume com a letra D
depois de um tempo já sabia até onde abrir pra encontrar
DOG
e passava inumerável tempo vendo todas as raças de cães com fotos coloridas. eram raras as fotos coloridas em todos os volumes e eu percebia assim a seriedade daqueles sujeitos: o que importa, os cães, estão coloridos, coloridíssimos. era uma maravilha. uma maravilha a seriedade que eu averiguava naqueles livros.
até hoje, que numa busca por imagens no google resolvo o que eu quero em cinquenta segundos, até hoje acho que isso fala mais sobre a minha pessoa do que muita coisa: tipo isso, confiar nuns livros gigantes, só porque em poucas páginas eles nos mostram tudo aquilo que vale no (nosso mundo). e, por hoje, é suficiente.
até hoje, que numa busca por imagens no google resolvo o que eu quero em cinquenta segundos, até hoje acho que isso fala mais sobre a minha pessoa do que muita coisa: tipo isso, confiar nuns livros gigantes, só porque em poucas páginas eles nos mostram tudo aquilo que vale no (nosso mundo). e, por hoje, é suficiente.
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semana passada eu também soube que meu pai tirou finalmente as caixas do galpão onde viviam a maior parte dos livros dele, desde que saímos da casa em que cresci, já que essa foi brutalmente assaltada uma década atrás. depois de anos, parece que a primeira coisa que ele procurava ao abrir as caixas, já na casa nova, foi: "onde está a Britannica?". não sossegou até encontrar as caixas onde ela estava. e isso sendo seguido pela nova cadela que demos pra eles, que veio da Bahia e fará cinco meses dia desses.
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agora que sou sincera
açúcar
fazia coisa de cinquenta dias que eu não comia açúcar. sou uma máquina à combustíveis e que excelência vinha sendo esta capacidade de dizer não a uma série de substâncias que alteram as velocidades e as consciências. dizem que é questão das células se acostumarem, que é preciso dar o tempo delas pra que elas se desliguem de certos hábitos. qual o tempo de uma célula é a mesma pergunta que: qual é o tempo do seu ser?
beija-flor ligue os beiços nos meus
estamos falando de amor:
sugar cane fields forever.
estamos falando de amor:
sugar cane fields forever.
hoje comi açúcar num doce de padaria, senti-me inicialmente como se tivesse levado um leve empurrão que me fez sentar. sentada senti muita alegria e constrição no meu peito, que constrição levou o corpo todo a se aquecer, as extremidades muito irrigadas de júbilo. o açúcar é a droga que nos dão na infância.
imagine como era antes do açúcar? por onde se inebriavam os meninos?
será que o nascimento da infância tem suas redondezas na descoberta e espalhamento do açúcar?
então comi mais algo doce e comecei a me sentir numa música dos jackson 5, assim de pequenos movimentos cintilando pelo corpo todo, a alegria de qualquer coisa sendo qualquer coisa se fazendo. a velocidade do arbitrário. e cabrum! meus músculos se fechando. como explicar o fechamento? pequenas placas como tectônico é o solo, omoplatas se juntando, e um grande peso no corpo aumentando.
então comi mais algo doce e comecei a me sentir numa música dos jackson 5, assim de pequenos movimentos cintilando pelo corpo todo, a alegria de qualquer coisa sendo qualquer coisa se fazendo. a velocidade do arbitrário. e cabrum! meus músculos se fechando. como explicar o fechamento? pequenas placas como tectônico é o solo, omoplatas se juntando, e um grande peso no corpo aumentando.
não é à toa que o açúcar fecha a intuição. pequenos cristais de insensibilidade coagulam.
e que é dos maiores depressores que conheço.
um pouco te põe pra cima, um pouco mais, ou mais repetidamente durante dias: AY QUE DESÂNIMO.
dizem que isto tem a ver com o tamanho da molécula que é preciso quebrar: são gigantescas as moléculas de açúcar e a produção de enzimas do corpo não dá conta de absorver tudo aquilo. por isso engorda tão facilmente, também.
curiosa capacidade do corpo não poder assimilar aquilo maior & assim conter.
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agora que sou sincera
1
ando desprositadamente longe das sílabas que se reúnem num simples toque de dedos
ou como dois e dois logo, com mais um, formam os dedos de uma mão
vou diagonalmente zanzando por tudo que encontro e que não tenha
o núcleo duro de uma separação — um desvio avistado — a cólera
coisas que não, hoje em dia não me interessam: não.
é curiosa a delicadeza que pode ter um não. ou a distribuição criteriosa de um não
não, não gosto; não, não quero; não, eu evito; não, agora não.
e retumbante a aproximação do diverso: o sim. B me disse hoje que tem mais espaço
mais espaço pro outro ser, receber esse inteirar-se que é ter espaço pro outro.
também tenho sentido isso nos diálogos aproximados. e tem a ver com corpo.
portanto também tem a ver com aquele verso de gilberto gil:
minha aura clara só quem é clarividente, pode pode ver.
também é bom estar na sombra, tantas quis os holofotes
tantas só o beijo do bem, mas que vigilante descoberta
essa da proximidade do que cresce melhor: à sombra.
certas plantas de sombra nunca reverdescem
outras não, nasceram lianas e descobertas
até mesmo essa desimportância de estar ou não
de estar ou não fazendo sentido.
escrevendo simplesmente.
como ensina GMT: pra máquina ligar.
ou como dois e dois logo, com mais um, formam os dedos de uma mão
vou diagonalmente zanzando por tudo que encontro e que não tenha
o núcleo duro de uma separação — um desvio avistado — a cólera
coisas que não, hoje em dia não me interessam: não.
é curiosa a delicadeza que pode ter um não. ou a distribuição criteriosa de um não
não, não gosto; não, não quero; não, eu evito; não, agora não.
e retumbante a aproximação do diverso: o sim. B me disse hoje que tem mais espaço
mais espaço pro outro ser, receber esse inteirar-se que é ter espaço pro outro.
também tenho sentido isso nos diálogos aproximados. e tem a ver com corpo.
portanto também tem a ver com aquele verso de gilberto gil:
minha aura clara só quem é clarividente, pode pode ver.
também é bom estar na sombra, tantas quis os holofotes
tantas só o beijo do bem, mas que vigilante descoberta
essa da proximidade do que cresce melhor: à sombra.
certas plantas de sombra nunca reverdescem
outras não, nasceram lianas e descobertas
até mesmo essa desimportância de estar ou não
de estar ou não fazendo sentido.
escrevendo simplesmente.
como ensina GMT: pra máquina ligar.
terça-feira, 23 de setembro de 2014
sábado, 20 de setembro de 2014
nido
"A este momento do dia dei o nome de
ensaio do primeiro amor"
Marta Navarro
Ponho-me a pensar o que seria
da palavra ninho
se falássemos outra língua
—falsearíamos outras hipóteses
na lista do supermercado —
e não tivéssemos casa
para nos abrigar deste vento que agora venta
como se fosse chover ou como se trouxesse a chuva.
Nestes dias em que esperamos que chova
mas quando amanhece chovendo
nos esquecemos do quanto esperávamos
—vazio de quanto vivíamos —
há chuva e nos pomos melancólicos
— nos pomos melancólicos de deus
não há estudo nem pormenores
aglutina-se por dentro a saliva
vigiam por fora estátuas / correm cavalos —
a meditar num saxofone
gravíssimo
como um compositor
que, tocado pela súbita neblina,
com os ombros um pouco tensos
—é tanta coisa a sentir-se viva
pelo mundo — ergue! os braços
alcança os galhos e salva da ventania:
um ninho. Antes que se molhe
antes que nunca mais chova:
pega pela mão a fibra
do abrigo tece o som
tece o meu e o teu.
O compositor quem é?
Nos abrigamos onde não há perguntas.
Sabemos o que é um ninho
quando ouvimos e dizemos: ninho.
Somos capazes de chorar.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
o mistério de frente?
As letras destas canções são quase totalmente incompreensíveis para os Yaminahua que não são xamãs. Townsley escreve: "Não há praticamente nada nestas canções que seja designado pelo seu próprio nome. Utilizam-se as perífrases metafóricas mais obscuras. Por exemplo, a noite torna-se 'antas velozes', a floresta 'amendoins cultivados', os peixes 'pecaris', os jaguares 'cestos', as anacondas 'redes para dormir' e assim por diante".
(...)
Por que motivo os xamãs yaminahua utilizam esta maneira de se exprimir? Segundo um deles: "Com os meus koshuiti eu quero ver; ao cantar examino cuidadosamente as coisas; a linguagem dupla e entrelaçada aproxima-se delas, mas não demasiado; com as palavras normais esbarrava nelas, com as palavras duplas e entrelaçadas ando à sua volta e consigo vê-las claramente".
- -
do livro do Jeremy Narby
"A serpente cósmica - o ADN e a origem do saber".
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