sábado, 27 de julho de 2013

notas de viagem (3)

primeira noite na tenda a chuva torrencial entre carvalhos. já me adaptei a certos vocabulários e nos dias anteriores a cada cachoeira me pegava cantando "eu sou memória das águas".

devia ser seis da manhã quando senti uma bolha na omoplata direita. não poderia ser, mas eram meus ombros nivelados por uma poça embaixo. atravessou a lona, o saco de dormir, me tornou os pulmões um precipício.

tive pneumonia uma vez por estar com a vida toda fudida e numa noite de frio ter fumado tudo e deitado com as costas no chão pra ver o céu da praça do relógio com a Mari.

lembrei disso & chorei miúdo.

*

só pode ser domingo, é isso.
me impressionava no primeiro livro de poemas que li a quantidade de vezes que "domingo" era referido. logo a poesia me mostrou que podia tourear o tédio, nosso imenso companheiro.

o livro era o "alguma poesia".

*

estou rodeada de antepassados aqui, os carvalhos. e everything inside is made of stone.

domingo e água.
domingo é água.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

notas de viagem (2)

durante uns anos, eu não tinha nem 25, escrevi um romance. ele tinha referências aos contrastes entre as cores: por exemplo: barro de terracota versus verde costela-de-Adão.

não me lembro de muito mais coisa. na foto com a cara de leão eu completava naquele dia 25 anos.

também me lembro que nas duzentas páginas havia uma personagem que se chamava asaboli. ela acabou virando o amor abandonado de infância pelo narrador que se chamava Antônio.

essas páginas foram um modo de decantar o fulgor do jardim em que cresci.

*

tudo até aqui foi desimportante.

ah o que eu me lembro foi que numa noite dura e cheia de notas de rodapé e rodeada por colegas de Letras que eram os mais inteligentes e que só citavam,

foi terminando um trabalho sobre tropicalia, a do caetano, que a cabeça a mil no travesseiro pensa pensou: "as aspas eu as aboli". as aboli.

daí pra asaboli foi um pulo. um pulo frustrado, ou assim considerado neste imediato.

imediato imprescindível!

200 páginas pra nada
pensei nesses últimos anos

*

aquela personagem que não existia, asaboli não tinha dentes. asaboli era uma alavanca, ou melhor, um cajado, minha terceira perna.

desde que a quis
abriu-se buraco negro
passei anos comendo
os versos os entendimentos
a fabricação
de outros e de outros e de mais outros

até apagar
reverenciar
fabricar

esses outros esses ouros
tudo por começar

oh pudores oh ana cristina

*

isso aqui escrito porque escrevi no caderno uns versos que daqui a pouco cito e pensei longamente se colocava aspas ou não.

vontade que me deu foi de escrever uns versos do Caetano, que
pra mim é como era a Amália
para o Variações.

"aranha tece puxando
o fio da teia
a ciência da abelha
da aranha e a minha
muita gente desconhece".

*

venturosos eram
aqueles como
o Bento e a Maria Gabriela
que elogiavam
sempre a alegria
constituintes dos entres
no entre as coisas.

*

tudo isso vendo a construção da nova teia aqui em frente.

essa aranha é daquelas que Darwin nenhum punha defeito

quinta-feira, 25 de julho de 2013

notas de viagem (1)

já se sabia que herberto helder compreendeu: o coração das: montanhas, aves, raves, libélulas, pontes (de concreto, de pedra, aço, etc); e o modo como estas e outras coisas respiram.

lembremos pois:

"até que deus é destruído pelos extremo exercício da beleza";

"a beleza quando avança é como um exército
e eu trabalho quanto possa pela sua violência".

*

depois de tanto presunto
preciso eu comer
todos morangos do mundo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

notas de viagem (0)

há uns tempos que penso na necessidade de inventar um verbo que esteja entre o pensar e o sentir, alguém conhece? então é nesse verbo que sinto-penso a guerra oculta da guerra em que vivemos, pois lustremos os artifícios e as técnicas,

e de repente aquela consideração aos insetos, não sei bem se ternura. ternura é dedicação para os felinos. ou a delicadeza, a patada que só atira as unhas lá no fim do gesto. e corta. claro que a delicadeza corta.

seres vivos abrindo, as flores e as batatas, outras espécies, cerejeiras, quaresmeiras, mariri, tulipas, samambaias, tílias, afins vegetais que são espécies superiores a nós, os animais.

solicito também o comparecimento das rúculas, dos espinafres, das rosas e do alazão. cada coisa que a gente tem que justificar, pedir, s i m p l e s m e n t e para postar O Leãzinho com o peacemaker heart mode on.

compareçam ao seu próprio evento astrológico. cuidem da memória de Ezra Pound. que nenhuma reconfiguração lhes tome mais tempo do que esvaziar os bolsos.

nós vamos para a montanha, seremos engolidos pelas encostas e os vales, ribanceiras de água e sapos do Gerês.



domingo, 21 de julho de 2013

trinco

não durmo enquanto
essa normalidade
continuar causando strikes.
não, não durmo.
passo a noite arrancando
alecrins do chão
com uma pinça na minha mão
mas dormir não durmo
não tenho um cão
embaixo da minha cama
tem o oceano e tem o chão
quando levanto, cambaleio
não sei bem onde
ponho os pés
nos cílios
apuro membranas
que me boiassem
ombros autênticos.
não estes meus
ombros que se deixam levar
pelos alheios ruídos
véus e estômagos rotos
de outros.

sábado, 20 de julho de 2013

morte & morte

enquanto esperamos a morte
façamos alguma coisa
poemas desgovernados
noites calmas em varandas
admiremos o tempo
amarelo a cada ano
verde em certos amores

não pegará fogo
em nada se eu não aprender
algo de bom como a água
saudade de tantas casas
que é melhor calar a boca
a mão o computador
e pensar sério com força
no poder de certas árvores




de "movediço", do fabrício corsaletti

- - -

laerte e o caminho do olho que era só inteligente








do blogue do minotauro via cecília

terça-feira, 16 de julho de 2013

meu estilo me fugiu

quando escrevo está tudo tão desarticulado eu fico vendo a escrita como umas gaivotas que cagam na cabeça dos outros quando o texto mesmo em si o texto se vê como o próprio ar e está feliz. desde janeiro (com meu texto sobre a "herança" que publiquei aqui está nos arquivos a herança está nos arquivos) que eu não começava e terminava um texto e realmente teve algo. teve algo. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

andiamo

todas as coincidências são prismáticas, coração. você vai fantasiado de bandeiras com as quais eu não concordo, não concordo com a tua bandeira. flamejar está em desuso. e ainda não desenharam a bandeira da transparência.
tuas roupas também, as roupas de todo esse bom mocismo farto de si mesmo, as roupas não servem mais. quem sabe talvez? no calor desse verão aprimorar a nudez do sentido.
ou ter um menino gordinho daqueles que ainda é meio mentiroso e a gente o ama por tanta imaginação. o menino segura a palma da minha mão, apontando os riscos que nela se desenham e eu pensando "são tantos os riscos" e o menino dizendo "não resisti, vou morder o teu pomo da sorte e da ferida vai nascer um...". ele não teve tempo de completar a frase.
assim apressamos os passos.
assim vamos pelos caminhos.


terça-feira, 9 de julho de 2013

e agora, josé?

cortar o vínculo com o não escrever, cortar o vínculo porque agora é hora de escrever, é hora de renascer 
como quem corta as unhas, embora um restinho de poeira por baixo delas penetre tudo, o restinho que faz da voz (ainda) o escuro
vontade de viver e vontade de chorar. aqui já é dia 10 de julho e ontem mercedes sosa faria aniversário e eu só soube disso depois da meia-noite. são os modos de se estar viva, ou a destruição da atenção. me joguei pra essa rede, como quem quer correr riscos. 
não entendo bem porque estou apertando o (antigo) enter para dar espaço entre as linhas. não estou entendendo o espaço entre as linhas. 
sei que hoje falei que a minha poesia é uma poesia pelo sentido. depois quem me lê estrebuchando de delírio não acredita. mas é verdade, eu sou até conservadora nesse (em muitos) aspectos. posso estar nas maiores peripécias sonoras, imagéticas, mas como uma linha de comboio o sentido apita. 
o que é quase como acreditar no estremecimento, digo, no amarulhamento, digo, no absurdo. 
por exemplo, não gosto muito de inventar palavras, nem de quando elas são inventadas. mas repentinamente invento uma palavra e passo a tarde com ela, eu que a cada dia suporto menos o açúcar, eu passo a tarde me adocicando toda. poderia rebolar até com essa palavra POR ESSA PALAVRA. mas habito o silêncio, mastigo uma biografia e outra ali, 
a minha própria andei digerindo mal
quer dizer, fiquei à toa e só por mim a nada nada nada 
registro aqui NADA meses de nada nada
ou o reabastecimento ou a substituição ou o descanso ou o rancor tipo AGORA MAIS SENTIMENTAL
sofri pra caceta é essa a verdade. mas algo virou no ar virado desse julho (o julho mais quente que já vivi). e isso tem a ver com a caminhada que fizemos, em que meus calcanhares ficaram em carne-viva e mesmo assim (ou com isso) resisti e pude entrar e entrei em contato 

em contato com o quê? 

não sei com que calcanhares nos ata o destino. pensei no caminho como uma linha que cortasse minha pele, e as agulhas afundadas sujas mesmo, sujas de sangue, as agulhas foram jogadas fora, e a linha ainda cinge ranhura de pele, mas acho que volvi, sempre sincera.

ou: a sinceridade era a minha arma. os outros talvez a utilizassem por fraqueza. a minha força era tornar-me fraca. agora não sei, se é sempre aquela história do sentido, ou se é sempre uma legitimação. 

tipo hoje que eu quebrei a santa símbolo. não era minha intenção, mas o esquecimento sim. dias atrás perdi meu cartão do banco, hoje quebrei uma santa. eu entendo isso tudo como pequenos avisos, que por mais que tenham me aparecido pessoas que me dêem uma aula sobre o assunto que na véspera me faltava, e exista quem chore na minha frente, tem um constrito no ar. tipo como quem diz: nem com essa bola toda teus calcanhares saravam, 

seguem sangrando 
eu, com alguma convicção,
de que a fraqueza era o meu forte, 
subi em cima da muralha da fortaleza e sorrindo
ela se desfez.  
 

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