sonhei que dava um pulo
e flutuava, girando desde
o alto de uma montanha
até o baixo de uma varanda
onde um antigo amor
(mais confusão do que amor)
sorria numa rede.
voando lenta em rodopio
desviei da casa
e comecei a voltar
feito um bumerangue
desejosa da montanha.
o homem na rede disse então
cuidado que é inércia
e coloquei os pés no chão.
(as outras partes do sonho, não vou contar aqui não.)
sexta-feira, 31 de maio de 2013
domingo, 26 de maio de 2013
sonoro
a primeira vez que escrevi a palavra "muito"
foi meu irmão que me ensinou
eu não acreditei. tinha certeza que era mentira.
faltava um som, um som fundamental. mas acabei
acabei acreditando.
faz parte ter de acreditar.
agora quando escrevo "muito" percebo que minha letra está mudando.
eu não tinha esse "t"
assim
tão pouco tenso.
não atraso a hora das plantas
deixo as ramagens invadirem os portões.
agora vivo acendendo incenso
pra qualquer córrego vagabundo
se chamar deus
eu peço um pouco de atenção
quando alguém está comendo eu tiro o talher
da mão enfio na testa.
tem muito "t" nessa língua
não dá pra viver sem eles.
eu tinha um "t" que me estruturava
me ajudava tanto aquele "T"
agora tenho três "t" diferentes
conforme cada encontro de letra.
ainda vão dizer que me rebusquei
só por conta do "t" trifurcado
foi que eu me perdi.
*
a aparição do poema do leonardo fróes aí embaixo foi como um torpedo de precisa balística no mar profundo em que eu me encontro afogada.
Justificação de Deus
o que eu chamo de deus é bem mais vasto
e às vezes muito menos complexo
que o que eu chamo de deus. Um dia
foi uma casa de marimbondos na chuva
que eu chamei assim no hospital
onde sentia o sofrimento dos outros
e a paciência casual dos insetos
que lutavam para construir contra a água.
Também chamei de deus a uma porta
e a uma árvore na qual entrei certa vez
para me recarregar de energia
depois de uma estrondosa derrota.
Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa
no ponto de desespero total
em que uma flor se movimenta ou um cão
danado se aproxima solidário de mim.
E é ainda a palavra deus que atribuo
aos instintos mais belos, sob a chuva,
notando que no chão de passagem
já brotou e feneceu várias vezes o que eu chamo de alma
e é talvez a calma
na química dos meus desejos
de oferecer uma coisa.
o que eu chamo de deus é bem mais vasto
e às vezes muito menos complexo
que o que eu chamo de deus. Um dia
foi uma casa de marimbondos na chuva
que eu chamei assim no hospital
onde sentia o sofrimento dos outros
e a paciência casual dos insetos
que lutavam para construir contra a água.
Também chamei de deus a uma porta
e a uma árvore na qual entrei certa vez
para me recarregar de energia
depois de uma estrondosa derrota.
Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa
no ponto de desespero total
em que uma flor se movimenta ou um cão
danado se aproxima solidário de mim.
E é ainda a palavra deus que atribuo
aos instintos mais belos, sob a chuva,
notando que no chão de passagem
já brotou e feneceu várias vezes o que eu chamo de alma
e é talvez a calma
na química dos meus desejos
de oferecer uma coisa.
Leonardo Fróes, via modo de usar
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sexta-feira, 24 de maio de 2013
o carro de trás
traços de sonhos dos últimos dias
*estou na porta da casa onde moro, meu pai vem me pegar. tenho uma mala muito pequena, carrego feito um urso de pelúcia, pela mão.
* dirijo um carrinho de bate-bate dentro de um pequeno centro comercial, estou atrás de outro que está na minha frente, com dois conhecidos (não me lembro quem são) dirigindo aos risos. agora lembrando é a zona de lojas da estação de santa apolónia. mas, na verdade, no sonho estou na bahia e sou parada pelos policiais. são truculentos, óbvio. pedem meus documentos, estão vencidos.
* estou na casa em que cresci, com a zélia, minha tia avó que morreu faz alguns anos. ajudo a carregá-la pra lá e pra cá, ela não pesa mais do que uma criança, e minhas pernas têm uma ginga excessiva, consigo fazer o movimento que for. quando chego na porta de casa (é preciso ser rápida, é o que ouço o resto da família a dizer) encontro meu irmão com dois carros parados. coloco a zélia no banco de trás do primeiro. ele me diz que é preciso dirigir o carro de trás, eu digo que sim. então me recordo que meus documentos estão vencidos.
-
das interpretações:
tanta violência, só meu pai sabe me salvar.
vencidos = meus sonhos, minha carta de condução também.
estou perdida.
ah, ontem vi um sujeito sendo preso na porta de casa. ele dirigia um alfa romeo, estava muito bem vestido, aquelas roupas de crime do colarinho branco. mas também não era uma perseguição de antes, não parecia. não deu pra entender muito bem o que aconteceu.
por que eram sempre dois carros? porque eu estava sempre no de trás?
por que a zélia sendo carregada como uma boneca?
por que por que por quê
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quinta-feira, 23 de maio de 2013
pelo retorno do maravilhoso
a internet voltou! eu é que voltei pelos cascos abertos, e pensando entre os ramos mais raros que o volume do som também podia aumentar porque é sempre insuficiente pra ouvir maria bethânia. mas vou vê-la ao vivo no dia de luís e isso será ay que rima tão feliz!
I Am Waiting
and I am waiting
for a rebirth of wonder
and I am waiting for someone
to really discover America
and wail
and I am waiting
for the discovery
of a new symbolic western frontier
and I am waiting
for the American Eagle
to really spread its wings
and straighten up and fly right
and I am waiting
for the Age of Anxiety
to drop dead
and I am waiting
for the war to be fought
which will make the world safe
for anarchy
and I am waiting
for the final withering away
of all governments
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder
I am waiting for the Second Coming
and I am waiting
for a religious revival
to sweep thru the state of Arizona
and I am waiting
for the Grapes of Wrath to be stored
and I am waiting
for them to prove
that God is really American
and I am waiting
to see God on television
piped onto church altars
if only they can find
the right channel
to tune in on
and I am waiting
for the Last Supper to be served again
with a strange new appetizer
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder
I am waiting for my number to be called
and I am waiting
for the Salvation Army to take over
and I am waiting
for the meek to be blessed
and inherit the earth
without taxes
and I am waiting
for forests and animals
to reclaim the earth as theirs
and I am waiting
for a way to be devised
to destroy all nationalisms
without killing anybody
and I am waiting
for linnets and planets to fall like rain
and I am waiting for lovers and weepers
to lie down together again
in a new rebirth of wonder
I am waiting for the Great Divide to be crossed
and I am anxiously waiting
for the secret of eternal life to be discovered
by an obscure general practitioner
and I am waiting
for the storms of life
to be over
and I am waiting
to set sail for happiness
and I am waiting
for a reconstructed Mayflower
to reach America
with its picture story and tv rights
sold in advance to the natives
and I am waiting
for the lost music to sound again
in the Lost Continent
in a new rebirth of wonder
I am waiting for the day
that maketh all things clear
and I am awaiting retribution
for what America did
to Tom Sawyer
and I am waiting
for Alice in Wonderland
to retransmit to me
her total dream of innocence
and I am waiting
for Childe Roland to come
to the final darkest tower
and I am waiting
for Aphrodite
to grow live arms
at a final disarmament conference
in a new rebirth of wonder
I am waiting
to get some intimations
of immortality
by recollecting my early childhood
and I am waiting
for the green mornings to come again
youth’s dumb green fields come back again
and I am waiting
for some strains of unpremeditated art
to shake my typewriter
and I am waiting to write
the great indelible poem
and I am waiting
for the last long careless rapture
and I am perpetually waiting
for the fleeing lovers on the Grecian Urn
to catch each other up at last
and embrace
and I am awaiting
perpetually and forever
a renaissance of wonder
Lawrence Ferlinghetti
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domingo, 19 de maio de 2013
VIII
O que eu acho que estou querendo agora é tão delicado.
Não sei com quem falar disso.
O que estou querendo é tão delicado.
O delicado problemático. Sem volta.
Entendi que pra chegar tenho que dar outra, outra volta.
Mas não posso, meu corpo bom, trocar de terra mais uma vez.
Vou cair em todas.
Insuficientemente permeável à pele das cidades.
Não reconheço nenhum canto desta sala.
Com quem conversar o descanso?
Metade da vida é faxina. A outra metade?
Regresso do pó. E eu querendo algo
agora tão, tão delicado. De passar o vento.
Ou para sentir
só teria que pousar as mãos no pó
até vê-las brancas, espalmadas como um mar
que se instalasse sobre os móveis
mas um rabo de gato
meu dedo na boca
nervoso.
Estou no raio informe.
Se eu traçar uma circunferência estarei no raio do informe.
Do centro dela apita uma luz que ninguém vê.
Por onde, se mexe: é o que a luz diz.
Aqui também, tudo manda mensagens, significa.
Passou um barco que eu achei bonito.
Ele trazia também duas luzes.
Piscavam querendo dizer numa linguagem que não me comunico.
Mas alguém se comunicaria
com as luzes do barco.
Estou procurando um lugar de mim mesma que seja o campo de mim mesma.
Não preventiva.
Cansei de ser o princípio do cuidado descontrolado.
Estou levando uma maçã pra comer mais tarde.
Tão tranquila cidade.
Passo a mão na água.
Quem dera fazer, dos poemas, sinfonia.
Fina de chiados e sintonizações, quem passasse pudesse ouvir
como gruda o ouvido no rádio, a emancipação
do universo feito de palavra, não encontro. Nem saliva,
só aço. Nem tato, olfato.
Os olhos mesmo, perfurados.
Estou dizendo que só viverei naquele
que se enfraquece de ternura, pena carne.
do "alforria blues ou Poemas do Destino do Mar".
O que eu acho que estou querendo agora é tão delicado.
Não sei com quem falar disso.
O que estou querendo é tão delicado.
O delicado problemático. Sem volta.
Entendi que pra chegar tenho que dar outra, outra volta.
Mas não posso, meu corpo bom, trocar de terra mais uma vez.
Vou cair em todas.
Insuficientemente permeável à pele das cidades.
Não reconheço nenhum canto desta sala.
Com quem conversar o descanso?
Metade da vida é faxina. A outra metade?
Regresso do pó. E eu querendo algo
agora tão, tão delicado. De passar o vento.
Ou para sentir
só teria que pousar as mãos no pó
até vê-las brancas, espalmadas como um mar
que se instalasse sobre os móveis
mas um rabo de gato
meu dedo na boca
nervoso.
Estou no raio informe.
Se eu traçar uma circunferência estarei no raio do informe.
Do centro dela apita uma luz que ninguém vê.
Por onde, se mexe: é o que a luz diz.
Aqui também, tudo manda mensagens, significa.
Passou um barco que eu achei bonito.
Ele trazia também duas luzes.
Piscavam querendo dizer numa linguagem que não me comunico.
Mas alguém se comunicaria
com as luzes do barco.
Estou procurando um lugar de mim mesma que seja o campo de mim mesma.
Não preventiva.
Cansei de ser o princípio do cuidado descontrolado.
Estou levando uma maçã pra comer mais tarde.
Tão tranquila cidade.
Passo a mão na água.
Quem dera fazer, dos poemas, sinfonia.
Fina de chiados e sintonizações, quem passasse pudesse ouvir
como gruda o ouvido no rádio, a emancipação
do universo feito de palavra, não encontro. Nem saliva,
só aço. Nem tato, olfato.
Os olhos mesmo, perfurados.
Estou dizendo que só viverei naquele
que se enfraquece de ternura, pena carne.
do "alforria blues ou Poemas do Destino do Mar".
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poemas do destino do mar
"Os caminhos confundem-se, os telhados de terra batida aluem, o enxurro ganha os campos. Desaparece essa frágil ordem que se cria para andar sobre os abismos. Em dois dias perdem-se todas as pistas do ano. Desapareceram os centros da vida, centros de audaz inteligência, onde se teceu, à volta, o pavor da morte - a malícia de enganá-la e a pequena vitória com seu anel de alegria. Absorveu-os a água. Na forma desfeita, já se não sabe o lugar dos bichos, da lentilha, dos barcos.
Cavalos de areia húmida galopam nos ares. O vento bate nos campos as ferraduras de água. As casas abaixam-se, iluminadas por candeias cuja grossa torcida mergulha em gordura de carneiro.
É preciso inventar de novo o edifício palpável das convenções: demarcar os campos de cevada, reparar as empenas dos barcos, amar a vida. Para ajudar haverá uma pobre primavera de ervagem baixa e uns passos de lentilha verde."
do "Photomaton & Vox", Herberto Helder.
os anéis de netuno
estou lendo um livro dos anos 70, que fala da vida secreta das plantas. é engraçado que uns anos atrás eu não daria a mínima atenção pra um estudo como esses, consideraria místico e, displicentemente, me colocaria a ler algum poeta moderno de alta consideração. mas fico a cada dia mais siderada pela potência que um chá pode ter (seja ele ayahuasca ou tília, e todos os etceteras que aqui cabem), que há algo que as plantas encaminham, ajudam a curar, a limpar, a entender, e num ambiente mesmo, a presença das plantas facilita tudo. meu pai, eu já disse?, meu pai é um construtor de selvas. mas o mais engraçado que eu acho no livro é que ele está em castelhano, e muitas vezes eu me sinto lendo Cortázar. então todo o misticismo científico parece um jogo, uma jogada de ironia cheia de amor, e o texto se revive de si mesmo, na sua própria celulose, e se integra ao que eu já conheço. fico interessada e dando risada. isso não diminui o conhecimento ali exposto, nem o torna ficção, assim como tornar ensaio um poema não o faz científico. é como se cada coisa em seu lugar, revisitada pelas outras, cada coisa de fronteiras abertas mostrasse mesmo o poder dos encontros. pra que separar tanto? a vida é cheia de liberdade.
sábado, 18 de maio de 2013
uns queimam as mãos, outros
é daquelas pessoas que não acreditam em abstrações,
e eu estava tentando resgatar o meu coração como o chiclete colado no asfalto quente se prendeu no meu tênis e não queria soltar
mas eu o tinha visto sentado do lado do haroldo de campos e ele esquentava um bule de água quente, estávamos num jardim japonês, fazia frio
ele esquentava a água, esquentava
pra fazer chá, eu pensava
até o momento que vertia fervente sobre uma das próprias mãos
não gemia, nem nada. não era pra ele que faltavam abstrações
eu já não me lembro bem.
lembro que naquele tempo eu esperava, esperava
nem sei pelo quê. por alguma coisa que atravessasse a minha vida
sentia medo de repentinamente me apaixonar
porque é justamente desse jeito que acontece.
eu estava toda retirada
e agora acreditava nas coisas que as plantas sentem.
acredito ainda. e uma hora eu fui no banheiro e os dois
os dois que já não eram os mesmos dois
que estavam ali acima, porque a vida é muito mais interessante do que eles
outros dois começaram a falar avidamente sobre a inquisição,
e eu senti que eles falavam sobre o peso de ter isso na memória, que a galera queimava
o vizinho. e os portugueses se sentem muito portugueses, então eu
pensei o peso que deve ser, mesmo, esse excesso de história da
maldade. porque, pelos vistos, isso é a história de todo povo, de toda
civilização, essas barbáries, mas um povo que já dura faz tanto tempo,
ah!, esse povo sanguinário deve ter que ter muita água, muita água
suficiente pra limpar as nódoas todas. é muita história.
sim, e eu.
eu estou escrevendo notas para um livro mudo.
um livro onde nada se repete e nada fica constrangido.
um livro que dança e um livro que corre.
depois apareceu uma outra solução, que era esquecer tudo isso.
embora martelasse meu pensamento a avidez do antes de dormir
maltratasse meu sono
eu me atirava! me atirava para o sono!
e o que eu pensava me tirava! me tirava o sono!
ah quantas noites iguais a de tantos.
como sempre me interessa o que está atrás
segui buscando a origem da insônia, não sei se para entendê-la
para desmitificá-la para respeitá-la curar não
mas de repente voltei a dormir
de repente voltei a comer
de repente voltei a amar
mas voltar pra quê?
foi o que eu disse num email pra maria hoje de manhã.
e depois me lembrei do álvaro de campos que tinha as botas mais gastas de portugal
botas tão gastas que eu tenho me lembrado muito dele nesses dias
quis até comprar uma outra edição, não a que eu tenho
mas ainda bem que não achei
porque eu não tenho dinheiro
e vou vivendo assim, gastando as botas
escrevendo torto torto torto gasto gasto gasto
nunca pensei que fosse dizer isso de alguém
mas não é de abstrações que lhe faltam coisas, não!
o que lhe falta é espírito. e quem disse isso foi machado assis.
não foi ninguém não.
foi machado de assis.
e fui eu.
e eu estava tentando resgatar o meu coração como o chiclete colado no asfalto quente se prendeu no meu tênis e não queria soltar
mas eu o tinha visto sentado do lado do haroldo de campos e ele esquentava um bule de água quente, estávamos num jardim japonês, fazia frio
ele esquentava a água, esquentava
pra fazer chá, eu pensava
até o momento que vertia fervente sobre uma das próprias mãos
não gemia, nem nada. não era pra ele que faltavam abstrações
eu já não me lembro bem.
lembro que naquele tempo eu esperava, esperava
nem sei pelo quê. por alguma coisa que atravessasse a minha vida
sentia medo de repentinamente me apaixonar
porque é justamente desse jeito que acontece.
eu estava toda retirada
e agora acreditava nas coisas que as plantas sentem.
acredito ainda. e uma hora eu fui no banheiro e os dois
os dois que já não eram os mesmos dois
que estavam ali acima, porque a vida é muito mais interessante do que eles
outros dois começaram a falar avidamente sobre a inquisição,
e eu senti que eles falavam sobre o peso de ter isso na memória, que a galera queimava
o vizinho. e os portugueses se sentem muito portugueses, então eu
pensei o peso que deve ser, mesmo, esse excesso de história da
maldade. porque, pelos vistos, isso é a história de todo povo, de toda
civilização, essas barbáries, mas um povo que já dura faz tanto tempo,
ah!, esse povo sanguinário deve ter que ter muita água, muita água
suficiente pra limpar as nódoas todas. é muita história.
sim, e eu.
eu estou escrevendo notas para um livro mudo.
um livro onde nada se repete e nada fica constrangido.
um livro que dança e um livro que corre.
depois apareceu uma outra solução, que era esquecer tudo isso.
embora martelasse meu pensamento a avidez do antes de dormir
maltratasse meu sono
eu me atirava! me atirava para o sono!
e o que eu pensava me tirava! me tirava o sono!
ah quantas noites iguais a de tantos.
como sempre me interessa o que está atrás
segui buscando a origem da insônia, não sei se para entendê-la
para desmitificá-la para respeitá-la curar não
mas de repente voltei a dormir
de repente voltei a comer
de repente voltei a amar
mas voltar pra quê?
foi o que eu disse num email pra maria hoje de manhã.
e depois me lembrei do álvaro de campos que tinha as botas mais gastas de portugal
botas tão gastas que eu tenho me lembrado muito dele nesses dias
quis até comprar uma outra edição, não a que eu tenho
mas ainda bem que não achei
porque eu não tenho dinheiro
e vou vivendo assim, gastando as botas
escrevendo torto torto torto gasto gasto gasto
nunca pensei que fosse dizer isso de alguém
mas não é de abstrações que lhe faltam coisas, não!
o que lhe falta é espírito. e quem disse isso foi machado assis.
não foi ninguém não.
foi machado de assis.
e fui eu.
quarta-feira, 15 de maio de 2013
meu melhor amigo
copiado do marcos, do blogue do marcos:
depois do diário
i
amarram essas paredes com uma vontade bem firme
e olha só elas estão bambas
ii
a terapia dos cadernos acumula pó debaixo da cama
lá também vive o monstro que escrevia
iii
depois dos diários deixamos de enviar notícia
o mundo é grande, qualquer um encontra
iv
gaiola não canta
terça-feira, 14 de maio de 2013
quantos a ouvir a estação
isto é uma miragem, na verdade, estou sem internet. e o vulgo fato tem me feito querer mais, eu que queria só esquecimento e naturalidade, sem constrangimento, percebo assim: nada me interessa mais nessas tardes de primavera do que o suco de damasco apricot alperce orgânico e austríaco que descobri. imagino o rigor daqueles entraves amassando as frutinhas, até o enrondilhado das fibras fazendo contraste cada fruta o seu sabor, dentro de uma caixinha de tetra pak que veio parar até mim. às vezes admiro a tecnologia, às vezes admiro o campo, ambos juntos é muito convívio de humanidade. aqueles raros "e ainda bem", ou descobrir finalmente as flores de sabugueiro, e beber, beber até destapar os ouvidos.
e escrever, escrever, escrever até não ter mais o que dizer nem o que sentir. ontem reparei no convívio deglutidor que é um poema, foi lendo os poemas do holderlin que postei logo aí embaixo. não quero nem saber de nada mais, mas me prometi que só escrevo um poema novamente quando for insuportável o júbilo de animar uma montagem. o poema como uma marionete, é no que acredito. as emoções coletadas, compostas na violência de um novo corpo. corpo = beleza. sendo que o igual ali atrás foi cheio de dúvidas. corpo = ruído. e tantas outras equivalências poderiam ser transpostas, até encontrarmos aquilo que já sabemos: que nunca saberemos a quantidade de coisas que cabem num corpo, mas são tantas.
eu vou guardando tudo isso. aguardando aquele momento em que vou voltar a escrever o meu trabalho. isso aqui não é o meu trabalho. isso aqui é a minha respiração. por acaso você considera que um e outro são a mesma coisa? é importante averiguar as equivalências antes de acreditar nelas. ou acreditar de olhos fechados, acreditar tanto ao ponto de repetir uma palavra, um punhado de versos. seguir tendo fé e descrendo. tendo fé e descrendo. se eu fosse um trem (um comboio, são tantas as palavras que se equivalem em nossas línguas, e cada uma delas é insubstituível) um trilho meu era a fé, o outro a descrença. sim, eu apito. e passo por cima.
ps, este texto foi escrito para o bernardo. e com o pensamento no filipe.
ps do ps, também foi com o pensamento em ezra pound, porque hoje de manhã joguei i ching e o hexagrama 11 me lembrou de encontrar aquilo que se preserva na liberdade do novo. na herança há confiança, e o futuro é o calçado destes pés,
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agora que sou sincera
não estou em festa, mas gostaria de coroar-me de flores
1
Todos os dias saio em busca de algo diferente,
Demandei-o há muito por todos os atalhos destes campos;
Além nos cumes frescos visito as sombras,
E as fontes; o espírito erra dos cimos para a planície,
Implorando sossego; tal como o animal ferido se refugia nas florestas,
Onde antes repousava pelo meio-dia à sua sombra, fora de perigo;
Mas o seu verde abrigo já lhe não dá novas forças,
O espinho cravado fá-lo gemer e tira-lhe o sono,
De nada servem o calor da luz nem a frescura da noite,
E em vão mergulha as feridas nas ondas da torrente.
E tal como é inútil à terra oferecer-lhe a agradável
Erva curativa e nenhum zéfiro consegue estancar o sangue que fermenta,
O mesmo me acontece, caríssimos! Assim parece, e não haverá ninguém
Que possa aliviar-me da tristeza do meu sonho?
2
De nada serve, ó deuses da morte, enquanto tiverdes
Em vosso poder, prisioneiro, o homem acossado pelo destino,
Enquanto de vosso furor, o tiverdes lançado na noite tenebrosa,
De nada serve então procurar-vos, suplicar-vos ou queixarmo-nos,
Ou viver pacientemente neste desterro de temor,
E escutar sorrindo o vosso canto sóbrio.
Se assim for, esquece a tua felicidade e dormita silenciosamente.
No entanto brota no teu peito uma réstea de esperança,
Tu ainda não podes, ó minha alma! Não podes ainda
Habituar-te e sonhas dentro de um sonho férreo!
Não estou em festa, mas gostaria de coroar-me de flores;
Não me encontro eu só? Mas algo apaziguador deve
Aproximar-se de mim vindo de longe e sou forçado a sorrir e a admirar-me
Por experimentar alegria no meio de tão grande sofrimento.
5
Desejo festejar, mas para quê? E cantar com outros,
Mas assim sozinho tudo o que é divino me falta.
É este o meu mal, sei-o, uma maldição paralisa-me
Os tendões e abate-me ao menor movimento,
E assim passo o dia insensível e mudo como os meninos,
Apenas me brotam dos olhos frias lágrimas,
E a verdura dos campos entristece-me e o canto dos pássaros
Porque na sua alegria são também mensageiros do céu,
Mas o sol que reanima cai frio e esterilmente
No meu peito convulso como se fossem raios nocturnos,
Ai! E inútil e vazio como paredes de uma prisão o céu
É um peso excessivo que paira sobre a minha cabeça!
Friedrich Hölderlin, de "Pranto de Ménon por Diotima", in: "Elegias", tradução de Maria Teresa Dias Furtado.
Todos os dias saio em busca de algo diferente,
Demandei-o há muito por todos os atalhos destes campos;
Além nos cumes frescos visito as sombras,
E as fontes; o espírito erra dos cimos para a planície,
Implorando sossego; tal como o animal ferido se refugia nas florestas,
Onde antes repousava pelo meio-dia à sua sombra, fora de perigo;
Mas o seu verde abrigo já lhe não dá novas forças,
O espinho cravado fá-lo gemer e tira-lhe o sono,
De nada servem o calor da luz nem a frescura da noite,
E em vão mergulha as feridas nas ondas da torrente.
E tal como é inútil à terra oferecer-lhe a agradável
Erva curativa e nenhum zéfiro consegue estancar o sangue que fermenta,
O mesmo me acontece, caríssimos! Assim parece, e não haverá ninguém
Que possa aliviar-me da tristeza do meu sonho?
2
De nada serve, ó deuses da morte, enquanto tiverdes
Em vosso poder, prisioneiro, o homem acossado pelo destino,
Enquanto de vosso furor, o tiverdes lançado na noite tenebrosa,
De nada serve então procurar-vos, suplicar-vos ou queixarmo-nos,
Ou viver pacientemente neste desterro de temor,
E escutar sorrindo o vosso canto sóbrio.
Se assim for, esquece a tua felicidade e dormita silenciosamente.
No entanto brota no teu peito uma réstea de esperança,
Tu ainda não podes, ó minha alma! Não podes ainda
Habituar-te e sonhas dentro de um sonho férreo!
Não estou em festa, mas gostaria de coroar-me de flores;
Não me encontro eu só? Mas algo apaziguador deve
Aproximar-se de mim vindo de longe e sou forçado a sorrir e a admirar-me
Por experimentar alegria no meio de tão grande sofrimento.
5
Desejo festejar, mas para quê? E cantar com outros,
Mas assim sozinho tudo o que é divino me falta.
É este o meu mal, sei-o, uma maldição paralisa-me
Os tendões e abate-me ao menor movimento,
E assim passo o dia insensível e mudo como os meninos,
Apenas me brotam dos olhos frias lágrimas,
E a verdura dos campos entristece-me e o canto dos pássaros
Porque na sua alegria são também mensageiros do céu,
Mas o sol que reanima cai frio e esterilmente
No meu peito convulso como se fossem raios nocturnos,
Ai! E inútil e vazio como paredes de uma prisão o céu
É um peso excessivo que paira sobre a minha cabeça!
Friedrich Hölderlin, de "Pranto de Ménon por Diotima", in: "Elegias", tradução de Maria Teresa Dias Furtado.
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amigos amigos negócios reparte
segunda-feira, 6 de maio de 2013
o melhor o tempo esconde
gostei do papo, me disse o príncipe todo enrolado na ramagem de unha de gato. é imprescindível saber que cresci com a cura ao lado. assim como o taxista que me avisou a respeito do amarelo. sou dessas pessoas que atravessa a rua e recebe um presente e guarda tão bem a cabeça dentro da caixa onde veio o pacote que a prenda se perde dentro da ramagem e o castelo cai e o príncipe fica sendo aquilo que ele é: um distúrbio, uma raridade, alguma coisa que não estava prevista, e que encaixa tão bem, tão direitinho, que até as melhores roupas de veludo e até mesmo os sequestradores de um país estrangeiro, tão interessados em abrirem as fronteiras do príncipe, torná-lo um vassalo, fazerem dele puro esquecimento da nobreza da estirpe, ó príncipe sem dentes, és menos poderoso do que um vírus, mas veja lá, isto não te faz menos vivo.
o Porto a voltar, a o Porto
Em “alforria blues ou Poemas do Destino do Mar” existem dois juntos em um, o que prova ser um livro sobre a biodiversidade. O de letras capitulares é um cavalo que querendo ter mãos para construir uma ânfora, foi tão devassado pelo dom de tê-las, que se transformou em um pássaro, que se transformou em açúcar: a primeira droga que experimentamos. Gasto açúcar, tua pele perdida feito cobra trocada na sombra da copa de uma árvore carregada: “alforria blues” é porque deve haver um jeito mais fácil de comer romã. Mas não se entretenha muito com o que diverge, os dois se acompanham, e quando um diz que tudo está em aberto, o outro responde: sim, está aberto e entre nós.
domingo, 5 de maio de 2013
no quando agora em mim
sujaram um pano até ele ficar dark dark oh so dark de pó e acúmulo de flores mortas. não era uma fonte velha que se limpasse, era o próprio lugar do júbilo, e de tanta festa os olhos manchados pelo fim da noite. eu sou esse pano que passaram no chão do fim da festa. depois por ele fizeram passar tanta água que ele de gasto passou a branco, mas encharcado ficou. torceram, torceram, torceram até não poder mais. e o pano não se secou. é assim que estou.
sábado, 4 de maio de 2013
primeiro dia de escola
pro inferno com a literatura
este é pro Marcos
Numa coincidência infame
tivemos a oportunidade
Bob Dylan e eu
de morrermos os dois amanhã
e os amigos lembrariam
ah como tinha futuro
ah como tinha talento
ah como sabia viver
ah como tinha sorte
ah até que veio que morreu no mesmo dia que o Bob Dylan
eu nunca me esqueceria desse dia estavam ambos em Lisboa
tomada por um ataque nos eléctricos nos bondes nos pickpockets
no pitoresco mundo ibérico dos franceses que em realidade nunca entendem absolutamente nada ah souvenires coqueluches tíquetes de ingresso aos céus! meia dúzia de vezes em um século alguém pode dizer que sua amiga morreu no mesmo dia que o Bob Dylan morreu.
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cantos de estima
sexta-feira, 3 de maio de 2013
grrrauuu
não sei por onde achar a estrada, e se eu tivesse uma tesoura cortava pedra e caminho, até encontrar mercedes que me guiasse. não gosto de textos assim como esse que estou escrevendo. dos sentidos, sou pelo vento. aquele que te rasga e que em mim sempre sempre vai causar sinusite e outras espécies de monstruosidades derivadas da permeabilidade dos meus poros. li clarice dizendo que sofria tudo que estivesse ao redor. o outro falava dos escritores de ouvidos perfurados. eu tenho olhos, tímpanos, mãos, tudo pra ver a maldade desaparecer. meus ouvidos ainda parecem a guerra nas estrelas. quando escrevo assim não é pra ter continuidade. uns tempos atrás eu falava em tirar o outdoor da frente dos olhos, sendo isto uma espécie de medicina, purificação dos meios e sentidos. hoje sei que, na verdade, escrevo pra trazer o o he-man na linha debaixo
quinta-feira, 2 de maio de 2013
desejo cegado
nenhuma leitura soube
me ensinar a ler
as próprias mãos
"tornei o mar meu espelho"
disse o sol
pra explicar a minha vida
a luz era tanta
vinha vindo branca
splash! fez. E arrebentou.
me ensinar a ler
as próprias mãos
"tornei o mar meu espelho"
disse o sol
pra explicar a minha vida
a luz era tanta
vinha vindo branca
splash! fez. E arrebentou.
quarta-feira, 1 de maio de 2013
não trago outra mensagem
começamos cedo demais, e por isso não tivemos tempo para ressentimentos. tivemos excessivas certezas. nos culparam pelo excesso, pelo excesso de afirmatividade. consideraram que era tempo de mortos, de restos, de rolhas de cortiça trazidas pelas ondas. e já podres. o mar mesmo, era visto como um morto que, de tanto afundar em si mesmo, trazia os bolsos rotos, cheios de migalhas de pães e bolos que só comeu quando era criança, pois teve de abandonar a própria mãe pra que se considerasse vivo. eu, não. quando fazia frio e lavava os cabelos, secava-os com o calor, amadureci no sol. comendo jaboticabas disputadas com o bem-te-vi que as sugava até secarem, e vendo entre as ramagens as luzes tornando as folhas quase brancas, quando não ainda mais verdes.
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