domingo, 30 de dezembro de 2012

ano 13

e o destino guiando a carroça de tudo pela estrada de nada
palavra que não é minha

amarás um homem cujo nome começa com o alfabeto
depois virá outro homem também com dentes
caminhando com calcanhares de engenhosos tendões
e quando mastiga batata palha faz crec-crec

muito depois foi me dada uma constelação
ela tinha o teu nome. o teu nome escrito entre as pedras
a rodar e a rodar e a rodar

e eu a dormir e a engordar
é inverno, pá

de cal nos cílios pra estancar
lá no sertão quem tem tanta água é rio longínquo

então escrever voltou a escrever
aquela escavação.

vou contar para vocês que eu tenho considerado que o herberto helder tem uma obra excessivamente irregular. VOU CONTAR QUE EU FALEI COM DEUS.

ele era um grilo que eu tirei do bolso e depois comi. 

amo vocês.

domingo, 23 de dezembro de 2012

semente

o inverno chegou. dá pra sentir no peso dos pés na terra.
a cidade tão úmida que os pinheiros parecem aspargos.
mastigo entre os cordeiros, e os espinhos das silvas
me cobrem de riscos na pele.
soube que as noites começam a ficar mais curtas
onde ela habita. ela é uma coruja,
tem pescoço para todos os lados. a giratória
abre as asas, separa o escuro
com olhos de manhã, tem sede.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

sábado


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

hoje


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

muito se usa a imagem da encruzilhada, ou da forquilha como aquele lugar que abre a possibilidade, ou o encontro a disrupção, mudança, travessia mas considerando que diariamente tudo é desvio muitas vezes sei que estou passando pelo arame farpado o delicado respiro do atalho

sábado, 1 de dezembro de 2012

o peito cheio de estrelas

com a lua ainda alta saio pela cidade mágica onde o inverno chega antes do que eu chego na estação GREVE dos comboios o caixa eletrônico sem notas vou até outro e volto com dinheiro suficiente sento com intenção no banco de granito será que consigo não esfriar os fundilhos? sento em cima do guarda-chuva o dia amanhecendo pelo leste em frente uma placa VENDE as casas ao lado desabando a ruína de cada dia passam dois autocarros FORA DE SERVIÇO tiro do bolso a maçã que roubei fresca como toda primeira refeição do homem até que aparece um taxi e me leva até amadora. conversamos quinze quilômetros e ele era um otimista.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

elenco sem determinação daqueles que desistiram

Entre aqueles que não desistiram está,          na frente de todos, Arthur. Seu raio ultrapassa sua morada. Parasse eu agora seria uma desistência, depois de provar morangos, não querer conhecer as amêndoas nem as amoras. Como um par de mãos ofertado, porém de punhos ausentes, mutilados. Arthur não tinha medo de punhos mutilados, por isso não desistiu, foi para África. Se de agora em diante recuasse do ruído e conseguisse abdicar do foco que encanta, se eu perdesse os olhos e a capacidade de olhar o fogo, mesmo que eu me apaixonasse por outra coisa, eu estaria desistindo. Arthur, não. Arthur nunca desistiu.





Ana atravessando o deserto pensou
                                            que pudesse bebê-lo.  

terça-feira, 27 de novembro de 2012

de um peixe

na verdade esta noite dormi muito. e ainda estou lá, como se nada houvesse começado. lenta, com espirros. a gata também tossiu, mas enquanto eu dormia lambeu meus cabelos - estavam sujos - até dividir o caminho e encontrar meu couro cabeludo. acordei com a língua áspera no crânio. 
como é possível que existam dias que a única coisa que me interessa é exterminar minha maior capacidade? a sensibilidade. não se trata exatamente de um extermínio, mas de uma exacerbação que anestesia, faz-se fumo. onde tudo toca, até só a vida formigar e o coração sem centro dominar a tudo.

vrummm

quando acontece o teu foguetório como uma rajada me torno um pássaro
com seu minúsculo cérebro e velocidade radiante no céu
tudo em ti que se abre - no dia seguinte, é limite.
já faz tempo sei que só as pessoas do limite me interessam. a mim, que não sou uma delas,
está mais frio que um pé de brócolis e os almocei com tofu fumado, alho, batatinha
meus olhos sanguinários nada mais sabem do que querer saúde
purificação. mas quando você fica assim a única coisa que quero é ficar longe.
longe tão longe tão longe
que todo limite te baste e afogado, queiras tudo.
na próxima semana vou conhecer berlim.
ontem mudou minha relação com mapas
como se eu tornasse do pássaro a relação relâmpago entre os neurônios
e os símbolos tornassem leituras já, antes dos símbolos serem lidos
o mapa ser a rua ser as mãos o mapa ser teu caminho.
no entanto, acordo fragmentada como quem não tem os papéis certos.
ainda.
não sei como vai ser amanhã, se vou conseguir olhar na cara com tranquilidade.
às vezes, talvez não aparente, mas a única coisa que sou é um motorzinho
um motorzinho de rancor.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


f.

1, de manhã cedo, estou no metro da alameda, atravessando da linha vermelha para a verde, voltando do veterinário, carregando a tétis na casinha que é grande demais pra ela, e fica como um pêndulo derrubado pro lado que ela estiver. a banca de jornais que também vende bichos de pelúcia (e bilhetes de loteria, e algumas coisas de papelaria, há duzentas mil assim pela cidade) tem um mostruário de jornais mais à mostra do que outros. leio uma manchete: "aumenta número de bebés abandonados".

2, de tarde, estou no departamento de finanças da graça, com o gustavo. depois de 50 minutos nos atendem. preciso de um número de contribuinte (um cpf local). é claro que tudo que o sistema quer sou eu, alguém pra pagar impostos, foi a burocracia mais fácil de resolver, foi a primeira vez que fui atendida por um funcionário local de qualquer sistema e que não me faltava nenhum documento, nem nada estava errado. então a funcionária digitou minha nacionalidade errada "portuguesa" e logo corrigiu e escreveu "brasileira". eu brinco com ela: "olha que assim eu me aproveito, hein?" e ela responde: "minha filha, ninguém quer ser português.".

3, . 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

olhos que em terra firme pousaram

segunda-feira. meio de novembro. as cápsulas chinesas harmonizaram a minha temperatura o suficiente para que meu corpo inteiro não esteja doendo o tempo inteiro nessa entrada do frio pelos poros e músculos, também chamada outono. 
2012.
consegui me acalmar em relação as burocracias de renovação dos papéis e me parece que estarei confiante pelo resto da estação. isto tem a ver, sobretudo, com estar conseguindo me sentir em dia com tudo. hoje foi a primeira vez em muitos meses que não tenho nenhum email não lido na caixa de entrada.
não lido means não respondido, no meu vocabulário de convívio.
na quinta-feira passada escrevi um poema do destino do mar. não sei, mas também fazia muitos meses (seis, talvez?) que não escrevia e terminava um poema para o livro. não que eu não estivesse conseguindo escrever, eu não estava é me sentindo identificada com o que escrevia. mesmo as coisas deste blogue. por mais que eu me entregue aos fluxos, não acredito sempre estar entregue a eles, ou estar neles. 
isto estava me fazendo sofrer. não escrever. então escrevi um poema. 
depois chorei duas horas por conta da burocracia dos papéis de renovação do meu visto e toda essa fartura que é ser estrangeira num país em que todas as pessoas estão, umas mais outras menos, infelizes.   é claro que, como disse o daniel, chorar era um ponto furo. 
mas eu choro quando as coisas morrem e eu me sinto feliz. ou eu choro até chegar nesse lugar em que as coisas morrem e eu me sinto feliz. 
então dormi, a cabeça estourando. acordei com as vias respiratórias estourando de secas pelas lágrimas da noite anterior. e ao me sentar para ler o poema, percebi que ele era o último. o último poema do livro, o vinte e seis, que havia tempo já que eu pensava nele. era meu movimento sempre futuro: o último poema, que vai fechar o livro, eu pensava nele como uma cortina que fecha a fábula, assim como o "farewell" foi no cde. 
o XXVI não. afinal, o pdddm não tem a fábula como espectro feito o cde tinha. nele se fala de dúvidas. algo que se quebrou e, no entanto, por haver se quebrado, está mais forte. o XXVI é calmo e leve, só trabalhando com a força que restou. nem heróico, nem infantil. mas estival, aberto.
dito que o XXVI chegou, concluí que todo o resto devia acabar. e o objeto me dizendo livro, claramente, adeus. ainda temos algumas despedidas, mas março, quem sabe, além da primavera, trará "alforria blues ou poemas do destino do mar", impresso, publicado, outro, seu.


domingo, 18 de novembro de 2012

tu eras feito de calor


do "acabou produto", em 14 de junho de 2010:

este livro mudou tudo pra mim, um mês atrás. "Vertumno" do Iosif Brodskii, em tradução de Carlos Leite. o livro é dedicado "Em memória de Giovanni Buttafava" e datado Milão, dezembro de 1990. três poemas, entre os vinte e seis (maluco: eu querendo fazer 26 no "poemas do destino do mar", encontro esse livro, com XVI e tão a cara do que eu teria querido fazer se já não visse feito)

I

Encontrei-te pela primeira vez em latitudes que dirias
estranhas. Nunca os teus pés as pisaram. A tua fama, porém, chegara
a essas partes onde se fazem faianças com formas de frutas.
Com neve pelo joelho, dominavas o lugar, muito branco,
e além disso nu, na companhia de outros unipernetas
- as árvores, igualmente nuas- na tua qualidade de especialista
das baixas temperaturas. "Divindade Romana"
proclamava uma placa já delida,
e para mim eras deus, pois que sabias
mais do passado do que eu (o futuro
nesse tempo pouco me importava).
No entanto, de caracóis e cara larga,
podias muito bem ser meu coetâneo. E embora não percebesses
patavina do falar local, pusemo-nos à conversa.
Quem começou fui eu. Com qualquer coisa sobre a Pomona,
os meandros dos nossos rios, os caprichos do tempo, dinheiro,
a falta de legumes frescos, o desconchavo das estações
- coisas, pensava, que deviam ser-te acessíveis,
senão na essência, pelo menos no seu tom
de lamento. Pouco a pouco - o lamento é a língua-mãe
universal; muito provavelmente, no princípio,
era o "ui" ou o "ai" - começaste a reagir:
picaste os olhos, franziste a testa; a parte inferior do rosto
pareceu derreter-se e os teus lábios descerraram-se lentamente:
"Vertumno", disseste enfim. "Chamo-me Vertumno".


II

Era um dia de Inverno, cinzento, ou melhor, sem cor.
Os teus membros, os ombros, o torso, à medida
que passávamos dum assunto a outro,
tornavam-se lentamente rosados e revestiam-se de tecido:
chapéu, camisa, calças, casaco, sobretudo
verde escuro, sapatos Balenciaga.
O calor propagou-se ao ar ambiente e tu detinhas-te por momentos,
à escuta do suave rumorejar do parque,
voltando por vezes no chão uma folha pegajosa
à procura da palavra, da expressão, exactas.
Em todo caso, se não me engano,
quando eu - então excessivamente animado-
perorava sobre história, guerras, más colheitas,
os escândalos do governo, já o lírio se fanava.
E estavas sentado num banco. Visto de longe parecias
um cidadão como os outros, atormentado pelo Estado;
a tua temperatura era trinta e seis vírgula seis.
"Anda", disseste, pegando-me no braço.
"Anda daí. Vou mostrar-te o sítio onde nasci e cresci."


X

Nunca ninguém soube como passavas as noites.
Mas isso não é assim tão estranho, para quem conheça
as tuas origens. Uma vez, depois da meia-noite, no centro do universo,
fui dar contigo na companhia dumas estrelas declinantes
e tu piscaste-me o olho. Pedias-me discrição? Mas o cosmos
é tudo menos discreto. Pelo contrário. No cosmos pode-se ver
tudo à vista desarmada, e as coisas dormem sem lençóis.
A incandescência de qualquer estrela é de tal ordem
que ao arrefecer pode engendrar o alfabeto,
as plantas, a forma do tempo; e a nós, simplesmente,
com o nosso passado, presente, futuro,
e tudo o resto, mas sobretudo o futuro. Nós não passamos
de termómetros, irmãos e irmãs do gelo,
não da Betelgeuse. Tu eras feito de calor,
daí a tua omnipresença. É difícil imaginar-te
num ponto preciso, por mais brilhante que seja.
Daí a tua invisibilidade. Os deuses não deixam mancha
num lençol, sem falar da progenitura,
contentam-se com uma verosimilhança artesanal
num nicho de pedra, ao fundo duma álea do jardim,
demasiados felizes com a minoria que são.

sábado, 17 de novembro de 2012

VII

E eu assentei praça num mundo onde o teu gesto e a tua palavra
eram imperativos. O mimetismo, a imitação
passavam por lealdade. Tornei-me mestre na arte
de me confundir com a paisagem, com os móveis ou as cortinas
(com o tempo, invadiu o meu guarda-roupa).
A boca deixa escapar, no decurso de uma conversa,
a primeira pessoa do plural
e nos dedos despertou a sensibilidade do espinho da sebe.
Deixei também de olhar por cima do ombro. Se ouço passos
atrás de mim, já não me sobressalto. Dantes sentia um calafrio
nas omoplatas, mas hoje sei que nas minhas costas
se estende a rua ajoujada de colunatas,
e também que onde acaba brilham as ondas turquesa
do Adriático. As ondas e as colunatas são, claramente,
um presente teu, Vertumno. Trocos, se quiseres, umas moedas
de prata com que, de vez em quando, a generosa eternidade
inunda o efémero. Em parte por superstição,
em parte, talvez, porque só ele,
o efémero, é capaz de sentir, de ser feliz.



de "Vertumno" in: Paisagem com inundação.
Iosif Brodskii em tradução de Carlos Leite.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

do alto de uma torre
que em cima não tinha parapeito, vidro, nada que escorasse
lá embaixo o mar azul gigantesco
na frente o céu
do alto passavam aviões
e neles estava agarrada uma corda
a outra ponta da corda tinha uma prancha de surf
em cima do mar, como a elas convém
alguém saltava e surfava
na prancha guinchada pelo avião.
na torre estávamos eu e meu irmão.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

acordo antes do despertador
antes até das 8h30
os nove graus ditam o ritmo
casacos antes dos remédios nos olhos
da gata que ronrona toda doce
mesmo que o colírio arda
banho mais quente que o quente dos banhos
tudo entrecortado por espirros
a roupa por cima do meio úmido
vestir-se ainda no cômodo em que se banha
(as variantes entre as nossas línguas por vezes me obrigam a falar como se esquecida das palavras certas)
o café fica sendo o primeiro movimento para fora
sem ele não enfrento a saída do estado de tapete enrolado
nem ir ao consulado pegar meu passaporte
na faculdade pagar a faculdade
isso que esta noite sonhei com o júri da minha dissertação
(sim, aqui é assim que se chama)
ele acontecia numa rotatória
na rotatória da pracinha da igrejinha da granja
lugar onde tantas vezes esperei
teve uma que prendi o dedo na porta do gol vermelho
minha mãe não viu e saiu acelerando
essa noite estávamos lá
eu a. e s.
o primeiro anotava frases na lousa do que eu tinha feito
eu olhava aquelas frases e dizia pra mim mesma
"meu deus, nunca pensei que fosse ter que explicar meus versos assim, sendo que esses, eu que fiz!, e não entendo"
mas ele parecia contente com o lirismo
mais contente do que eu?
enquanto isso s. sentada como se estivéssemos tomando chá com a alice
alice e toda a turma
mui distinta, me dizia algo que a sensação era como
"ler teu trabalho é como tomar chá com alice"
sendo que alice também podia ser uma senhora mui distinta
nobre talvez até
guardando biscoitos para os netos mais novos.
a vida tem seus mimos.
o mínimo é a vida.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

sábado, 10 de novembro de 2012

last night i said to my soul, be still and warm

nem ana cristina cesar
nem bob dylan
eu sou o príncipe hamlet.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012



cena do apocalipse
c. 1100, frança.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

os ingleses

voltei a sonhar, faz duas noites que sonho. essa noite sonhei com a peça de teatro que estou tentando escrever. espécie de prova de que a fertilidade não me abandonou. e também de que a ofuscação significa só o que significa, a necessidade de aceitar e desanuviar. desanuviar emblemas, desanuviar. fazer das nuvens, nuvens. só. mas derrubar a barreira, não aceitar que o disforme se torne a forma do que eu acredito. porque não. 
dizia Eliot que entre os românticos e os clássicos, ele era pelos clássicos, e devemos lembrar que tal embate é uma invenção romântica. 
estou numa questão dessas com a forma da escrita. os signos de ar e fogo talvez lidem melhor com o imprevisto e os de água desejem o disforme. mas, não se enganem, o meu delírio é muito calculado. quem pensa que o que escrevo é surreal está sendo lido no que lhe falta: imaginação. isso sim, tenho demais e excessiva tendo à imaginação, desde criança. sempre pude passar horas imaginando sem tomar um ato que fosse para corporificar aquelas histórias. depois o sofrimento apareceu, e a corporificação nasceu, penso, da necessidade de não ser das trevas. porque tudo que a imaginação é fértil e iluminada, ela é da escuridão. só na quente escuridão as coisas são gestadas, e as pálpebras de um recém nascido que se abrem, provam a luz como um fruto. depois o fruto nos esbanja, escorre seu líquido pela face de cada um, e há quem faça do fruto o seu veneno. 
eu, por exemplo, que sempre quero entender, até o ponto da tristeza de entender que não é possível entender. hamlet, por exemplo, sofreu tanto, tanto. e um gato atravessa o telhado da casa ali em frente. quisera ter no pensamento as espumas que os gatos têm nas patas. quisera ter o pensamento de um gato. mas, atualmente, com nada me identifico mais do que com a tormenta das personagens que se atormentam por entender.   
o pensamento como uma bolacha cracker, de água e sal, somos feitos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

HAMLET
Eu tinha no coração, senhor, uma espécie de debate
Que não me deixava dormir. Cria-me pior deitado
Que amotinados enleados por grilhetas. Num ímpeto-
E abençoada seja tal impetuosidade: pois saibamos
Que a nossa indiscrição por vezes assaz nos serve
Se planos profundos se dissipam; e isto ensina-nos
Que há uma divindade que nos modela os fins,
Talhemo-los nós como quisermos -


(trad. de António Feijó)
novembro chegou. e com ele veio também a minha impaciência à tona. impaciência de milênios, de horas não aproveitadas. impaciência de dar cabo ao que é da esperança. fértil, infértil, a vida é tão ritmada. continuo pondo à prova certas coisas: minha expectativa de que as coisas melhorem, meus pulmões na ebriedade do que arde. é tantas vezes a lucidez que me guia dentro da tormenta, que me acostumei a enfiar os dedos na água e agitá-la até causar o vigor de uma tempestade. dou a água para você beber, a água grita dentro de você. a água me espanca quando entro embaixo do chuveiro e vou dizer: eu gosto. é melhor sentir qualquer coisa entorno do corpo, do que não ter um corpo. meus versos viajaram em mais goelas do que o mick jagger. estou é cansada dessa morbidez sem estrutura. não aceito o delírio como prova de nada, é só a lucidez que me interessa no delírio. só a aprendizagem do delírio. então, se fumo, é para resistir. e depois de um mês, um dia sem, me faz perceber os sons da rua e do metrô. ontem os trilhos zumbiam e eu olhei pra eles como quem procura um rato. hoje duas meninas passaram de bicicleta e o suave trino dos aros me disseram que é outono, a ponta do nariz gelado. a gatinha tem cheiro de ser vivo, eu acordo às 8h30 todos os dias pra aplicar antibiótico em seus olhos. e, quando posso, volto a dormir. "eu tinha no coração, senhor, uma espécie de debate". no entanto, a única coisa que posso te dar, por enquanto, é a minha ausência. depois disso, depois disso, depois disso eu não sei. JÁ DISSE.  

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

raça


RAÇA

lá vem a força, lá vem a magia
que me incendeia o corpo de alegria
lá vem a santa maldita euforia
que me alucina, me joga e me rodopia

lá vem o canto, o berro de fera
lá vem a voz de qualquer primavera
lá vem a unha rasgando a garganta
a fome, a fúria, o sangue que já se levanta

de onde vem essa coisa tão minha
que me aquece e me faz carinho?
de onde vem essa coisa tão crua
que me acorda e me põe no meio da rua?

é um lamento, um canto mais puro
que me ilumina a casa escura
é minha força, é nossa energia
que vem de longe prá nos fazer companhia

é Clementina cantando bonito
as aventuras do seu povo aflito
é Seu Francisco, boné e cachimbo
me ensinando que a luta é mesmo comigo

todas Marias, Maria Dominga
atraca Vilma e Tia Hercília
é Monsueto e é Grande Otelo
atraca, atraca que o Naná vem chegando

os escaravelhos das campinas mais baixas

NEGRO REAL

Só a noite deves deixar falar diante dos olhos:
só a folha que ouve onde ainda há vento;
só a voz na gaiola do pássaro.

Só elas, elas e nada mais.
Mas a ti mesmo dá um pontapé e diz: sê corajoso,
sê digno da pedra sobre ti,
não quebres a amizade com a barba dos mortos,
junta a flor ao verme,
iça a tua vela sobre caixões,
traz para bordo os escaravelhos das campinas mais baixas,
dá a notícia aos obscuros.

Dá-lhes a dupla notícia:
de ti e de ti,
de ambos os pratos da balança,
da escuridão que quer entrar,
da escuridão que deixa entrar.

Dá a notícia aos escaravelhos,
dá a notícia aos obscuros,
junta flor ao verme,
iça a tua vela sobre caixões,
deita o teu coração à cabeceira.



Paul Celan, em tradução de João Barrento, de "A morte é uma flor".

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

sat


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

também não sei se me quero polir, but

um gênero de texto que faz tempo que não escrevo é o da confissão empenhada. percebi que sou azul. like a river, a goddess que te deseja mais que a escrita. a deusa subiu pelo barco talhado em carvalho, respirou três lances de escada e disse: tento tanto compreender os caminhos, que algo que me ensina, algo que eu me provo estar errado, é capaz de transtornar tanto o meu caminho, a ponto de me reinventar todinha, como alguém que comesse uma caixa de bis e fosse amassando os papeiszinhos, até só terem os papéis amassados na caixinha de papelão. a capacidade de transformação já foi das coisas que mais admirei em mim, mas enquanto admirava, não conseguia perceber o quanto isso é realidade. agora que não admiro nada (não admiro praticamente nada em mim) posso perceber. e algo nisso (talvez a maturidade, sonho de uma trepadeira) teme a possibilidade reiterada de entender algo tão inteiramente, ficar tão convencida, ir de modo tão determinado em direção de uma certeza que ABRAM ALAS A PAREDE CRESCEU. é o que eu vi nos olhos do meu avô naquela fotografia em que me vi também: posso me fascinar de modo tão inteiro por alguma coisa, ao ponto de tropeçar por ver vôo onde há queda. por isso mesmo, escrevi uma vez: dar tudo à vida. e depois saí aos pulinhos.    

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

so may I introduce to you

quando entrei no jardim pensei: a europa, como sempre
só sabe agir em proveito (e destruição do que lhe é) próprio. no brasil há uma onde nacionalista legitimada pela euforia do capital e pelos ressentimentos constituídos nos últimos 200 anos.
no entanto, há pessoas que tiram fotos de neurônios, e outras de galáxias.
e ambas se parecem.

cíclico


todas as minhas identidades, as mais fundamentais,
andaram comigo na mochila pela tarde.

depois a professora, propondo-me avanços, me indicou a leitura do meu livro preferido.


domingo, 14 de outubro de 2012

e isso

ricardo e eu fizemos

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

conhecer os limites - mergulhar neles. ser a fronteira deles. noite dessas sonhei com uma fronteira com o mar. revolto, a fortaleza onde começava a terra, digo, a areia. a tétis apareceu por cima da minha barriga, fora do sonho, eu olhei de soslaio e dormi novamente. a gata cinza foi parar no meu antebraço, carregador da beira-mar, fortaleza de pedras velhas, veemência do oceano ao redor.

sábado, 6 de outubro de 2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

saturno!

a menina hilda também o saúda


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

"e a sede é tal que bebemos até ter água nas veias"
meu namorado fazia yoga, mais em idéia do que em movimento. mas a memória me interessa cada vez menos como o que aconteceu, cada vez mais como ecoa. me surpreende quando percebo que o desaparecido retorna. permaneço olhando pra fora, reconheço o que no presente me trouxe aquilo. porém meus sonhos têm sido esmagados, estou sempre numa viagem, vou nos perdidos & achados atrás do que não tenho mais em mãos, mas tantas coisas acontecem que quando acordo já não me lembro mais. e como uma agulha de assombro escuro uma imagem do sonho salta como se pedisse RESGATE RESGATE, mas o sonho fica lá, dentro de uma lamparina que se acende e o queima. tudo por si só. controlo muito mal esta máquina. 


depois um sonho em um avião. cheiro de avião, luz de avião, frio de avião, plástico de teto de avião. tem um lance com uma mala ou com meus documentos 

(sim, é tudo uma questão de perda e recuperação de identificação) um tecido vinho também, não sei se das poltronas ou da minha roupa. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

deito amarelo sobre o vinho

com o pensamento na maria
não tem jeito, não tem lugar que me sinta mais livre do que aqui. até a entrada de saturno em escorpião, estou de férias. numa grande vontade. grande vontade que não morre, só morre com a morte. meus gestos mais presos, isto quer dizer mais secos e certeiros. sou uma grande bondade de raiz. misturada com pêlo de nariz e jibóia. é isso que eu sou. jibóia jararaca mesmo naja levantando é o povo nesta crise. é como se nos dissessem "o circo não pode parar" só que em vez da palavra "circo" tivessem escrito a palavra "crise".
no entanto transatlântico e aquela euforia se fazendo espuma, espuma de raiva. de repente, no país onde tudo é possível, tudo de repente fica legitimado, deus contra todos, sr. rocha já dizia. a hilda veio falar comigo ontem à noite. ela me disse que tudo é precário. e cheio de banha, pra lambuzar as engrenagens. da mandíbula que é o músculo mais forte. não que eu ache que um sorriso custe muito, aliás, um sorriso ainda não custa nada, não é pra economizar sorriso, viu, menina.
então era madrugada e ela entraria pelos meus poros de terra. sou como um alho-poró: plantada e cheia de grânulos ao redor das minhas partes. uns dias atrás fui para o jardim, escrever o poema da espécie, e os cães ladravam em todos os quintais. considerei então a noite, fiquei sozinha com a imponderável. ontem, não. ontem vi os dois lados da madrugada: e, percebendo, escolhi que aquela noite ficaria linda e louca, mas sozinha na dela, que eu ia dormir. porque se não, madrugada que não te escolhe, te faz entristecer. talvez esse seja sempre o umbigo da madrugada, e quando a gente tem uma grande noite, que dançar ou gemer ou ler nos deixa tão felizes, é porque transitamos a noite, sem ela nos entristecer (muito).
mas o dia também, sempre volta, inabordável. a manhã te pede "pausa" e você com um sete de paus na mão, louco - louco pra blefar. cai na estrada, meu bem, vem comigo. ando toda nas polaridades e nos constrastes, algo disso há de se tornar desconhecido o bastante pra nomear-se como "seu caminho". 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

resumo


Ainda não foi desta vez.
Torna-se um prazer, então consigo.
De percalço em percalço a gente faz um salto.
Encontro no ar palavras melhores do que neste resumo.
Tomada de sobressalto:
A tradição despede-se mais uma vez.
A tradição literária precisava de um novo autor,
sou eu, vim suando muito, camelo sou.
Faça de mim seu oásis, nome de motel, estrela no céu.
Cada poeta forma uma constelação própria e se apropria
de si mesmo, dos outros, dos gatos, dos cornos, das águas
das águias, das algas, dos mofos, dos ácaros, das visitas.
Cuidado! Visitas, não deixem os óculos no sofá, que hein,
hein? Eles sentam em cima. Eles sempre chegam?
Não sei, mas tem que ser hoje. Os dias foram contados.
Os prazos estão de pé.
Trouxeste o arpão?
Você vem com os peixes, eu abro as guelras
enfio pérolas lá dentro, até explodir de tanto luxo.
Juro que eu não presto. Você também
precisa saber se inventar. Ou, adeus.
Ok, permaneço. Sou a tradição
se me destroem, vou parar em outra
outro lugar. Sou a gordura
entre os ossos que os homens roem.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

eu e meu fatal lado direito

uma história cavalar!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

das coisas que mais conheço: a gripe

desta vez a gripe entrou aos poucos, na percepção claríssima deste corpo, senti o céu da boca ardendo terça à noite, quarta o calor do céu tornou-se o frio do corpo, e o muco transformou-se em via aérea para saída do vírus-frio. ontem então tratado o frio do nariz migrou, senti o vírus entrando na carne e ficando denso, dolorido e vermelho, por dentro dos músculos. então tremi, tremi. o suor da noite, dez horas de sono, criou saídas e hoje um pouco de tosse, a garganta arranhada, não foi desta vez que o vírus partiu meu coração. quanto suor ainda há para desfazer. 

nome do homem

misturei o teu nome com o de um antigo amor que você detesta. você tinha o nome dele, que também é do herói da revolução, e nesta sobreposição de tempos e nomes, havia um sentido tão grande, de que era você que eu procurava, desde os idos que não voltam.

domingo, 16 de setembro de 2012

o ps do antes de ontem

é que meu tema é "tradição" e que o prazo termina ainda esse mês.

de antes de ontem

havia um gramado, relvado de futebol, daqueles montados sobre um descampado, cheio de pequenos relevos e tufos faltantes e pequenos arbustos misturados. acho que misturei um que vi em castro marim, com aquele da infância, atrás da escola de aplicação. eu cultivava o campo. ele era seco com cores amareladas, gastas pelo sol, e alguns novos tufos também. não discriminava o velho do novo, para tudo haveria espaço de crescer. mesmo as ervas daninhas, para elas dava a vez. depois de muito tempo com pás e baldes, rastelos e vassouras, mãos na terra, o campo era meu e de quem quisesse ver. então aparecia um par de sujeitos com uma máquina de cortar grama. o cara olhava e me dizia que tinha vindo cortar meu campo. eu ficava calma, mas indignada, tanto trabalho! e o convencia "pelo menos me deixe tirar o meu trabalho, isto é minha dissertação". e o gajo dizia "okey". fui para uma das extremidades perto de um gol, e como num decalque de adesivo, sutilmente puxei o meu trabalho. saiu como uma esteira de vime, mas muito longa, do tamanho do campo de futebol. e  a palha era transparente, escritos por cima em azul. longuíssima e enrolada, a esteira do meu trabalho era levíssima, e a levei por debaixo do braço.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Tétis


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

o imperioso trabalho de fugir

a poeta e sua velha luta com os hormônios trilhavam o caminho da espécie. alguns, outros, estavam mais interessados em constelações. mas em constelações enquanto figuras do acaso & a poeta gostava das constelações enquanto materiais para a construção de espelhos. pegou do rabo de um cometa um pedaço - com a mãos partiu - e fez um espelho. então viu o próprio nome no espelho. ele estava se apagando, como acontece toda vez que o desgaste permite*. considerando tudo entre aqueles dias muito pouco displicente, a poeta pegou suas coisas, guardou numa mala, guardou a mala embaixo da cama e dormiu. que maravilha!

* o desgaste é um rei que dorme de cuecas. na próxima vez talvez ele durma nu. por enquanto, ele as aprecia. 

sábado, 8 de setembro de 2012

setembro, o terrível

setembro, o terrível,
divisor de águas
chapa de metal
abrindo a comporta
desconhecido, desconhecido
com um par de esporas
abre a garganta
azul
a gaivota que tem língua
que me disse que tem
pausa, manhã. o mundo dos mortos é meu, o cansaço, o regresso ao mundo de dizer as coisas sem farol. eu trouxe
minhas mãos, manhã do mundo.
sou capaz de tanto, desconfio
que de tudo. comer moscas por acaso,
matar mariscos na frigideira,
tirar os casacos da gaveta
lavá-los antes que chegue o inverno.
três pacotes de kleenex
e a bahia em janeiro.
se tudo for
um cursor
para dizer
entre dizer
(carolina hoje faz trinta anos)
se tudo ajudar
o júri macio
o coração macio
os pelos da barriga
a bacia solta
meu amor.

bobeira é não viver a realidade

como vocês podem considerar natural recortar textos de outros e colar, na tua parte, em toda parte, aqui? ou a cara da minha gata (nossa gata) me olhando enquanto tomo banho. todos os gestos do teu dia-a-dia tomados por outro ser. não há mais solidão, quando você se apaixona. porque é ou estar junto, ou estar na ausência do outro. recorda o dia em que não era assim. que você podia escrever o dia inteiro, não que hoje você não possa, mas você escreve outras. a vida é tão estranha, gata, tão estranha.


escrever ouvindo o outro, dizendo o que ele disse, rebatendo. escrever como quem se escuta, afinal. e conhece o arranjo de flores que tece, uma a uma, em uma espécie de guardanapo. as marcas do papel que eu uso para limpar a boca se chama espécie. disse-me o poeta. eu também, não aprendi a amar.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

será o outono capaz do degelo sentimental?
começar sem ver, a repetição do fim,
ansiosa sempre de o perceber
capaz de pular o lago de patinação
roubar as rodinhas do perseguidor
da tua parte há também dois roliços
um erro de alcatrão, pelos dias estendido
o outro é mesmo espatifação, a minha
de cara no gelo, criando muro.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

tenho medo de dirigir

atravessávamos de carro um viaduto, quando perguntei pro meu pai "o que quer dizer metafísica?".
também foi em um carro que percebi que tinha aprendido a ler, num outdoor no fim da rodovia.
também foi em um carro que meu pai me ensinou a cantar "desafinado" e "baby".
tradição & família. eu sei que é assim.  

domingo, 2 de setembro de 2012

o caule da alegria

"Se falta vida à nossa cultura moderna, é porque é impossível imaginá-la sem esta contradição, ou seja, não é uma cultura autêntica, mas uma espécie de conhecimento do que é uma cultura."

"Esse famoso pequeno povo, de uma antiguidade bastante recente - refiro-me aos Gregos - conservava tenazmente, no período do auge da sua força, o seu espírito não-histórico. Se um homem de hoje pudesse, por virtude de qualquer sortilégio, regressar a essa época, exporia à irrisão pública o segredo ciosamente dissimulado da cultura moderna. É que nós não possuímos nada de próprio; tornamo-nos algo de considerável, quero dizer, enciclopédias ambulantes, quando nos enchemos das épocas, dos costumes, das artes, das filosofias, das religiões e dos conhecimentos dos outros, como diria talvez esse velho Heleno se por acaso tivesse sido transportado à nossa época. Mas o valor das enciclopédias está apenas no seu conteúdo e não no invólucro, na encadernação de coiro; é desta forma que a cultura moderna é essencialmente interior; no exterior, o encadernador inscreve qualquer coisa como 'Manual da cultura interior para homens exteriormente bárbaros' ". 

"O homem que procura compreender, calcular, apreender, no momento em que deveria fixar na sua memória, como um longo sobressalto, o acontecimento incompreensível que o sublime constitui, pode ser considerado inteligente, no sentido em que Schiller fala da inteligência do homem inteligente; há coisas que uma criança vê e que ele não vê. Não será capaz de ver o pormenor único, exactamente o mais importante, porque a sua inteligência é mais pueril que do que a de uma criança e mais vã que a de um simples de espírito, apesar das numerosas rugas da sua face manhosa e encanecida e das suas mãos hábeis para desfazer as redes mais complicadas. Resulta isto de que, tendo perdido e destruído o seu instinto, ele não ousa soltar o freio do 'animal divino' quando a sua inteligência vacila e o seu caminho passa por desertos. O indivíduo torna-se então timorato e hesitante e perde a confiança em si; dobra-se sobre si próprio, sobre a sua 'interioridade',"

"A filosofia não tem direito de existir no interior de uma cultura histórica se pretender ser algo diferente de um saber confidencial e sem acção."

das "Considerações Intempestivas" do amiguinho Frederico Nietzsche,
mariposa rondante lâmpada. 
tradução de Lemos de Azevedo.    

terça-feira, 28 de agosto de 2012

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Oscar me escreve muito

"As trevas se dispersam e o Sol tende a iluminar novamente o caminho. Compreenda a alternância infalível dos ciclos para que a ansiedade seja posta de castigo num canto gelado, de onde nunca mais deveria sair."

terça-feira, 21 de agosto de 2012

a rota

comi um sushi podre que me revirou o estragado pro avesso, nessas últimas horas. mas, dizer bem, mais difícil foi atravessar a memória. como se o fazer das tripas pra fora fosse um ciclo de desistências e resignações, ou de momentos em que a tensão do pensamento é tão grande, ou o tsunami dos acontecimentos tão onda do tempo, que seria como se vomitar fosse uma pontuação. dos empecilhos e do excesso de estímulo que é o mundo. torci tanto pra que amanhecesse, e então pude dormir, desanuviada, com a certeza de que tempos já foram piores, e que as intoxicações alimentares continuam sendo uma maneira de dizer chega! pra algo que se violenta em mim.
meu pai, por sua vez, diz que em são paulo não chove. e que se espera então pela chuva, os pensamentos secos acompanham. é difícil ser orquídea num mundo de aço, mas no fundo é um cowboy com nervos de espaço. minha vida me ultrapassa em qualquer rota
no domingo eu vi uma ovelha comendo silvas, as amoras das silvas e os galhos cheios de espinhos das silvas. não sei, não percebi, mas estava ali, toda a alegoria da minha (difícil) digestão. 
no mais, vejo astros em toda parte e sei que saturno na soleira: segura a porta, sem bater, entra.
e é bom, a melhor coisa do mundo, voltar a escrever.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

ontem, no socalco

"Light breaks on secret lots,
On tips of thought where thoughts smell in the rain;
When logics die,
The secret of the soil grows through the eye,
And blood jumps in the sun;
Above the waste allotments the dawn halts."

dylan thomas

terça-feira, 14 de agosto de 2012

houve uma vez, eu estava viva, e os campos estalavam. estalavam conforme os passos, e o vento. depois me tornei os próprios passos, os campos se alagaram, e você foi a janela pela qual eu saltei, e fui viver na melancolia.

os cabelos negros, os pássaros negros, os dentes dos negros,
tudo agora é o teu nome
e a tua voz abre a porta, cria

domingo, 12 de agosto de 2012

este foi o terceiro

desejei três modos de escrever azul hoje.
"enumera a raiva de todas as produções poéticas, a contidão do que não cabe, em razões maiores do que as diversas. Existe uma contigüidade lateral na viagem do esquisito, que a poesia não deixa a vida perder, e ele ignora isso. Se eu tivesse um bastão e um gnu, soltava ambos em cima dele. Mas a promiscuidade do amálgama também me interessa, e alguma gentileza (mais para o veludo do que para a pelica). Com isto, oncinhas só na estampa dos outros. Eu, meu bem, vou de azul-marinho.".

pares prováveis

EXPLICAÇÃO DA NOITE

Sobre a água estarei solto de caminhos
Dos que vierem nenhum barco é para ti

Não deixes a candeia acesa
Dorme: basta-me essa luz


(Daniel Faria)


DO NOT GO GENTLE INTO THAT GOOD NIGHT

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night,
Rage, rage against the dying of the light.


(Dylan Thomas)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

eu sou a casa no rolar da fúria

eu te amo quando você diz que precisa se perder para se encontrar. 
e imagino como isto é terrível, libertador. 
eu posso te perder.
eu posso te encontrar.
eu me perco muito, tentando me encontrar.
"sou uma devastação inteligente".
no fundo, temos a mesma cor. 
e quando você é uma tempestade, eu sou a água entrando por dentro da terra, inchando as raízes, arrebentam. a água que evapora é você de novo. sutil nuvem. então quando eu chovo, descubro que é você a terra.

domingo, 5 de agosto de 2012

a partir de


Apartirde,
minha ancestral vontade de partir
não pode ver um aeroporto
que tem ganas de ir te ver.

na janelinha sabiás, melros
urubus abrem os ligamentos das nuvens.
saberás pela primeira andorinha
que ao meu lado tudo
tudo estréia, primavera
depois verão.

o corpo está dando pane
o tempo entre um verso e outro
alargou-se
de 20 segundos a 2 minutos ou 20 anos.

esta deusa é tudo, menos fácil
canelinha roxa com penduricalho
e lá por dentro as viúvas nos portais
oscilando, dizendo não.

a dona só se veste de azul-marinho.
aqui de calcinha.
28 anos e a barriga estufada.
domingo no lençol rosa.



seta maybe reset

bom dia. atribulada.
tenho sonhos que parecem peregrinações. se chegarmos a um santuário, imagino que vá implodi-lo.
penso até muito tarde que devo me afastar dos símbolos,
das alegorias, viva o carnaval
ou a carne que se dá
de troco a troco
arpões, sereias e serpentes.
embora não tenha mais vertigens, vontades de saltar
ah isso sim. e ontem quando chegamos em casa
na porta eu pensava que haveria fogo
subindo, subido pelas prateleiras
ou no armário da cozinha
as pimentas carbonizadas.
vou ficar atrás da porta?
quando me acostumo com uma casa
começa acontecer, de voltar cansada
que na minha ausência tudo se perdeu.
os fogos nos pés de Hermes, palavras
apetrechadas de asas. só deus sabe
o que eu teria sido sem ti.

terça-feira, 31 de julho de 2012

miolo de pão

os três livros ao meu redor
são quatro, na verdade
têm a mesma cor de capa entre si
cor de vinho quando entorpece.
é das minhas cores favoritas.
mas, problema! problema!
há tanta severidade, atenção!
entre as minhas costelas
que o linho da camisa pinica
e os três (quatro) livros?
intoleráveis!

mas hoje de manhã quando acordei
fiquei deitada no sofá e escolhi
acender aquele de ontem, aquele.
nem café ainda, eu tinha
mas já no copo de manhã
quando peguei no lume,
e tchibum, tchalá
lá e dois goles de café
para cada título empilhado
um formigamento diferente.

nesta manhã me prometi
que não ia
escrever sobre livros.
mas já estou aqui
tentando descrever
o que foi olhá-los
hoje de manhã
e que eles me convidaram
um a um, para lembrar
das festas, as roçadas,
obscuros fins de tarde
tivemos juntos.

porque muita gente escreve sobre livros.
muita gente demais escreve sobre livros.
eu sou uma delas. eu stalactite.
estela, by a starlight.
mais do que o teu sonho, a galáxia
eles transmitem.


- - - - - - - vou aprender a esparramar geléia no corpo intenso - - - - - - - - - - -

domingo, 29 de julho de 2012

pra quem me gosta sem conhecer

ando com tanta boa vontade com as pessoas que quando ouvi uma moto acelerando lá embaixo pensei que fosse uma britadeira sendo usada em horário inadequado por algum vizinho, domingo. ou seja, falei a frase em cima disso: "estão serrando uma pessoa ali embaixo, com uma lixa.".

então veio a noite de todos os destinos, e descortinou-se.

num determinado dia

Quando alguém vem de dentro de uma coisa cultural e certamente não se é européia, nem índia, mas o que se é por toda parte, e se depara com Artaud oscilando pelas experiências com o Peyotl e os Tarahumaras, no reconhecimento desta proximidade: tanto de Artaud, o alucinado sofredor da coragem que nunca vou ser, só se por admiração ou vício, sente-se, senti-me de certa forma estúpida por ainda nunca ter simplesmente escrito do chá, embora muitas vezes já tenha escrito com ele ou usando da força que a combinação fervida de um cipó com uma folha (amazônicos, ambos) por horas de preparo, pode suscitar em um corpo humano, neste caso de mulher, eu. Para além da narrativa se produzir enquanto relato, eu um filtro do contar (fingir que dizer não significa, é um ato), certas coisas me inquietam e certamente são, como todas as coisas que me inquietam verdadeiramente, da ordem das semelhanças. Das semelhanças entre os homens. Por que onde começa e onde termina a natureza? Química, biologia, de nada disso posso dizer. Não tenho ciência. E sei que a poesia nem sempre me visita. Suave implacável mariposa. Divina espécie, este corpo do qual faço parte.

mas o espírito de tudo quando ainda não havia

Um corpo de medo ultrapassado. O mato gordo e mais virgem que uma puta, mato daquele verde retinto e gordo, que tão bem se acopla em si mesmo, quanto mais perto do barro vermelho. Aquele verde carnudo feito um olho. Que explode feito olho mordido. Mas, de seiva branca que deitará, ninguém morde. A não ser quando no corpo invade a cobra. Mas eu estava voltada para a pessoa que vive em mim. Estava feliz por ser eu mesma, com as plantas ao redor e uma estrada embaixo dos pés. Eu era incapaz de ser incapaz, naquele instante. Com os passos que eu estava dando, toda a fúria do frio tornava-se liquida pelos tendões, se aquecendo em sangue. Eu era o próprio arame da cobra que tinha comido a seiva branca, eu tinha coragem. E nenhum veneno.

sábado, 28 de julho de 2012

nem gente, nem parafuso

A origem de tudo o que eu conheço é um carrossel. Quando nós começamos era o coração da minha mãe. Eu estava fora do salão e tocava Mozart lá dentro. Eu ouvia, debruçada em mim mesma, como se o queixo abraçasse meu esterno, o pescoço curvado, a testa em direção ao estômago. Enrolada no meu edredom cor de rosa como em um longo xale que, vindo pelos ombros e cobrindo todas as costas, alcançasse até minhas pernas também, toda embrulhada. Ao que nunca soube se a cor de carne que tantas vezes acabo por ver deriva do meu próprio sangue ou de uma espécie de cortina, seja ele do meu respeitável aquecedor em tecido que outras vezes me fez o audaz super-herói da capa vermelha, ou das minhas próprias pálpebras. Os acordes, talvez, a combinação dos violinos mais propriamente a agora a recordação do meu amigo, minha primeira paixão, o homem com quem perdi a virgindade dizer anos antes “o som dos violinos é tão natural” e a de anos depois do meu professor “a língua da poesia é a língua materna”, a música compunha dentro do meu peito um carrossel de vidro e carne, dentro de um cristal giravam cavalos pequeninos brancos, delicadamente, e num mesmo ritmo sem nunca oscilarem, a pequena pedra era um salão austríaco onde dançavam e era sobretudo o amor que a minha mãe sente por mim. Pude descansar como se respirasse cem vezes em uma só e o corpo absolutamente oxigenado recomeçasse leve, sutil, encarnado. E de tão íntegro só pudesse confiar nos seres de presente absoluto.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

momento sabedoria

as épocas de concretização são épocas de gênese, na verdade.

a constância também não é um equívoco.

tinha mais uma, mas eu tenho que ir beber sakê.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

coisas que faltam

eu tinha uma moto tipo scooter, preta. e andava com ela quilómetros numa estrada de muitos pinheiros, era de noite. chegava lá no fim da estrada tinha um posto de saúde, que era onde eu estava indo, fazer uns exames. mas chego lá e meus documentos não são exatamente os que eu preciso pra'quela situação. aparece a virgínia, eu prometo que dou carona pra ela de volta. então outra funcionária surge e resolve minha falta de documentos com um sorriso. vou ver não sei o quê na scooter e noto que o pneu traseiro estava furado. muito furado. chego no posto de gasolina da cidade (que eu imaginava até então que não existia) e o cara diz que consegue consertar meu pneu. e eu fico olhando. pergunto pra ele se tem problema dirigir sem capacete, ele me diz que não, que ali não é regra, nem lei. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

aterrisei assim

aterrisei assim
deixei meus pais no aeroporto
almocei caril de camarão
(indeed caril de gambas)
fui na praia com o daniel
tomei rajada de vento
água fria
gelado
magnum
comboio
participei de uma filmagem
meus poemas pisaram em mim com os dois pés
sábado todo sem sair de casa
chorei por uma frase
domingo guacamole
espirro
o melhor sexo de todos os tempos
dor de garganta
fico menstruada
termino um capítulo
o tempo e o octavio
vão bem
copio palavras de outros até meu ombro doer
tenho cólicas
não salto no abismo antes de terminar.

me sabe a europa



‎"Much of it is expensively copied and decorated, but it has a rich and complex history: additions, resequencing, later annotations, and much else make its origins and changes hard to trace."

estão falando no trecho acima sobre a tal música européia de muitos séculos atrás. 
o que me impressiona é como com pequenas modificações poderia ser um texto sobre a cultura da miscigenação no brasil. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

as abelhas que salvaram da encosta

começa assim. uma história. começa assim. alguém entre as árvores, salta. alguém que nunca tinha saído de uma ilha. este alguém vê uma abelha. não sei se o pensamento deste alguém sentiu primeiro que corria o risco de ser picado ou se lembrou que as abelhas dão doce mel. mas este alguém não era alérgico, e eu nem sei exatamente se as abelhas dão mel, feito as flores, ou se o fazem; e algum de nós se mete a tirar delas, tudo o que tiver para lambuzar
eu quero. esta história que estou lendo é dos tempos que eu gostava de lápis de cor. mas naquele tempo ainda não sabia sus-ter a respiração de modo a animar, acalmar o corpo, através, talvez, dos batimentos do meu coração. que não se confunde com o coração do nosso herói, que certamente é escrito pelo ritmo deles. sobretudo da expiração.
ontem escrevi. 
o nosso herói sobreviveu a um grande ser, que arrancou as encostas de uma montanha feito essas pontas de lápis que arrasto sobre a mesa, e atirou sobre o nosso herói. que por não ter feito nada com as abelhas do início da nossa história, salvaram-no. 

sábado, 21 de julho de 2012

Antes de ontem sonhei com a m. Ela me explicava uma meia dúzia de coisas dentro da própria casa dos meus pais. Lembro que os sofás eram de veludo e as luzes baixas. Os móveis escuros, castanhos, vinhos. Eu sentia e sentia e consentia. Havia algo entre ela e o julgamento do meu pai que se distanciava. Mas meus pais não estavam mais, ou não tinham chegado. Então ela me dizia que faltava o coração, que eu tinha que ir pro coração das coisas. 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

a câmara clara

-alô
-ei
-e aí?
-tá sussa.
-fazendo?
-texto.
-hm. tb.
-...
-...
-loucura, né?
-é. puxa.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

se um vaso na testa quebrasse

o bom das cidades é que elas não são de ninguém. mas há os comerciantes do bairro, as velhotas falando dos vasos das outras, existem os prefeitos e os presidentes das câmaras e os políciais que batem nas pessoas e as pessoas que ajudam outras a atravessar a rua. o bom das cidades é que elas não são de ninguém e se abre um fosso, um esguicho nos dias de calor, ou a impossibilidade de dois guarda-chuvas atravessarem um mesmo espaço. o bom das cidades é que elas não são de ninguém e você pode escarrar na boca-do-lobo e latir au au au pro cão dos outros. o bom das cidades é que elas têm na loja ao lado couscous do marrocos, bacalhau da noruega, mandiocas da paraíba e frangos no isopor. ultracorega. o bom das cidades é que elas não sendo de ninguém, atravessam o espaço, tomam a lua e arquitetam a órbita do universo. enquanto a sirene passa lá embaixo.   

da voz que faz o dia renascer

sexta-feira, 13 de julho de 2012

verão

essa noite, não foi sonho não, eu levantei e era quase de manhã. no caminho de volta do banheiro, vi a cama, azul. e me lembrei que virá o frio e será muito difícil. dormi. dormi triste.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

descansa,

E fica o nada e o vazio que a clareira do bosque dá como resposta àquilo que se procura. Mas se nada se procura, a oferenda será imprevisível, ilimitada. Já que parece que o nada e o vazio - ou o nada ou o vazio- têm de estar presentes ou latentes continuamente na vida humana. E para não se ser devorado pelo nada ou pelo vazio há que fazê-los cada homem em si, há pelo menos que deter-se, ficar em suspenso, no negativo do êxtase. Suspender a pergunta que cremos constitutiva do humano. A maléfica pergunta ao guia, à presença que se desvanece se for acossada, à própria alma asfixiada pelo perguntar da consciência revolta, à própria mente a que não se consente tréguas para conceber em silêncio, obscuramente também, sem que a pergunta interruptora a faça desaparecer na mudez da escrava. E o temor do êxtase que perante a claridade vivente acomete obriga a fugir da clareira do bosque o seu visitante, que assim se torna intruso. E se entra como intruso, escuta a voz do pássaro como reprovação e como troça: "buscavas-me e agora, quando te sou enfim propício, voltas para esse lugar onde respirar não podes", ou algo semelhante soa no seu canto desigual. E um certo sossego pode procurar essa reprovação e essa troça. Na cena das bodas, único momento em que Dante encontra Beatriz frente a frente, ele vê-a troçar, como uma dama vulgar com as suas amigas, da perturbação que o enamorado sem par sente ao vê-la tão perto e ao poder servi-la inesperadamente. E foge para o aposento vizinho, e o amigo apresentador - guia - pergunta-lhe qual a causa de tanta perturbação. Io tenni li piedi en quella parte de la vita di là quale nom si puote ire più per intendimento di ritornare*.



* Eu tinha meus pés naquela parte da vida à qual não se pode ir com intenção de regressar. María Zambrano refere-se a um trecho da Vita Nuova, de Dante. (N. do T.)
[do "Clareiras do Bosque", María Zambrano. Tradução de José Bento]

o mundo é feito de possíveis

lembrei ontem o que eu quero ser na vida: uma pré-escola.

armadura

eu estava chegando em casa. na farmácia que fica aqui embaixo e onde só comprei uma pomada contra assaduras e uns remédios pra dor de cabeça uma vez, tinha um cartaz colado na vitrine em que a cara do homem da propaganda tinha sido substituída por um buraco onde uma xícara de café despejava. assustei como criança, filme de terror, não sei. tenho visto setas, flechas atravessando o céu do quarto, quando acordo. se eu tivesse um trapézio talvez os ombros mais leves. mas sou de prata. eu sou a própria luminância por cima.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

achei a salvação pública


vamos chamar o vento

curioso, os sonhos com azul. e também a auto-salvação, de percebida que foi a falta de auto-contato. não sei bem onde isto vai dar. sei que tenho que escrever uma dissertação, mas preferia olhar o guindaste ali em frente trabalhando. talvez ele falasse mais de tradição do que eu, ou concebesse do tempo a estrutura vital. rasgando o céu, 

vamos pensar
em público. o pensamento público. o caminho do pensamento,

o leitor do tempo
constelação do
homem constelação

ensinou-me uma espécie de rito, do respeito.
averigua-se uma vontade pronominal de encaixe
anca com anca
língua com língua
meus países
bela vista.

visitas em monumentos históricos. castelos, ruínas. gosto de ambos. e os turistas de meias brancas. e os turistas vestindo muito cáqui. e os turistas. o nietzsche tinha tanta razão, em nós sermos (notados desde quando não sei, mas do seu termômetro-escrita) a cultura do excesso de cultura histórica. 

que mundo é este onde as pessoas não têm mais tanto só "a roupa de domingo", separada dos outros dias da semana. mas seriamente desconfiada - ando- de que existam roupas de turistas. lojas de roupas de turistas, onde eles passam antes de visitar as (nossas) disneylândias históricas e escolhem as melhores meias mais brancas, e todas as roupas cáquis do mundo, 

in the sky, by my dream.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

trilogia da incomunicabilidade

tríade de quadrúpedes saltavam num campo de crateras
cada patada abria um buraco maior na esfera
e de cada salto se fazia uma estrela, um dom, uma luva.

luva esta que permitia a entrada nas tripas
nas tripas da luz de uma estrela
anti-queimaduras, vertigem em chamas

meu livro está tão quase pronto
tão quase pronto
que nem mexo nele, que é pra não acabar.

dia desses vou tê-lo. entre os dedos
das pernas, o novelo. o que cair no chão
risca a cisma, invade o ringue, fura a bóia
de língua no salão: salteia, rodopia
feito alho na frigideira quente
quando esparrama, mata bactérias
meu coração fungicida
ontem soube que o lorca
que a tradição do lorca
falava em duendes, depois
ny o deixou doente
não foi suficiente
para a poesia moderna
nascer & nem morrer
tantas coisas suficientes
mas ali dela, nem isto.
eu continuo, prefiro
perder o risco
sou tão domada
arisco é o ceú
nesse quente-esfria
entre todas as probabilidades
não sou de mais ninguém
escolho o queixo
tudo teu. meu. e teu
de novo.

a incrível saga del rei


minha mão esquerda tem seis anos

acordei disposta a pensar num gato ou a pensar numa flecha. fazia muito tempo que antes de dormir eu não cerzia tudo. é como se um corte tivesse fechado, e eu dormi num playground de travesseiros, macios.
mas tive um sonho de ciúmes, transgrediram tuas mãos. em um comboio, o vagão, a carruagem da alimentação. meu coração é uma vagem, teus olhos as ervilhas, etc.

sábado, 30 de junho de 2012

é que ontem fiquei olhando muito tempo um livro na estante da carol

este sonho foi assim: só lembro da cara de um menino de coisa de 8, 10 anos. ele era um menino de filme do truffaut, ou de foto do doisneau, um menino em preto e branco. se mexia, vivo. e ele tinha em volta da cara uma moldura ambulante que o acompanhava. embaixo dela, o título, que também era o nome do menino: O ROMANCE.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

do diabo tenho alergia do diabo

lembrei-me repentinamente da cura e do dom para. há um pedaço que viaja pelas lágrimas, mas há maior pedaço que se concentra em não se desesperar, em contornar, em fazer pensar o melhor. com tantos defeitos, o maior deles não será a fraqueza.

havia uma cena da memória que retornava. fantasiada de fantasma, ou fantasma mesmo sendo, era uma viagem. eu, que já fui samurai, eu que uso azul todos os dias, costurando. costurar a língua com a linha azul, a língua do pensamento labareda, queima. tornar azul, a água arrefece e amacia, a língua.

dentre os elementos falta-me o ar
sem nunca fazer falta

eu mesma cometo muitas
derrubo o atacante na área
etc etc etc etc etc etc

fica cansada não
mia fia faz pão.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

ternura

minha mãe tão
justa, pela justiça enfeitiçada.
eu: feiticeira do critério.
oscilaria quanto mais
fosse preciso, mas agora
vou dizer: tu és a minha
carne, ó dor (ó mãe), e
eu sou a tua voz e
te farei quantas vezes sofrer
por nós.

terça-feira, 26 de junho de 2012

instruções para melhorar as coisas

o comandante trouxe uma bandeja com os dejetos. havia três olhos nela. por conta da falta de um para dois pares, logo se pensou que o olho que sobrava ainda estaria nas órbitas de alguém, que havia perdido, portanto, um. 

ah! se no mundo tantas coisas fossem lógicas como aquela bandeja.

- - -

tive um avião, tive um comandante.
fui feliz.
hoje, o avião quando sobe apita. o comandante foi beber água
beber água
e saltou.


- - -

se fosse possível trazer uma estrela da próxima vez?


- - -

respire uma vez
respire outra
respire uma vez
respire outra
respire uma vez
respire outra
respire respire
respire respire
reprise

- - -

seja, você também, o verão dos seus contemporâneos.

No hay poema en sí, sino en mí o en tí.

Don Octavio, el amor.

domingo, 24 de junho de 2012

ou a pangéia craquelasse um cadinho mais lá

estou com sinceras impressões
de que hoje é janeiro
se houvesse manga, era bahia
e que caetano quando compôs
baby "vivemos na melhor
cidade da América do Sul"
se referia à Lisboa.

se a crise é "européia" achei
a solução;

sexta-feira, 22 de junho de 2012

o melhor lugar do mundo

o melhor lugar do mundo
é o mundo. se eu me chamasse raimundo
talvez não tivesse cortado o cabelo ontem.
hoje a grécia vai eliminar a alemanha.
ontem depois do jogo
quis vos dizer: é bom vê-los felizes.
depois eram 4h da manhã e acordei com uns gajos gritando
ainda lá embaixo
a vitória. achei melancólico.
não perdi o sono.
o primeiro dia do verão é hoje.
e eu sou uma aventura
enrolada entre os galhos
uma andorinha se esconde
ainda não é hora de guardar
nem de tirar as mantas
esse verão mais frio do que o frio.
mas hoje esquentou
e eu tenho onde ir
quem amar e
o hábito de dizer três coisas
diferentes e completamentares.

realce

eu ontem comecei a escrever também aqui
quem faz pesquisa é o google, eu estudo.

El remedio contra la sensación y su dispersión instantánea es la reflexión. Entre una sensación y otra, entre un instante y otro, la reflexión interpone una distancia que también es un puente: una medida. Esa distancia se llama ritmo, también se llama símbolo e idea. 

Don Octavio, el perseguidor.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

propício

tudo tão só
no próprio lugar
que nem me interessa escrever um poema
a não ser que ele fale
do próprio lugar
em que tudo está.

os acontecimentos
como são? e o amor?
entretanto dizem tanto
não sei se vertigem
rumor da água
o princípio do caos.

os seixos shhhhhhh
rolam fazem ssssss
ilêncio tinha três filhos
ilêncio filho, ilhota e ilharga.
deles agora resta o aroma.
ponho os pés sobre a mesa.
o isqueiro que acabou
tanta coisa
pra se pensar.

não definhar
na insistente, hi-
     per dura
     vida.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

13/03/12 (à máquina)

no autocarro pensei em fazer uma série no livro de poemas de retratos familiares. depois lembrei que [...] sem dúvida outro seria para o meu vô [...]

       meu avô era tipo marlom brando
       que depois empenou como uma pipa de massa
       os portugueses gostam de gordura
       que é uma forma de aliciamento do desejo
       da matéria.
o que mais interessa falar no caso desse vô é dos olhos.
        meu avô me regulava os corredores escursos
        e xxxxxxxxxx o sexo infantil dos objetos macios
        seu olhar morto viajava pela criança que fui
        e foi bem mais tarde que as duas fotografias
        em cima do móvel da casa da minha vó
        que notei no meu olhar de sete anos
        o moleton roxinho e a franja cortadinha
a foto para o passaporte para vir conhecer
aos sete anos esse país onde vim viver
e da onde meio que meu avô era
e pra onde veio concluir, em coimbra, os
estudos, com a minha vó, muito apaixonados
vê-se nas fotos - - - mas em cima do móvel
denso da minha vó, a fotografia dele era muito
maior e de outra oficialidade, uma foto de cargo
a cabeça inclinada, catedrático ou reitor, mas o olhar
o modo de olhar, o ângulo meio vesgo e aquático
perfurático e diretivo, do meu avô aos 40 e tantos
era idêntico, era o meu aos 7 anos.
esse olhar de ter idéias, ainda me acompanha
hoje.      nem sempre, talvez
               as melhores.

[...]
essa noite eu sonhei
(tão óbvio)
que eu tinha cavalos
no lugar dos pulmões

quarta-feira, 13 de junho de 2012

homens que

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

#

Homens que são como projectos de casas
Em suas varandas inclinadas para o mundo
Homens nas varandas voltados para a velhice
Muito danificados pelas intempéries

Homens cheios de vasilhas esperando a chuva
Parados à espera
De um companheiro possível para diálogo interior

Homens muito voltados para um modo de ver
Um olhar fixo como quem vem caminhando ao encontro
De si mesmo
Homens tão impreparados tão desprevenidos
Para se receber

Homens à chuva com as mãos nos olhos
Imaginando relâmpagos
Homens abrindo lume
Para enxugar o rosto para fechar os olhos
Tão impreparados tão desprevenidos
Tão confusos à espera de um sistema solar
Onde seja possível uma sombra maior

# #

Amanhecemos sem materiais suficientes para a luz total
Embora nos estiquemos como cabras nos penhascos para os arbustos
Mais tenros, esticamo-nos para não nos doer a lembrança
Das manhãs tão sossegadas dos cavalos nos pastos

Explico que amanhecemos mastigando as ervas venenosas
Buscando um som mais poderoso do que o bater dos cascos
Um balido interior reunindo rebanhos
Uma palavra fonte múltipla como o úbere das cabras

Amanhecemos cheios de sede como se viéssemos de um outro hemisfério
Num galope rápido
Esticando-nos como arbustos tenros chamando
Amanhecemos nocturnamente fincando os joelhos nos penhascos
Levantamo-nos para sacudir as crinas para escovar os cavalos

Amanhecemos sem braçados bastantes para a luz
Queimados pelas palavras.
Organizamos rebanhos junto das águas
Andamos nas margens no meio da tarde.
Esticamo-nos para seremos setas de fogo
Ou o som dos chocalhos trespassando
Os mais tenros rebentos das chamas.



(poemas do Daniel Faria, de "Homens que são como lugares mal situados".)

domingo, 10 de junho de 2012

os alquimistas estão chegando

eu chegava numa casa suspensa por colunas, e o chão dela por baixo era todo gramado. eram duas casas vizinhas, uma muito bem cuidada, a outra não tanto. eram como imagens do passado e do presente. a do passado estava mais arruínada, impressionava o desgaste, mas também se notava o mais simples: de que não havia nada lá, além de muita atmosfera de tudo. a entrada nelas era por alçapões embaixo, mas como o terreno ficava em declive, as faces da frente delas também tinham janelas. não era minha casa, mas eu tinha sido convidada, e havia muita gente lá. 

eu procurava por um cão que era da casa, e encontrava num velho tanque, improvisado, uma casinha para filhotes de cães que tinham nascido faz pouco. quando pegava um deles, era o cão mais lindo do mundo, e já tinha uns seis anos. uma espécie de basset hound, só que com a pelagem escura e brilhante, e com uma crista feito a de um cavalo. andávamos pelo terreno, éramos amigos.

repentinamente eu estava no centro do terreno, aquele lugar era uma vila medieval e queriam me enforcar. perguntavam o que eu queria, que eu tinha ido ali roubar o capitão. eu dizia "não, o que quero é o cachorro do capitão". então eu virava um navegante japonês, samurai, umas roupas do século XIX, me davam um barco à vela e o cão.

eu via no sonho eu navegante com o cão, navegando no mar sem tamanho, que era azul azul azul, e brilhante, todo ondulado como se eu visse montanhas no mar. um mar de lona, mas não, mar de água. minha vela cortava o oceano, o cão era meu, tão maior o azul.
 

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