quinta-feira, 29 de novembro de 2012

elenco sem determinação daqueles que desistiram

Entre aqueles que não desistiram está,          na frente de todos, Arthur. Seu raio ultrapassa sua morada. Parasse eu agora seria uma desistência, depois de provar morangos, não querer conhecer as amêndoas nem as amoras. Como um par de mãos ofertado, porém de punhos ausentes, mutilados. Arthur não tinha medo de punhos mutilados, por isso não desistiu, foi para África. Se de agora em diante recuasse do ruído e conseguisse abdicar do foco que encanta, se eu perdesse os olhos e a capacidade de olhar o fogo, mesmo que eu me apaixonasse por outra coisa, eu estaria desistindo. Arthur, não. Arthur nunca desistiu.





Ana atravessando o deserto pensou
                                            que pudesse bebê-lo.  

terça-feira, 27 de novembro de 2012

de um peixe

na verdade esta noite dormi muito. e ainda estou lá, como se nada houvesse começado. lenta, com espirros. a gata também tossiu, mas enquanto eu dormia lambeu meus cabelos - estavam sujos - até dividir o caminho e encontrar meu couro cabeludo. acordei com a língua áspera no crânio. 
como é possível que existam dias que a única coisa que me interessa é exterminar minha maior capacidade? a sensibilidade. não se trata exatamente de um extermínio, mas de uma exacerbação que anestesia, faz-se fumo. onde tudo toca, até só a vida formigar e o coração sem centro dominar a tudo.

vrummm

quando acontece o teu foguetório como uma rajada me torno um pássaro
com seu minúsculo cérebro e velocidade radiante no céu
tudo em ti que se abre - no dia seguinte, é limite.
já faz tempo sei que só as pessoas do limite me interessam. a mim, que não sou uma delas,
está mais frio que um pé de brócolis e os almocei com tofu fumado, alho, batatinha
meus olhos sanguinários nada mais sabem do que querer saúde
purificação. mas quando você fica assim a única coisa que quero é ficar longe.
longe tão longe tão longe
que todo limite te baste e afogado, queiras tudo.
na próxima semana vou conhecer berlim.
ontem mudou minha relação com mapas
como se eu tornasse do pássaro a relação relâmpago entre os neurônios
e os símbolos tornassem leituras já, antes dos símbolos serem lidos
o mapa ser a rua ser as mãos o mapa ser teu caminho.
no entanto, acordo fragmentada como quem não tem os papéis certos.
ainda.
não sei como vai ser amanhã, se vou conseguir olhar na cara com tranquilidade.
às vezes, talvez não aparente, mas a única coisa que sou é um motorzinho
um motorzinho de rancor.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


f.

1, de manhã cedo, estou no metro da alameda, atravessando da linha vermelha para a verde, voltando do veterinário, carregando a tétis na casinha que é grande demais pra ela, e fica como um pêndulo derrubado pro lado que ela estiver. a banca de jornais que também vende bichos de pelúcia (e bilhetes de loteria, e algumas coisas de papelaria, há duzentas mil assim pela cidade) tem um mostruário de jornais mais à mostra do que outros. leio uma manchete: "aumenta número de bebés abandonados".

2, de tarde, estou no departamento de finanças da graça, com o gustavo. depois de 50 minutos nos atendem. preciso de um número de contribuinte (um cpf local). é claro que tudo que o sistema quer sou eu, alguém pra pagar impostos, foi a burocracia mais fácil de resolver, foi a primeira vez que fui atendida por um funcionário local de qualquer sistema e que não me faltava nenhum documento, nem nada estava errado. então a funcionária digitou minha nacionalidade errada "portuguesa" e logo corrigiu e escreveu "brasileira". eu brinco com ela: "olha que assim eu me aproveito, hein?" e ela responde: "minha filha, ninguém quer ser português.".

3, . 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

olhos que em terra firme pousaram

segunda-feira. meio de novembro. as cápsulas chinesas harmonizaram a minha temperatura o suficiente para que meu corpo inteiro não esteja doendo o tempo inteiro nessa entrada do frio pelos poros e músculos, também chamada outono. 
2012.
consegui me acalmar em relação as burocracias de renovação dos papéis e me parece que estarei confiante pelo resto da estação. isto tem a ver, sobretudo, com estar conseguindo me sentir em dia com tudo. hoje foi a primeira vez em muitos meses que não tenho nenhum email não lido na caixa de entrada.
não lido means não respondido, no meu vocabulário de convívio.
na quinta-feira passada escrevi um poema do destino do mar. não sei, mas também fazia muitos meses (seis, talvez?) que não escrevia e terminava um poema para o livro. não que eu não estivesse conseguindo escrever, eu não estava é me sentindo identificada com o que escrevia. mesmo as coisas deste blogue. por mais que eu me entregue aos fluxos, não acredito sempre estar entregue a eles, ou estar neles. 
isto estava me fazendo sofrer. não escrever. então escrevi um poema. 
depois chorei duas horas por conta da burocracia dos papéis de renovação do meu visto e toda essa fartura que é ser estrangeira num país em que todas as pessoas estão, umas mais outras menos, infelizes.   é claro que, como disse o daniel, chorar era um ponto furo. 
mas eu choro quando as coisas morrem e eu me sinto feliz. ou eu choro até chegar nesse lugar em que as coisas morrem e eu me sinto feliz. 
então dormi, a cabeça estourando. acordei com as vias respiratórias estourando de secas pelas lágrimas da noite anterior. e ao me sentar para ler o poema, percebi que ele era o último. o último poema do livro, o vinte e seis, que havia tempo já que eu pensava nele. era meu movimento sempre futuro: o último poema, que vai fechar o livro, eu pensava nele como uma cortina que fecha a fábula, assim como o "farewell" foi no cde. 
o XXVI não. afinal, o pdddm não tem a fábula como espectro feito o cde tinha. nele se fala de dúvidas. algo que se quebrou e, no entanto, por haver se quebrado, está mais forte. o XXVI é calmo e leve, só trabalhando com a força que restou. nem heróico, nem infantil. mas estival, aberto.
dito que o XXVI chegou, concluí que todo o resto devia acabar. e o objeto me dizendo livro, claramente, adeus. ainda temos algumas despedidas, mas março, quem sabe, além da primavera, trará "alforria blues ou poemas do destino do mar", impresso, publicado, outro, seu.


domingo, 18 de novembro de 2012

tu eras feito de calor


do "acabou produto", em 14 de junho de 2010:

este livro mudou tudo pra mim, um mês atrás. "Vertumno" do Iosif Brodskii, em tradução de Carlos Leite. o livro é dedicado "Em memória de Giovanni Buttafava" e datado Milão, dezembro de 1990. três poemas, entre os vinte e seis (maluco: eu querendo fazer 26 no "poemas do destino do mar", encontro esse livro, com XVI e tão a cara do que eu teria querido fazer se já não visse feito)

I

Encontrei-te pela primeira vez em latitudes que dirias
estranhas. Nunca os teus pés as pisaram. A tua fama, porém, chegara
a essas partes onde se fazem faianças com formas de frutas.
Com neve pelo joelho, dominavas o lugar, muito branco,
e além disso nu, na companhia de outros unipernetas
- as árvores, igualmente nuas- na tua qualidade de especialista
das baixas temperaturas. "Divindade Romana"
proclamava uma placa já delida,
e para mim eras deus, pois que sabias
mais do passado do que eu (o futuro
nesse tempo pouco me importava).
No entanto, de caracóis e cara larga,
podias muito bem ser meu coetâneo. E embora não percebesses
patavina do falar local, pusemo-nos à conversa.
Quem começou fui eu. Com qualquer coisa sobre a Pomona,
os meandros dos nossos rios, os caprichos do tempo, dinheiro,
a falta de legumes frescos, o desconchavo das estações
- coisas, pensava, que deviam ser-te acessíveis,
senão na essência, pelo menos no seu tom
de lamento. Pouco a pouco - o lamento é a língua-mãe
universal; muito provavelmente, no princípio,
era o "ui" ou o "ai" - começaste a reagir:
picaste os olhos, franziste a testa; a parte inferior do rosto
pareceu derreter-se e os teus lábios descerraram-se lentamente:
"Vertumno", disseste enfim. "Chamo-me Vertumno".


II

Era um dia de Inverno, cinzento, ou melhor, sem cor.
Os teus membros, os ombros, o torso, à medida
que passávamos dum assunto a outro,
tornavam-se lentamente rosados e revestiam-se de tecido:
chapéu, camisa, calças, casaco, sobretudo
verde escuro, sapatos Balenciaga.
O calor propagou-se ao ar ambiente e tu detinhas-te por momentos,
à escuta do suave rumorejar do parque,
voltando por vezes no chão uma folha pegajosa
à procura da palavra, da expressão, exactas.
Em todo caso, se não me engano,
quando eu - então excessivamente animado-
perorava sobre história, guerras, más colheitas,
os escândalos do governo, já o lírio se fanava.
E estavas sentado num banco. Visto de longe parecias
um cidadão como os outros, atormentado pelo Estado;
a tua temperatura era trinta e seis vírgula seis.
"Anda", disseste, pegando-me no braço.
"Anda daí. Vou mostrar-te o sítio onde nasci e cresci."


X

Nunca ninguém soube como passavas as noites.
Mas isso não é assim tão estranho, para quem conheça
as tuas origens. Uma vez, depois da meia-noite, no centro do universo,
fui dar contigo na companhia dumas estrelas declinantes
e tu piscaste-me o olho. Pedias-me discrição? Mas o cosmos
é tudo menos discreto. Pelo contrário. No cosmos pode-se ver
tudo à vista desarmada, e as coisas dormem sem lençóis.
A incandescência de qualquer estrela é de tal ordem
que ao arrefecer pode engendrar o alfabeto,
as plantas, a forma do tempo; e a nós, simplesmente,
com o nosso passado, presente, futuro,
e tudo o resto, mas sobretudo o futuro. Nós não passamos
de termómetros, irmãos e irmãs do gelo,
não da Betelgeuse. Tu eras feito de calor,
daí a tua omnipresença. É difícil imaginar-te
num ponto preciso, por mais brilhante que seja.
Daí a tua invisibilidade. Os deuses não deixam mancha
num lençol, sem falar da progenitura,
contentam-se com uma verosimilhança artesanal
num nicho de pedra, ao fundo duma álea do jardim,
demasiados felizes com a minoria que são.

sábado, 17 de novembro de 2012

VII

E eu assentei praça num mundo onde o teu gesto e a tua palavra
eram imperativos. O mimetismo, a imitação
passavam por lealdade. Tornei-me mestre na arte
de me confundir com a paisagem, com os móveis ou as cortinas
(com o tempo, invadiu o meu guarda-roupa).
A boca deixa escapar, no decurso de uma conversa,
a primeira pessoa do plural
e nos dedos despertou a sensibilidade do espinho da sebe.
Deixei também de olhar por cima do ombro. Se ouço passos
atrás de mim, já não me sobressalto. Dantes sentia um calafrio
nas omoplatas, mas hoje sei que nas minhas costas
se estende a rua ajoujada de colunatas,
e também que onde acaba brilham as ondas turquesa
do Adriático. As ondas e as colunatas são, claramente,
um presente teu, Vertumno. Trocos, se quiseres, umas moedas
de prata com que, de vez em quando, a generosa eternidade
inunda o efémero. Em parte por superstição,
em parte, talvez, porque só ele,
o efémero, é capaz de sentir, de ser feliz.



de "Vertumno" in: Paisagem com inundação.
Iosif Brodskii em tradução de Carlos Leite.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

do alto de uma torre
que em cima não tinha parapeito, vidro, nada que escorasse
lá embaixo o mar azul gigantesco
na frente o céu
do alto passavam aviões
e neles estava agarrada uma corda
a outra ponta da corda tinha uma prancha de surf
em cima do mar, como a elas convém
alguém saltava e surfava
na prancha guinchada pelo avião.
na torre estávamos eu e meu irmão.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

acordo antes do despertador
antes até das 8h30
os nove graus ditam o ritmo
casacos antes dos remédios nos olhos
da gata que ronrona toda doce
mesmo que o colírio arda
banho mais quente que o quente dos banhos
tudo entrecortado por espirros
a roupa por cima do meio úmido
vestir-se ainda no cômodo em que se banha
(as variantes entre as nossas línguas por vezes me obrigam a falar como se esquecida das palavras certas)
o café fica sendo o primeiro movimento para fora
sem ele não enfrento a saída do estado de tapete enrolado
nem ir ao consulado pegar meu passaporte
na faculdade pagar a faculdade
isso que esta noite sonhei com o júri da minha dissertação
(sim, aqui é assim que se chama)
ele acontecia numa rotatória
na rotatória da pracinha da igrejinha da granja
lugar onde tantas vezes esperei
teve uma que prendi o dedo na porta do gol vermelho
minha mãe não viu e saiu acelerando
essa noite estávamos lá
eu a. e s.
o primeiro anotava frases na lousa do que eu tinha feito
eu olhava aquelas frases e dizia pra mim mesma
"meu deus, nunca pensei que fosse ter que explicar meus versos assim, sendo que esses, eu que fiz!, e não entendo"
mas ele parecia contente com o lirismo
mais contente do que eu?
enquanto isso s. sentada como se estivéssemos tomando chá com a alice
alice e toda a turma
mui distinta, me dizia algo que a sensação era como
"ler teu trabalho é como tomar chá com alice"
sendo que alice também podia ser uma senhora mui distinta
nobre talvez até
guardando biscoitos para os netos mais novos.
a vida tem seus mimos.
o mínimo é a vida.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

sábado, 10 de novembro de 2012

last night i said to my soul, be still and warm

nem ana cristina cesar
nem bob dylan
eu sou o príncipe hamlet.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012



cena do apocalipse
c. 1100, frança.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

os ingleses

voltei a sonhar, faz duas noites que sonho. essa noite sonhei com a peça de teatro que estou tentando escrever. espécie de prova de que a fertilidade não me abandonou. e também de que a ofuscação significa só o que significa, a necessidade de aceitar e desanuviar. desanuviar emblemas, desanuviar. fazer das nuvens, nuvens. só. mas derrubar a barreira, não aceitar que o disforme se torne a forma do que eu acredito. porque não. 
dizia Eliot que entre os românticos e os clássicos, ele era pelos clássicos, e devemos lembrar que tal embate é uma invenção romântica. 
estou numa questão dessas com a forma da escrita. os signos de ar e fogo talvez lidem melhor com o imprevisto e os de água desejem o disforme. mas, não se enganem, o meu delírio é muito calculado. quem pensa que o que escrevo é surreal está sendo lido no que lhe falta: imaginação. isso sim, tenho demais e excessiva tendo à imaginação, desde criança. sempre pude passar horas imaginando sem tomar um ato que fosse para corporificar aquelas histórias. depois o sofrimento apareceu, e a corporificação nasceu, penso, da necessidade de não ser das trevas. porque tudo que a imaginação é fértil e iluminada, ela é da escuridão. só na quente escuridão as coisas são gestadas, e as pálpebras de um recém nascido que se abrem, provam a luz como um fruto. depois o fruto nos esbanja, escorre seu líquido pela face de cada um, e há quem faça do fruto o seu veneno. 
eu, por exemplo, que sempre quero entender, até o ponto da tristeza de entender que não é possível entender. hamlet, por exemplo, sofreu tanto, tanto. e um gato atravessa o telhado da casa ali em frente. quisera ter no pensamento as espumas que os gatos têm nas patas. quisera ter o pensamento de um gato. mas, atualmente, com nada me identifico mais do que com a tormenta das personagens que se atormentam por entender.   
o pensamento como uma bolacha cracker, de água e sal, somos feitos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

HAMLET
Eu tinha no coração, senhor, uma espécie de debate
Que não me deixava dormir. Cria-me pior deitado
Que amotinados enleados por grilhetas. Num ímpeto-
E abençoada seja tal impetuosidade: pois saibamos
Que a nossa indiscrição por vezes assaz nos serve
Se planos profundos se dissipam; e isto ensina-nos
Que há uma divindade que nos modela os fins,
Talhemo-los nós como quisermos -


(trad. de António Feijó)
novembro chegou. e com ele veio também a minha impaciência à tona. impaciência de milênios, de horas não aproveitadas. impaciência de dar cabo ao que é da esperança. fértil, infértil, a vida é tão ritmada. continuo pondo à prova certas coisas: minha expectativa de que as coisas melhorem, meus pulmões na ebriedade do que arde. é tantas vezes a lucidez que me guia dentro da tormenta, que me acostumei a enfiar os dedos na água e agitá-la até causar o vigor de uma tempestade. dou a água para você beber, a água grita dentro de você. a água me espanca quando entro embaixo do chuveiro e vou dizer: eu gosto. é melhor sentir qualquer coisa entorno do corpo, do que não ter um corpo. meus versos viajaram em mais goelas do que o mick jagger. estou é cansada dessa morbidez sem estrutura. não aceito o delírio como prova de nada, é só a lucidez que me interessa no delírio. só a aprendizagem do delírio. então, se fumo, é para resistir. e depois de um mês, um dia sem, me faz perceber os sons da rua e do metrô. ontem os trilhos zumbiam e eu olhei pra eles como quem procura um rato. hoje duas meninas passaram de bicicleta e o suave trino dos aros me disseram que é outono, a ponta do nariz gelado. a gatinha tem cheiro de ser vivo, eu acordo às 8h30 todos os dias pra aplicar antibiótico em seus olhos. e, quando posso, volto a dormir. "eu tinha no coração, senhor, uma espécie de debate". no entanto, a única coisa que posso te dar, por enquanto, é a minha ausência. depois disso, depois disso, depois disso eu não sei. JÁ DISSE.  
 

Free Blog Counter